quinta-feira, 30 de abril de 2009

Obrigado, por não fumar

Julinha Arruda há de me perdoar. Mas ontem mesmo, ao sair para comprar meu costumeiro lote de cigarros, dela me lembrei, não sem uma sombra de culpa. Parêntesis: ainda não chegamos a esse ponto de controle da informação, nem a coluna é um maço de 20 veneninhos enrolados, mas como eu citei a palavra maldita, me antecipo ao Ministério da Saúde e, juntos, advertimos: “Este produto [cigarro] contém mais de 4.700 substâncias tóxicas, e nicotina que causa dependência física ou psíquica. Não existem níveis seguros para consumo destas substâncias.”
Ok. E Júlia Arruda, onde entra? É que a vereadora, em pronunciamento na proba Câmara Municipal deste Arraial, semana passada, acenou com um projeto de lei que cria uma campanha permanente contra o tabagismo, com o público-alvo preferencial entre os mais jovens.
A idéia é distribuir uma cartilha educativa enumerando e explicando os males do tabaco.
O resultado – pretendido, almejado – é que os jovens se tornarão mais conscientes e não vão querer botar um cigarro no bico, jamais.
Ponto.
Mas, dizia eu ainda na primeira linha, que fui comprar os tais cigarros – onde? Na cigarreira da esquina (ou seja, para os mais jovens, na banca de jornais da esquina). É onde normalmente os viciados se abastecem e escolhem entre a foto da perna necrosada, do rato e da barata mortos, dos dentes amarelados e carcomidos. Que mais aparece no verso dos maços? Ah! tem a do carinha nu meio desfocado e, em primeiro plano, um polegar virado pra baixo, como na Roma dos gladiadores, a esconder o órgão viril (não mais viril depois de umas baforadas, insinua, ou diz, ou afirma, a literatura médica).
É piada corrente entre os fumantes machos (do sexo masculino, não necessariamente machões) que todas as carteiras podem ser compradas, menos a que se refere à impotência sexual. “Me dá a da perna perebenta”, diz um, “me dá a do amputado”, diz outro. É verdade, parece e é grotesco, mas é verdade.
CIGARREIRA
Quando eu tinha uns 20 anos e ninguém – nem vereador, nem ministro de estado – se preocupava com a minha saúde, lembro que não adiantava pedir um maço nas cigarreiras cariocas. “Tá pensando o quê? Isso aqui é uma cigarreira”, me diziam. E cigarreira, na Guanabara, em Ipanema, era o local onde se vendia jornais. E revistas. E tais.
Na Suécia, e em outros países escandinavos, onde o alcoolismo é um problema sério, bebida alcoólica não se vende em qualquer lugar.
Daí que penso que a discussão, além da prevenção, podia passar pelos pontos de venda. E pela facilidade com que se compra tabaco industrializado.
Mas aí eu me lembro que a marijuana, a popular maconha, não se compra em qualquer esquina. E no entanto se vende, se consome, se fuma.
E que os DVDs piratas também são proibidos. Mas na frente de qualquer restaurante self service, dos melhores aos piores, os rapazes estão lá, tirando um troco.
E, por último, mas não menos importante, as bancas de jornais já vendem outros produtos nocivos – revistas e jornais, inclusive. Os “bons” jornais, por exemplo, são um atentado àqueles que tramam na obscuridade, ao revelar o jogo sujo dos mal lavados. Os “maus” jornais, um serviço àqueles, e um desserviço à informação e à cidadania. “Não existem níveis seguros para consumo destas informações” – não deveriam, pois, os jornais exibir na primeira página o alerta?
O negócio é todo meio confuso, reconheço, e o sobrescrito tornou-o ainda mais. Mas é bom que se discuta e se proponha. É aos trancos e barrancos que caminha a civilização.
*
BOLSA
Começa em maio o programa Jovem Talento – que oferecerá bolsas de pesquisa (R$ 100 por mês) a 110 estudantes do ensino médio de 15 municípios deste Erre-Ene.
CORDEL SUSTENTÁVEL
Prosseguem até o dia 3 de julho as inscrições para o Prêmio Cosern de Literatura de Cordel, que este ano “inova”, ao abrir as participações não apenas aos estudantes, mas a qualquer um interessado, inclusive os próprios cordelistas.
O tema é “Sustentabilidade” e mais informações estão no sítio www.premiocordel.com.br.
MULHERES
Uma rica “sem noção”, uma empregada doméstica que não trabalha, uma professora do ensino fundamental que surta em sala de aula, uma enfermeira hipocondríaca, uma paquita em crise, uma publicitária moderna e também em crise, uma secretária que quer emagrecer, e a clássica moça de cabelo escovado com medo da chuva são as personagens de “Ultraje”, peça que se encena no TAM, dias 2 e 3 de maio.
A direção é de Marci Lohss, que também atua ao lado de Adriana Borba, Harlane Louise, Ramona Lina e Rebeca Carozza.
PUB
Amanhã tem Mobydick e VNV no show “Décadas do rock”, e sábado a Kentucky, uma “country rock band” se apresenta – no Budda Pub, Ponta Negra.



PROSA
“Meus dias acabaram por ser um rosário de cigarros e de propósitos de não voltar a fumar”
Italo Svevo
A consciência de Zeno
VERSO
“tínhamos torrado os nossos pulmões fumando mata-rato
mas, ao ver o porto, enchemos de novo o peito, como tonéis”
Ievtushênko
“Balada sobre a bebida”

quarta-feira, 29 de abril de 2009

Notas de fim de abril

NUA
Maio, mês das noivas, dia do trabalho etc., marca também a estréia de Renan Rêgo clicando um nu – feminino, pois não – nas páginas da Playboy.
Na capa, uma BBB. Para as próximas capas, junho e julho, adivinhem: moças-BBB também.
A moda-filosofia do BBB, aliás, está em todas, chegou até em sítios intelectuais onde rugem leões sem juba, riem hienas sem pêlo, e grasnam corvos do além. Assombração é pouco.
DANÇA NA MESA
Programação extensa hoje, Dia Internacional da Dança.
Começa às 10h no Auditório da Capitania das Artes, onde a professora Karenine Porpino, o coreógrafo Sávio de Luna e os bailarinos Maurício Mota e Rosa Costa compõem a clássica mesa redonda para discutir o cenário da dança atual com especial atenção para esta Província Submersa.
DANÇA NO CAFÉ
Como os dançarinos locais são menos esfomeados do que os poetas e poetastros, não rola café-da-manhã, mas um moderno “coffe break”, coisa de 11h30.
Enquanto o público sorve o cafezinho (sem levantar o mindinho, por favor) os bailarinos do Balé Municipal da Cidade do Natal fazem “intervenção coreográfica”. Ou seja, dançam.
DANÇA NO LARGO
Lá pra mais tarde, depois da siesta, sol baixinho ensaiando crepúsculo, no Largo do Museu Djalma Maranhão tem uma ruma de apresentações, a partir das cinco da tarde: 12 companhias e escolas de dança da City mostram seus trabalhos, entre elas o Grupo de Dança da UFRN, a Roda Viva Companhia de Dança, as Escolas de Dança do TAM e de Ballet Professor Roosevelt Pimenta, o Balé Maria Cardoso, o Balé da Cidade do Natal, a Domínio Companhia de Dança, Grupo Gira Dança, Companhia do Movimento, e, ufa, a Espaço Vivo Companhia de Dança.
DANÇA NA PLATÉIA
Pra encerrar, o professor e dançarino – carioca, informa o release – Ronaldo Damas vai ensinar pra platéia uns passinhos de “swing jazz”. De grátis.
FESTIVALEIROS
Com a “memória afetiva saudosa” e a “auto-estima potyguar elevada”, Zé Dias lembrava dia desses que, nos anos 70, influenciados pelos Tropicalistas e por Edu Lobo, Chico Buarque, Geraldo Vandré e outros, os hoje médicos Napoleão Paiva e Ivanildo Cortez, mais o secretário de administração do município Roberto Lima “tiveram a honra de representar o Estado do RN, em Festivais da Canção de grande valor musical”.
FESTIVALEIROS II
Pois, a coluna continua lembrando aos leitores e leitoras: as inscrições para o IV MPBeco – Festival de Música do Beco da Lama, também “de grande valor musical” – terminam amanhã.
Com prêmios que, somados, chegam à casa dos R$ 10 mil.
Pra saber como participar ligue pra Pimenta (9906.8740) ou Prudêncio (9416.8016).
E boa sorte.
FESTIVALEIROS III
Já Pedro e Marianne, revelados no Festival da Canção da Assembléia Legislativa deste Ryo Grande, são as participação especial do show de Arleno Farias – tudo parte da Assembléia Cultural de hoje, a partir das 18h. De grátis.
FESTIVALEIROS IV
Não é bem um festival, mas, levando em conta o nome das chapas concorrentes, a eleição para o DCE da UFRN entra no clima: a chapa 1, “No sonho, na arte e na luta”, disputa com a chapa 2, “Nós não vamos pagar nada” – que, claro, é de oposição.
É hoje, das 7h às 21h30, nos corredores do Campus.
POCKET
Mais uma edição do Solto na Cidade, agora em formato de bolso, circulando grátis pelas calles do Arraial. Milena Azevedo (Garagem Hermética), entre outros e outras, colabora.
DIREITO
José Augusto Delgado e Marcelo Navarro Ribeiro Dantas são alguns dos participantes do 4º Encontro Internacional de Direito Público, a se realizar de 4 a 6 de junho, no Pirâmide, Via Costeira. Info: 3206.1747.
DIREITO II
O professor Honório de Medeiros lança hoje seu livro “Justiça versus segurança judiciária” – na livraria do Midway, 19h.
ON THE ROAD
Leio nos releases que Paris continua uma festa: a nossa Emproturn esteve na capital francesa no final de semana passado, nos festejos dos dez anos de uma revista, a Brazuca, que é mensal e distribuída gratuitamente por ali e também na Bélgica.
De lá, a trupe seguiu para um “roadshow” no circuito das cidades portuguesas de Lisboa, Porto, Coimbra, e com direito a um pulinho na Ilha da Madeira.
Esse estado vai longe.
MI CASA, SU CASA
Festa também, hoje, logo mais, 19h: no auditório da Fiern vai ter gente saindo pelo ladrão – sorry, a expressão não é adequada. É que o subsecretário de Assuntos Federativos da Presidência da República, Alexandre Padilha, desembarca na City para encontro com prefeitos e prefeitas deste Elefante Sem Memória.
O programa habitacional “Minha Casa, Minha Vida” (com esse título, assim, meio Senor Abranavel, meio Luciano Huck) será um dos temas abordados.



PROSA
“Quando alguém perderá o pudor de atingir algum pudor de um leitor que não tem pudor?”
Fernando Monteiro
A cabeça no fundo...
VERSO
“Em muito assuntas.
Mas eu quero perguntar:
já és defunta?
Lívio Oliveira
“IX”

terça-feira, 28 de abril de 2009

Susan e a miserabilidade dos sonhos

Até ontem eu insistia em me manter à margem do mega-hit Susan Boyle – logo eu, me misturar à manada?
Mas aí, não resisti à tentação e me juntei aos – dizem – cem milhões de espectadores que Susan já teve no YouTube em apenas uma semana.
Vocês, que são bem menos retardados que eu, já devem ter visto. Quem não viu é mulher do padre.
Um jornal italiano descreveu o efeito no telespectador (ou “iú-tubespectador”) assim: “se no começo dá vontade de zombar, ao final é impossível não ter lágrimas nos olhos”. Tudo porque Susan, feia, velha, mal-vestida, é recebida por júri e público de um desses concursos de tevê com risos e risadinhas de quem não acredita que o monstro sabe cantar. Mas aí, a voz da fera se mostra bela e entoa mui apropriadamente os versos de “I dreamed a dream”, do musical “Os miseráveis”, ou, “Les miserábles”, que desde 1985 vem lotando os teatros do mundo.
Ah, mas será por essa natureza blasé, por essa descrença na manada, por esse preconceito de elite cultural, não sei, não sei, não sei: sei apenas que tomo emprestado a fala de Raulzito Seixas e me confesso, abestalhado, que eu fiquei decepcionado.
A musiquinha cantada pela senhora Susan é o supra-sumo do kitsh-que-pariu. Não fiquei nem um tico emocionado e Susan continuou me parecendo um tribufu de meia-idade. E seu vestido de tafetá ou coisa parecida continuou me cheirando a bolor. E, por mim, ela continua virgem e solteirona com a graça de deus.
Mas a opinião pública resolveu abraçar a causa num mea-culpa coletivo. E os formadores de opinião juntaram-se à onda. A afro-americana Patricia Williams, nas páginas da The Observer, chegou a arriscar uma relação entre o preconceito à feiúra de Susan e o preconceito racial: “como mulher negra americana vivo em um mundo onde a cor da pele é um indicador de posição social pelo menos tão poderoso quanto Susan usar sandálias brancas de salto com meias pretas transparentes e deixar o cabelo grisalho”.
E muita gente quase teve orgasmos ao sacar a metáfora: “Não se pode julgar um livro pela capa”.
Bom, aí eu pergunto: e se ela tivesse cantado mal justificaria todo o desprezo e zombarias com os quais foi recebida?
Dizem que Demi Moore vai interpretar Susan na telona. Nova pergunta: se Susan é tão maravilhosa por que não interpreta a si mesma?
Daí que recordo aos senhores e senhoras membros do júri mundial de computadores em rede: Edith Piaf não era o arquétipo de Vênus. Billie Holiday não era nenhuma Naomi Campbell. Nina Simone era feia de doer.
Susan Boyle, claro, não amarra as sandálias de nenhuma delas. É apenas bucha de canhão para a audiência. Aliás, é o próprio canhão.
*
PALCO
Quer ser a Susan Boyle do Ryo Grande? As inscrições para o IV MPBeco – Festival de Música do Beco da Lama – terminam próxima quinta, 30.
Os prêmios são assim divididos: 1º lugar, R$ 3,2 mil; 2º, R$ 2,6 mil; 3º, R$ 2 mil. Tem ainda os de melhor arranjo e melhor intérprete (R$ 1,5 mil cada), enquanto o voto do povão vale R$ 2,2 mil.
Se liguem: Julio César Pimenta atende no 9906.8740, enquanto Dorian Prudêncio de Lima responde no 9416.8016. Pimenta e Prudêncio são os caras.
TEATRO
Prosseguem até o dia 5 de junho as inscrições para os prêmios Lula Medeiros de Teatro de Rua e Chico Villa de Circulação Teatral (Fundação Zé Augusto).
Para o primeiro são R$ 120 mil, a serem distribuídos entre 15 grupos (R$ 8 mil cada). Para o segundo o total é de R$ 139 mil, para 13 projetos (com valores individuais de R$ 8 mil a R$ 15 mil).
A contrapartida resume-se a duas apresentações e/ou realização de uma oficina.
Mais informações: 3232. 5324 (das 8h às 13h).
TEATRO II
A Fundação Zé Augusto também firmou parceria com a Prefeitura de São José de Mipibu para a concessão de dez bolsas de estudo para o curso de iniciação teatral, com aulas ministradas por Lenilton Lima e Titina. Como as aulas são no TCP, à tarde e à noite, a prefeitura garantiu o transporte dos alunos durante os seis meses de duração do curso.
Outras prefeituras podiam seguir o exemplo.
GARGAREJO
Do alto dos seus 18 anos de idade, Hild Cavalcati prepara a voz para abrir, hoje, o Seis e Meia para Alex Cohen.
Melhor companhia não poderia ser – ou não: Cohen é uma espécie de Emmerson Nogueira – depois de anos e anos tocando em bares, teve a ousadia de alugar o Garden Hall e o Canecão por sua conta e risco, e hoje é um sucesso, fazendo uma média de 30 shows por mês, em todo o Brazil Brazileiro.
VITREAUX
Começa hoje o curso de vitral (clássico, medieval) que a grega Pola Kouli, formada em História da Arte pela Universidade La Sapienza, Roma, ministra no atelier de William Galvão, Mercado de Petrópolis, aulas segundas e terças, pela manhã, informações pelo telefone 9919.9366.
O atelier oferece outros dois cursos – Desenho e Óleo Sobre Tela – info: 8816.8698.



PROSA
“A fama é um monstro inconstante, que se alimenta de psíquicos tolos.”
Millôr Fernandes
Millôr definitivo
VERSO
“Mas pensa o outro lado:
Só quem tem fama
É difamado.”
Millôr Fernandes
“Mas pensa o...”

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Roberto Carlos em detalhes

Ando lendo um escritor argentino chamado Alan Pauls, que o leitor/a mais atento/a já deve ter notado algumas vezes no box da esquerda, abaixo, “Prosa”. O livro citado foi “História do pranto”, Cosac Naify, 2008. Mas ando mesmo é enredado em outro livro, mesmo autor, mesma editora, um ano antes – “O passado”.
A produção gráfica, como é comum à editora do senhor Charles Cosac, é magnífica. E o livro foi às telas pelas mãos do argentino-brasileño Hector Babenco, com o mesmo título. Não, não vi.
A prosa de Pauls é introspectiva e ao mesmo tempo exuberante. Revela, com detalhes cinematográficos, a paisagem exterior, mas percorre com precisão de topógrafo os aclives e declives da alma. No meio da trama, como sempre, os suspeitos de sempre – um homem, uma mulher, os dias e as noites. O tempo que se arrasta às vezes em descrições quadro-a-quadro e que se estende, se dilata, no capítulo seguinte ou no parágrafo próximo. É uma escrita bem masculina, pode-se dizer. E que danado significa isso, de escrita bem masculina? Com certeza, não necessariamente, porque o protagonista é homem. Mas porque tem as velhas dúvidas e incertezas do macho, cujo crepúsculo tarda em acontecer, adiado por uma sensibilidade bem a calhar. E por sua visão das mulheres, entre a adoração e a repulsa.
Num certo instante, Rímini, o protagonista, reencontra o antigo grande amor, Sofía. Notem os acentos: o macho proparoxítono, a fêmea paroxítona. E um filho, Lucio, sem acento, que é filho apenas de Rímini, com Carmem, sem acento também. É Carmem quem, ao receber uns sapatinhos para o filho de quatro meses, presente da outra mulher, faz questão de calçá-los quando o marido vai ao encontro de Sofía acompanhado apenas do bebê – “com essa deferência desconcertante que as mulheres só desdobram entre mulheres, não importa o grau de rivalidade ou de desconfiança que as separe, teimara em aproveitar o encontro para estreá-los.”
E Sofía, durante o reencontro com o ex-amante, e primeiro encontro com um filho que não é seu, chora, e ri:
“Sou um ser emocional. Vejo você empurrando esse carrinho... Teve um filho com outra, é um traidor. Um filho-da-puta traidor. Mas agora pelo menos sei que quando o imaginava como pai dos meus filhos não estava errada. Você fica bem de pai.”
Mas o que eu queria mesmo dizer – e sei lá por que – é que na página 380 existe uma referência ao Rei Roberto, quando Rímini entra num motel de beira de estrada com Nancy e ouve a música do elevador (“Roberto Carlos em espanhol, com os erres fracos e os esses marcados”, o que curiosamente remete o protagonista à adolescência e aos impulsos do sexo solitário e manual), na dúvida se a canção é “Detalhes” ou “Palavras”.
Eu preferia que fosse a primeira.
*
BLOGOSFERA
O grupo Arquivo Vivo botou um blog na blogosfera, claro, com informações sobre a banda e sua agenda, mais tentativa de dialogar com o público.
Acessem: www.grupoarquivovivo.zip.net.
Mas, se nos primeiros dias o negócio funcionou, o sítio agora está em “teste”.
BLOGOSFERA II
O poeta João Batista de Morais Neto – que em 1986 lançou seu romance-minuto “Temporada de ingênios” assinando João da Rua – se lançou na blogosfera, com seu Blog de Bordo.
Confiram em http://vidadebordo.blogspot.com.
Pra começar, mandou logo ver a letra de “Jack Kerouac”, de Alice Pink Pank e Julio Barroso (Gang 90), uma das preferidas do sobrescrito, que vai aqui, na íntegra, como se deve, e sem interrupções:
“Uma noite eu sonhei que era Jack Kerouac mandando brasa nas estradas do mundo subi no terraço: Rua Houston e vi as torres gêmeas brilhando o pelo louro da menina as tranças negras do crioulo sua guitarra sua angústia calma peguei a lata de spray desci pra rua e pintei dois olhos verdes nas paredes ontem à noite eu sonhei que conversava com Jack Kerouac ele me disse que renascia negro tocador de piston e seu sopro som era tão alto que despertava todo mundo eu acordei mandando brasa nas estradas do mundo”.
BLOGOSFERA III
Já Nalva Melo (que quase-quase a gente pespega um Nalva-Café ou Nalva-Salão tão umbilicada está a criadora com a sua criatura) está toda animada com seu sítio na rede: www.cafesalao.com.
Em destaque a campanha “Nalva faz minha cabeça”, com testemunho da repórter-tevê Glacia Marillac.
E, entre os comentários, o da arquiteta Manu Albuquerque: “Fazendo a cabeça com Nalva nos transformamos em rainhas, poderosas e apoderadas de um poder inestimável chamado auto-estima e isso é fantástico.”
CRUZES
A exposição itinerante “Maravilhas mecânicas de Leonardo da Vinci” vai ficar até julho neste Ryo Grande, primeiro em Santa Cruz (de amanhã até 28 de maio), e na seqüência em Nova Cruz (3 de junho a 3 de julho).



PROSA
“Porque há estados de alma tão incandescentes que abordá-los é simplesmente renovar seu ardor e arder”
Alan Pauls
O passado
VERSO
“Duvido que ele tenha
Tanto amor
E até os erros
Do meu português ruim”
Roberto e Erasmo Carlos
“Detalhes”

sábado, 25 de abril de 2009

Adivinhe quem vem para o café-da-manhã: Adriano de Sousa

O poeta Adriano de Sousa confirma o iminente, eminente, lançamento da revista coletiva Perigo Iminente, comemorativa do centenário da fala futurista de Manoel Dantas, e entrega, de lambuja, um acepipe da publicação, poema sem título de sua autoria que segue abaixo e por todos os lados desta coluna, sábado, vésperas do nascimento de Manoel Dantas. [Que, aqui no espaço estreito deste blog, fica ainda mais comprometida a sua diagramação, do que na página do jornal - mas, paciência, entre linhas mortas e parágrafos feridos, salva-se sempre o poema:]



turistas
proletários
fotografam
futuristas
sem futuro
retirados
(ex oficio)
na feirinha
de pium

as coisas coisam
o mar mareja
o verão veraneia
o sol soluça
moscas
brancas
(da mooca)
mastigam
onomatopéias
tapuias
mangam
da gente
no mangai

línguas
digitais
lambilambem
ex-futuras
operadoras
de telemarketing
as princesas
do balneário
apuram
a raça
expõem
nas vitrines
turbinadas
para otários
suas jóias depiladas
(heil, hitler!)

brailles cabeludos
libras lúbricas
scats vikings
codificam
a gramática
da putaria

óxente
tu-en-ti o quê
tu-en-ti uma porra
gringo fela da puta
fifiti, meu filho
fiii – fiiii – tiii
visse?

os corpos
dissolvem
a história
a natureza
dissolve
os rostos
de costas
para o sertão
de frente
para o oceano
índios opilados
esperam
o escrivão d’el-rey

iéis, meu patrão
o futuro passou
por aqui
nós o vimos
ir por ali
a passo de jegue
digo melhor
a passo de dromedário
tomar a barca da redinha

[Adriano de Sousa]

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Notas de sexta e outros dias

FUTEBOLEIROS
Alex Medeiros já dobrou o Cabo da Boa Esperança: contabiliza mais de 70 crônicas das 100 que resultarão em livro a ser publicado ano vindouro – todas, claro, sobre football. A Ediouro deve publicar.
CRAQUES
Quem também lança livro de crônicas é Rubens Lemos, filho. Para meados do ano. O prefácio é de Vicente Serejo, orelha de Adriano de Sousa, “testemunho” de Erick Pereira e ilustrações de Joca Soares.
No prefácio, Serejo recorda o menino Rubens entrando na redação do Diário (no tempo em que havia Diário) pela mão do pai, de quem herda, entre outras coisas, a paixão pelas traves.
Crônicas sobre o ópio do povo, se não são o único mote, devem comparecer – numa, recente, postada em seu blog, escreveu Rubinho, sobre tempos idos: “Os craques mandavam porque sobravam.”
O que prova e comprova que, derna os tempos de Nelson Rodrigues, as chuteiras calçam bem as metáforas deste mundo além do gramado.
HERANÇA
Falando em Serejo, o cronista segue no seu papel de avô – agora de Sarah, três dias hoje, e que Rejane Cardoso já descobriu ter uma santa por trás do nome: Santa Sarah, protetora dos ciganos.
FUTURO
Domingo, façam as contas, é aniversário de Manoel Dantas: 142 anos, se vivo estivesse.
Invés, viva, muito viva, sua conferência “Natal daqui a cincoenta anos”, datada 1909.
A revista Perigo Iminente – já citada por aqui e que homenageia autor e texto – periga não sair ainda em abril, caso a Fapern não se decida pela sua publicação.
DIÁRIO
Homem de mil instrumentos, Manoel Dantas também fundou o primeiro Diário do Natal, em 1893. Durou dois meses, esse primeiro Diário.
Em 1909, proferia à platéia que lotou o salão de honra do Palácio do Governo:
“Os senhores, se forem supersticiosos, quando tiverem a crueldade de querer desgraçar um inimigo, basta rogarem-lhe uma praga:
– Permita-me Deus que sejas jornalista no Rio Grande do Norte!”
TRÁFEGO
Cem anos depois de Dantas (que previa para meio século atrás “tubos pneumáticos, aeroplanos, tramways e ascensores elétricos” como meios de transporte), os edis da Câmara Municipal desta Capital andaram discutindo o tráfego de caminhões pesados pelas ruas da City.
Bom, muito bom: sem falar nas carroças, nos burros de carga, nos cadeirantes pedindo esmolas nos sinais, e nas Ranger Rovers, claro, vou dar um exemplo só: na Amintas Barros, lateral de uma concessionária de automóveis, o sobrescrito já presenciou em mais de uma ocasião e em plena tarde o desembarque de novos veículos – sem dono ainda, e já atravancando o trânsito.
TRANSPOSIÇÃO
Estreou esta semana e segue de segunda a sexta (7h40-8h10), o programa que marca a transposição do jornalista Osair Vasconcelos do papel-jornal para o papel de apresentador de TV: o nome do programa é RN Acontece, e o canal a Band local.
RECEITA
Açúcar, aveia, castanha, coco, farinha, flocos de milho, gergelim, linhaça, passas e sal – é a receita da jornalista Eliade Pimentel não apenas para preparar granola, mas para escapar da crise e se virar nos trinta: ela aceita encomendas (o que inclui, também, biscoitos de aveia, petit four, bolos de frutas, quiches e “uma deliciosa torta integral de bananas”).
Ficaram com água na boca? Liguem 9142.3289 ou 8821.1628.
DELIVERY
A Garagem Hermetica Quadrinhos (GHQ) fechou, mas Milena Azevedo continua na ativa – vez em quando reúne antigos e novos clientes em praças de alimentação de shoppings para entregar encomendas e bater-papo. Quem quiser comprar quadrinhos pode ligar: 3082.4505 ou 8843.2901.
WETUBE
A descrição é do mudernoso Vlamir Cruz: “Marcelus Bob e Bob Crazy, em presepada de dois e ainda cooptando um incauto taxi driver, a quem convenceram atropelar um deles em plena Rua João Pessoa, realizaram uma performance (?) em homenagem ao saudoso cientista Albert Hofmann, inventor do LSD, que agora em abril faz um ano de moradia no pó das estrelas.”
O vídeo-presepada, claro, está no YouTube: www.youtube.com/bobcrazybrasil.
ARTESCOLA
Abre hoje, 19h30, Capitania das Artes, e segue até o fim do mês, a coletiva que reúne as produções artísticas dos alunos do Instituto Educacional Casa Escola, marcando o lançamento da agenda escolar 2009, sob o tema “passos pequenos, metas ousadas”, com ilustrações de nomes como a caricaturista Daniele Almeida, o fotógrafo Fernando Chiriboga e a designer de jóias Valéria Françolin.



PROSA
“Tempo é que de lá da asa deste sonho, volva olhos ao passado, onde dormem talvez esperanças mortas e ilusões perdidas.”
Manoel Dantas
Natal daqui a 50 anos
VERSO
“O futuro, fantasma de mãos vazias,
Que tudo promete e nada tem.”
Victor Hugo
“As vozes interiores”

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Notas de quinta e outros dias

CAL
A demissão do jornalista Cassiano Arruda Câmara, ontem, foi a última pá de cal sobre um jornal ansioso em se desfazer do seu passado, em revisar (ou revisionar) seu presente, mas sem nenhum projeto claro – ao menos público – para o seu futuro.
Eu disse última? – Ao menos que tenham confundido Paulo Macedo com o mobiliário, ainda resta um último moicano.
RODA GIGANTE
Roda Viva não vai fazer falta: muito provavelmente algum jornal já fez proposta ao jornalista para – como na letra de Chico – carregar a coluna pra lá.
E ainda existe o velho sonho de se criar um novo.
CINECLUBE
É hoje que Lívio Oliveira lança seu CD “Cineclube” – dele, mas também de Babal, e com as participações especiais de Joca Costa, Geraldo Azevedo, Khrystal, Valéria Oliveira, entre outros.
Na Capitania das Artes, subida da Ribeyra, 19h.

É hoje a abertura da exposição “Fé na paisagem”, da artista plástica caicoense radicada na Guanabara, Jussara Santos.
Na Galeria Newton Navarro, Fundação Zé Augusto.
ÍNDIOS
É hoje, 14h (e segue até próxima quinta, 30), a abertura da exposição fotográfica “A presença indígena no Rio Grande do Norte: afirmação de identidades”, dentro das comemorações da semana do índio. No Museu Câmara Cascudo, de grátis.
SUOR
É hoje, 9h, que os excelentíssimos deputados deste Ryo Grande, por iniciativa de Fernando Mineiro, recebem o povo (ah, o povo) para audiência pública – em pauta, políticas de saúde do trabalhador.
MORAR
Aberta em Sampa (e até 30 de maio) a exposição “Habite-se”, cujo título remete ao tradicional documento onde a prefeitura atesta as condições de um imóvel para ser habitado.
São 48 fotos e vídeos-depoimentos dos moradores dos prédios São Vito (o popular “Treme-treme”) e Mercúrio (ambos no centro da capital paulista), que acompanham as desapropriações dos dois edifícios há mais ou menos seis anos.
“A idéia”, segundo um dos artistas participantes, “é discutir políticas públicas, revitalização do centro”.
(A idéia, digo eu, podia ser acompanhado por artistas locais – o derruba-derruba por estas ribeyras é tão intenso que daqui a pouco nem retrato na parede nem nada.)
Na Galeria Olido, plena Avenida São João.
MARCA ZERO
Semana passada o B-52’s andou se apresentando por estes Tristes Trópicos e reanimando a moçada (modo de dizer) órfã da New Wave oitentista.
A vocalista Cindy Wilson confessou ao UOL que a logo da banda foi criada pelo seu então e ainda marido, à época estudante universitário de publicidade: o rapaz tirou zero, mas a banda manteve a marca.
666
Se você crê em deus, fuja do Praia Shopping amanhã à noite: estréia no Moviecom, 21h45, “Iron Maiden: flight 666”, documentário que percorre os bastidores de uma turnê da banda por 13 países a bordo de um 757.
Sem usar nenhuma cota parlamentar.
PLANO C
Aliás, sobre outro plano (de vôo), ontem a deputada Fátima Bezerra confessou ter gasto R$ 320,22 referentes à taxa de embarque numa viagem a Buenos Aires e Santiago do Chile. Aproveitou para reconhecer que a maioria dos deputados usa equivocadamente mas não ilegalmente a cota parlamentar de passagens.
É sempre bom lembrar – aos artistas da praia e do ryo grande: a deputada é a relatora do projeto PL nº 6.835/de 2006 que vai estabelecer o Plano Nacional de Cultura (PNC).
TERRESTRE
Muito a propósito desembarca amanhã por estes ares puros a vereadora Soninha Francine: apresenta, comecinho da noite, na Assembléia, o projeto “Pé na estrada”, segundo o release “uma iniciativa nacional do PPS, que tem como objetivo preparar o partido e as suas lideranças estaduais para as eleições 2010, buscando melhorar o desempenho eleitoral da agremiação”.
O presidente regional do grêmio é o deputado Wober Jr.
Em tempos de aeroportos lotados, melhor tirar da lama e botar o pé na estrada.
IRAKITAN
“Mário Ivo, obrigado pela força. Achei o CD do Trio Irakitan, que pode ser encontrado pelo telefone 3213.3786. Ele foi produzido pela Leide Câmara, [...] tendo, ainda, uma belíssima capa com uma pintura de Dorian Gray (a capa é do tamanho de um LP). E, na contracapa e na parte interna da capa, a história da música, dos compositores e as fotografias dos intérpretes. Um excelente trabalho de Leide, que, além do mais, é uma pessoa muito atenciosa e prestativa.” – de Paulo Laguardia, via email.



PROSA
“Os olhos dela, são tão verdes que eu chego a ver uns peixinhos dentro.”
Tarcísio Gurgel
Os de Macatuba
VERSO
“Nauta do verso, no meu verso ponho
remos e velas – frágil caravela –”
Deífilo Gurgel
“As ilhas”

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Pequenas grandes coisas

Uma das grandes coisas da vida é assistir um bom filme, numa bela sala, com um belo som.
Não tem muito filme bom passando (quase nunca tem) e na última vez que fui ao cinema uma menina, adolescente tardia, passou toda – t-o-d-a, sem exagero – sessão conversando com uma amiga. Onde? Claro que na poltrona à minha frente. Eu fiquei sem entender: elas pagaram ingresso para ficar conversando no cinema. Pois, pois. E não é modo de falar: a menina não fechou a matraquinha um segundo sequer. Não contei, mas arriscaria a estatística: oito entre dez palavras era uma palavra só – “mainha”. Mainha pra cá, mainha praculá. Muito raramente saía um “painho”, mas com bem menos intensidade. Eu fiquei na minha, porque não gosto de confusão, e o filme na tela era um filme infantil, meio bestinha, uma invenção sem pé nem cabeça chamada “Monstros versus Alienígenas”, ou coisa que o valha. Daí não exigir muito da minha atenção e eu queria ver até onde iam, só para, ao final, poder dizer, abismado, o que já disse:
– As duas conversaram durante TODA a sessão!
Nem bem o filme acabou, e as garotas foram embora, mas ainda deu pra ver que a que tinha bebido água de quartinha (de chocalho, aliás) era gordinha. Ah, mas por que fui falar? Vão me acusar de preconceito com os obesos e tal. Mas dizer o quê? Era gordinha. Gorda. Gordinha. Não estou dizendo que ela, coitada, por não ter o que fazer no shopping, tipo assim, paquerar, se meteu no escurinho do cinema pra falar com a amiga, não estou dizendo. Mas era gorda, gordinha, gorda. E não se fala mais nisso.
OUTRA GRANDE COISA
Uma das grandes coisas da vida é comer e beber bem, num belo restaurante, com uma bela companhia (e não me refiro a uma única companhia feminina, maldosos: falo de amigos, parentes, irmãos).
Não tem muito restaurante bom na City, nem nas bandejas dos garçons passa qualquer coisa de fenomenal, mas dia desses, noite dessas, estive num japonês da Afonso Pena, quase esquina com a Mossoró. Ou seja, em pleno coração (ou fígado, estômago, rins, intestinos, moelas, sei lá) do Palumbismo. Então, já viram, né? Aquele papo, carrões estacionando, figurões e figurinhas da Natal Quatrocentona ou do Último Decênio exibindo seus músculos (os machos), e a última escova progressiva (as fêmeas), e as mesmas roupas (ambos). Mas quando chegamos não tinha quase ninguém e os garçons não parecem ser, como em outros restaurantes do gênero, mais importantes do que nós, reles e comuns clientes. Então, a noite prometia, mas vou deixar as promessas da noite para o próximo parágrafo.
Que é esse aqui. Então. Pois. Tal. O sobrescrito não sabe a diferença de um sushi para um sashimi (estou aprendendo, devagar, mas aprendendo), mas como descrever a primeira combinação da noite? Divino? Maravilhoso? Divino Maravilhoso, para homenagear o Tropicalismo? Divinomaravilhosofenomenalsaborosodeliciososupercalifragilisticexpialidocious. Pronto, se encerra aqui minha carreira de crítico gastronômico, mas acho que tá bem explicado.
Daí, vieram outras combinações, e a multiplicação das garrafas de saquê. O saquê não era essas coisas todas muito menos esse saquê todo, mas o efeito era uma maravilha. E – maravilha das maravilhas, revelação das revelações – o sushiman era o proprietário, ou seja, o proprietário era o sushiman, ou seja, mete a mão na massa, mesmo, digo, no peixe cru, nas folhas de acelga, nos... Bom, decorei só esses dois ingredientes. Então, contava eu, o proprietário ser o sushiman faz a diferença do lugar. Na mesma proporção da inversão da assertiva: o sushiman ser o proprietário, também. Porque a regra nesta Capital Espacial é o proprietário abrir o negócio como as lulus de uma época abriam uma butique: entram só com a grana e tamos conversados.
Mas todo esse palavrório, no fundo, no fundo, era para chegar na terceira parte da coluna de hoje. Ei-la:
TERCEIRA GRANDE COISA
Uma das pequenas coisas da vida é levar os filhos à escola. Tão comum, tão banal, tão cotidiana, que nem nos damos conta de como é bom e grandioso o ato. Normalmente – para os pais do turno matutino, claro – é uma das primeiras obrigações do dia. Noves fora levantar-se heroicamente da cama, escovar os dentes etc. Daí que normalmente a associação não é das mais favoráveis. A escola é ante-sala do Inferno – que, todos sabem, é o trabalho, o expediente, o patrão, os colegas e o salário minguante no fim do mês coincidindo com as prestações altas, incluindo o carnê da escola e tais.
Mas, crianças (falo a vós, leitores), em verdade, em verdade vos digo, um pai pode sentir-se realmente pai quando leva o filho, ou a filha, ou ambos, à escola.
Desconfio daqueles que largam o menino no estacionamento interno, a mochila no chão, e partem, sem nem saltar do carro.
Bom mesmo é estacionar (de preferência em local permitido), descer, pegar a mochila numa mão, a mãozinha da criança na outra e caminhar, orgulhoso, até a sala, beijar, abraçar, e dizer: “Divirta-se, comporte-se, seja feliz.” Eu, confesso, não faço isso todos os dias, mas sempre que posso, faço. Embora sei que chegará o dia em que ela me dirá: “Não, papai, já sou grande, posso ir sozinha.” E aí, arrasado, só me restará a lembrança dos dias em que ela me levou pela mão até a sua sala de aula, me abraçou, me beijou, sem me desejar explicitamente nada, apenas me fazendo verdadeiramente feliz.



PROSA
“Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria.”
Machado de Assis
Memórias póstumas...
VERSO
“Filhos... Filhos?
Melhor não tê-los!
Mas se não os temos
Como sabê-lo?”
Vinícius de Moraes
“Poema enjoadinho”

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Em retalhos

Carlão de Souza, decano dos jornalistas deste Ryo Grande (ao menos os da minha quase geração) ligou dia desses, do Vale do Ceará-Mirim. A vida começa cedo no Vale quando Carlão está por lá. Parece que ele pega os jornais da semana e os lê todos de uma só vez (em especial este JH 1ª edição). Reclama, então, que a diagramação da coluna às vezes é confusa e tal. Fazer o quê? Na maioria das vezes os diagramadores acertam – em outras, andaram comendo até frases inteiras. Republico duas crônicas deste mês de abril onde aconteceram cortes, para o leitor não ficar sem entendê-las – agora, se o desentendimento persistir, aí o problema é deste escrevinhador, mesmo. (Quem quiser ler a coluna na net pode acessar www.embrulhandopeixe.blogspot.com)

MULHER SOLTEIRA PROCURA [em 16 do 04]
“Todas as minhas separações me deixaram tonta.” – ando ouvindo frases assim, e anotando frases assado. Quando consigo relembrá-las. Não sou um sujeito que anda com um caderninho de apontes na mão e um lápis grafite na dobra da orelha, como se via nos filmes de antão.
Não vou citar, claro, a autora. Até porque o que vale na frase é a sua universalidade. Ela poderia ser dita por qualquer mulher acima dos 30, 40 anos. Soaria um pouco sem sentido numa mulher de vinte, por mais separações tivesse ela vivenciado. Tem um quê de tempo percorrido, perdido e reencontrado em sua construção: “Todas as minhas separações me deixaram tonta.” – e você imagina e consegue enxergar sem esforço um olhar que vagueia pelas brumas mais ou menos densas do passado.
As feministas, talvez, queiram me crucificar, mas também não creio que a mesma frase vinda de boca masculina tenha o mesmo peso e força e intensidade. Soa quase inverossímil um homem, mesmo um daqueles sensíveis, alma feminina e tal, quiçá metrossexual, dizer, em voz baixinha, enquanto gira a colher na xícara de café: “Todas as minhas separações me deixaram tonto.”
Tonto o quê, caba? Só se mexeram no seu bolso, conta bancária, contracheque mensal.
Ao menos é o que mostra nossa vivência coletiva, preconceitos ou não embutidos. Um homem, quando se separa, lugar-comum, arruma logo outra. Quando não, antes. Uma mulher, quando se separa, fica mesmo assim: tonta. Perdida. Tateando na escuridão. Olha pra trás e começa a enxergar um vazio tremendo nunca antes percebido. Olha pra frente, e a paisagem é a mesma, uma planície vazia, silenciosa e entediante.
É clássica também a estatística: enquanto os machos empurram com a barriga, parte, por iniciativa das fêmeas, a ruptura final, dolorosa, mas decidida.
Por aqui, ribeyras do Putigy, minhas amigas quarentonas apontam um problema a mais – que pode também ser causa & conseqüência ao mesmo tempo: a ausência de homens, mesmo aqueles com agá minúsculo. Os interessantes (não sou eu, mas muitas delas que o dizem) estão casados; a outra metade é gay.
Parece que as mais novas, talvez pelo exemplo prático de mães e tias, resolveram o perrengue sem muito atropelo e com um tanto de objetividade: tá faltando macho? A amiga mais próxima se aproxima e tamos resolvidos. Ou resolvidas.

O ANEL [em 01 de 04]
Perdi meu anel nas mornas águas atlânticas de Porto Mirim, fim de tarde de sábado, maré cheia, ondas indo e vindo, ondeando meu corpo quase à deriva se não fosse a âncora invisível do crepúsculo.
Foi embora num adeus entusiasmado, num arco quase em câmara lenta, que partiu do anular e, no rumo do horizonte, mergulhou mar adentro.
É claro que mergulhei atrás dele, meu anel, que não era cravejado de brilhantes. Mas o mar o engoliu num instante e as águas eram escuras.
Eu não sabia que o perderia, senão não teria entrado com ele ao dedo. Nem como repentinamente alargou-se, ou foram os dedos que encolheram. Pensei logo na história de João, Maria e o rabo da lagartixa, com o suposto afinamento do meu “seu vizinho”, mão esquerda, mesmo lado do coração batendo no peito. Vocês hão de lembrar: abandonados pelos pais, João e Maria encontram a casa de doces da bruxa no seio da floresta escura. Comem a se fartar, os novos netinhos da vovó má, que os prende e cozinha para eles, todos os dias, saborosas refeições – e pede a prova da engorda no dedo que passa através das grades da prisão. Os irmãos se valem de um rabo de lagartixa, para iludir a bruxa com a falsa magreza, até o dia em que perdem o artifício e quase vão pra panela. O fim é clássico: a bruxa cai no caldeirão e implora – “Água meus netinhos” – ao que os pivetes respondem: “Azeite, senhora vó.”
(Como eram terríveis os contos de fada de antanho.)
Pois, meus dedos afinaram-se, sabe-se deus como. E lá o anel escapuliu. Ainda posso vê-lo, desenhando um arco no céu, literalmente um arco da aliança – ainda não sei entre o quê e quê, este pacto formado, que findou em perda e ausência, se entre o Céu e a Terra, ou entre Poseidon e Saturno, ou entre eu e eu mesmo, ou, ainda, entre eu e um outro eu.
Ainda vasculhei a maré baixa, os sargaços, as poças mínimas, como mínima a esperança de reencontrá-lo.
Supersticiosos como somos, haveremos de encontrar um símbolo para essa história que se misturou a um conto da carochinha. Já encontrei ao menos uma, no imaginário e sabedoria coletivos: vão-se os anéis, ficam os dedos.



PROSA
“Naquela manhã decidi que eu seria o acaso.”
Martín Caparrós
Valfierno
VERSO
“de súbito
sua lembrança noturna
sacode minha condição de só.”
Napoleão de Paiva
“sem nervos do amor”

sábado, 18 de abril de 2009

Adivinhe quem vem para o café-da-manhã: Normando Bezerra

O presidente do Fã-Clube Além do Horizonte, nesta Capital Espacial do Brasil, volta a este café em momento mais que justo: amanhã – e o sabem todos os súditos e não súditos – é aniversário do Rei Roberto Carlos. Que nasceu em Cachoeiro de Itapemirim na década de 40, foi rei da jovem guarda e da juventude nos anos 60, e por fim e para sempre, dividindo com outro astro, Pelé, o cetro deste Brazil ainda confuso entre a Colônia, o Império e a República.
A turnê do Rei RR passa pela Capital provavelmente dia 4 de junho. Enquanto isso, confiram a palavra do presidente:


ROBERTO CARLOS – 68 ANOS
“Eu vi muitos cabelos brancos na fronte do artista, o tempo não pára e, no entanto ele nunca envelhece...”
Pois é, como falou Caetano Veloso na canção “Força Estranha”, Roberto Carlos chega, amanhã, 19 de abril, aos 68 anos, permanecendo jovem no coração e na mente de milhões de pessoas no mundo inteiro. Sílvio Cesar o homenageou na música “Moço Velho”, dizendo: “Eu sou um moço velho que já viveu muito, que já sofreu tudo, mas não morreu cedo.” E o poeta tinha razão, porque Roberto Carlos continua vivo e arrastando multidões, como disse Zé Ramalho, na belíssima “Eternas Ondas”: “E se teu amigo vento não te procurar é porque multidões ele foi arrastar.” E Fagner, extremamente feliz ao cantar “Pode girar mundo mover astro, que tu és como um Deus princípio e fim.”
Outros cantores lhe homenagearam: Chico Buarque, Antônio Marcos, Cazuza, Zeca Baleiro, José Augusto, Sérgio Sampaio, Ed Carlos, Ricardo Braga, Martinha, Marcos Roberto, Adoniram Barbosa, Dori Edson, Cláudio Fontana, Waldirene e Chico da Silva, além da Escola de Samba do Rio de Janeiro Unidos do Cabuçu que lhe prestou homenagem no carnaval de 1987.
O escritor Affonso Romano de Sant’Anna faz a seguinte avaliação do Rei: “Ele é o lado kitsch dos ouvintes mais sofisticados e é o lado mais sofisticado dos ouvintes mais kitsch. É uma espécie de herói popular.” Já para Chico Buarque, Roberto é o mais moderno dos cantores românticos latinos. Engraçado é que essa afirmação é daquele que em 1968 insinuava seu fim na peça “Roda Viva.” O poeta Waly Salomão afirmou: “Roberto é como uma canção de Nat King Cole (inesquecível), ele foi tão moderno que já é eterno. Já para Vinícius de Morais “Roberto é um bom letrista, tocando numa superfície romântica e intensa”, citando “Proposta” como um bom exemplo. Ferreira Gullar lembra que o Rei diz coisas verdadeiras de maneira muito simples. Mário Quintana ressalta: na música “Detalhes” foi esplêndido. E Fernando Morais se surpreendeu ao chegar em Havana, no início dos anos setenta, e no aeroporto José Marti estava tocando a música “Jesus Cristo”.
O escritor Oscar Pilagallo diz que o Rei é capaz de conciliar quantidade e qualidade atravessando com desenvoltura a ponte que liga o Guinness ao Grammy. Certamente por isso já vendeu mais de cem milhões de discos, gravados em cinco idiomas: português, espanhol, italiano, francês e inglês, sendo ouvido de Nova Iorque a Tóquio, de Havana a Roma, nos motéis e nas igrejas. O compositor Jorge Mautner disse: “Roberto é poeta popular das cidades do Brasil. Provinciano e puro com ingenuidade de caiçara e urbano, doce e nostálgico, rebelde e submisso, fatalista e arisco, puritano e sexy, ídolo e cidadão humilde, eis o grande rei situado exatamente na fronteira do permitido e não permitido.”
Agora em março, o jornal El Pais, de Madri, Espanha, pediu para cem compositores espanhóis e hispano-americanos que escolhessem as cem melhores musicas do mundo, e sua canção “Eu quero apenas” ficou entre elas. Na referida música ele se antecipa à senadora Heloísa Helena e enaltece o socialismo com liberdade: “E no caminho o que eu pescar quero dividir quando lá chegar, eu quero ter um quintal sem muro, quero meu filho pisando firme, cantando alto, sorrindo livre.”
A canção “Debaixo dos Caracóis dos seus Cabelos” bem que poderia se chamar “Canção dos Exilados”: “Um dia a areia branca, seus pés irão tocar, e vai molhar os seus cabelos a água azul do mar, janelas e portas vão se abrir pra ver você chegar e ao se sentir em casa, sorrindo vai chorar.”
Por tudo isto, neste dia de festa, nós, do seu fã-clube em Natal – o Além do Horizonte – o saudamos cantando sua música: “Te quero bem, te quero bem, felicidades, paz, saúde, meus parabéns.” [José Normando Bezerra]



PROSA
“Para melhor entender a obra musical de Roberto Carlos é necessário conhecer a trajetória de Roberto Carlos.”
Paulo Cesar Araújo
Roberto Carlos em detalhes
VERSO
“Os reis são como estrelas – despontam e se põem,
Têm o culto do mundo, mas não repousam.”
Shelley
“Hélade”

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Inimigo meu

A briga do poeta Plínio “ensandecido” Sanderson com o editor Abimael Silva veio parar por aqui porque já percorria o território livre da internet. É uma explicação e resposta à minha própria pergunta: é justo expor a intimidade alheia? A que serve escancarar o ringue? Afinal, as baixarias não foram poucas, e muitos amigos em comum dos dois duelantes preferiram ficar em riba do muro, não para assistir, indiferentes, a contenda, mas por, justamente, gostarem dos dois.
O sobrescrito não encontrou nenhum muro para nele se encarapitar e acha que nenhum dos dois tem razão e ambos razão têm.
É certo que é feio brigar assim, com ataques abaixo da linha do Equador, mas uma coisa faça-se justiça: ao menos a dupla de dois Abimael-Plínio tem coragem e hombridade de brigar às claras, em vez de simplesmente tecerem as clássicas intrigas de bastidores, no silêncio covarde que persiste nos corredores palacianos e nos becos da lama em igual medida e sem preconceito algum quanto às castas sociais.
Um canalha é não apenas um canalha, mas também uma opinião de canalha, não necessariamente um fato comprovado. Mas, sempre melhor dizer na cara e/ou assinar embaixo do que ficar destilando o veneno nas madrugadas insones, na rodinha de hienas em conspiração maléfica, nos dardos lançados secretamente.
As contendas são eternas ou quase eternas. Nas ribeyras do Putigy já houve quem chamasse pra briga em coluna de jornal, já houve quem desse e quem levasse surras homéricas – num lapso de tempo insuficiente para ler sequer uma página da “Ilíada” ou da “Odisséia”; e sem sequer a existência de uma Penélope a tecer e desfazer tramas enquanto espera.
Às vezes, os ódios se aproximam da tese defendida, sei lá por quem, mas que enuncia algo assim: “trate bem seus amigos e melhor ainda seus inimigos”. É quando o literato, mesmo no ramerrame da província, eterniza nas páginas seu obscuro objeto de ódio. Assim, de memória, cito dois exemplos locais: o primeiro, Franklin Jorge e seu “Rato encardido”, presente em “Ficções fricções africções”, 1999 (e que todos sabem e por isso não precisa esconder ser um retrato ferino e maligno de Abimael); e o Esmeraldo Siqueira de “Fauna contemporânea”, 1968 (dezenas de perfis, camuflados em versos, de “tipos moralmente enfermos”, nas palavras e segundo o autor – com destaque para uma das famílias políticas da cidade, onde resumia: “Zègó tem ares de peru bravio,/ Guinelo é tal e qual um dromedário./ Peditinho – calunga extraordinário –/ Lembra a careta de um sagüi com frio.// Este, o Gari, é um tipo quaternário,/ De crânio atrofiado e fugidio./ Por fim, Lulu – da tropa orgulho e brio –/ Supera o genial burro Canário.”)
No fim das contas há que se rir das pelejas, das intrigas, das quizilas – como Tácito Costa me ensinou o termo e o uso aqui a troco de nada, como nada é o troco de qualquer briguinha.

*
RAP
Carlos Fialho promete para 7 de maio o lançamento de mais um livro – “Mano Celo, o Rapper natalense”.
AS PONTES DE MADISON
A Universidade de Wisconsin, em Madison, EUA, realiza próximos dias 24 e 25 o simpósio “Nabuco and Madison: A Centennial Celebration”.
Nabuco, claro, o pernambucano Joaquim Nabuco, primeiro embaixador brazuca em terras norte-americanas, coisa de um século atrás, daí as comemorações – ou “celebration” – que inclui o lançamento da “Brazil Initiative”, série de eventos e colaborações entre a universidade, fundações, e este Brazil brazileiro.
MAGIA
Depois de “O mágico de Oz” (cuja adaptação mais famosa para a telona data de 1939, com Judy Garland como Dorothy), depois de “Os Trapalhões e o mágico de Oróz” (com Didi Mocó Sonrisal Colesterol Mufumbo), chega por esta City, ribeyras do Putigy “O Mágico de Inox”, peça escrita pelo paulista Stevan Lekitsch, e encenada pelo Grupo Teart.
Mais uma peça “educativa e juvenil, que fala sobre reciclagem de lixo e meio ambiente”. Desse jeito, esse planeta de azul termina virando verde, mesmo.
Domingo, 19, cinco da tarde, no Teatro Alberto Maranhão, com ingressos antecipados na livraria Siciliano, a R$ 8 (meia) e R$ 16 (inteira, claro).
BAIÃO DE DOIS
Amanhã, sábado, 18, Khrystal defende com a garra e o gogó (mais Zé Dias comandando a torcida) a canção “Esse meu baião” no Festival de Música de Garanhuns, estado do Pernambuco.
BLÉQUI
Hoje tem soul music e samba funk no Aprecie Pub (Rua da Lagosta, 202, Alagamar): Iggor Dantas interpreta sucessos de Cassiano, Tim Maia e Cláudio Zoli, entre outros. A partir das 22h, senhas no local.
FOLE
Não sei se já falei mas não custa repetir: o sanfoneiro Fernando Farias se oferece para animar o São João de quem gosta de um autêntico pé-de-serra: 8812.0604 e 8866.5477.



PROSA
“Mesmo do lugar dos réus, é sempre interessante ouvir falar de nós próprios.”
Albert Camus
O estrangeiro
VERSO
“Na luz tu és sombra e eu sou luz, sou a luz de tua sombra”
Julio Cortázar
“Naufrágios”

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Mulher solteira procura

“Todas as minhas separações me deixaram tonta.” – ando ouvindo frases assim, e anotando frases assado. Quando consigo relembrá-las. Não sou um sujeito que anda com um caderninho de apontes na mão e um lápis grafite na dobra da orelha, como se via nos filmes de antão.
Não vou citar, claro, a autora. Até porque o que vale na frase é a sua universalidade. Ela poderia ser dita por qualquer mulher acima dos 30, 40 anos. Soaria um pouco sem sentido numa mulher de vinte, por mais separações tivesse ela vivenciado. Tem um quê de tempo percorrido, perdido e reencontrado em sua construção: “Todas as minhas separações me deixaram tonta.” – e você imagina e consegue enxergar sem esforço um olhar que vagueia pelas brumas mais ou menos densas do passado.
As feministas, talvez, queiram me crucificar, mas também não creio que a mesma frase vinda de boca masculina tenha o mesmo peso e força e intensidade. Soa quase inverossímil um homem, mesmo um daqueles sensíveis, alma feminina e tal, quiçá metrossexual, dizer, em voz baixinha, enquanto gira a colher na xícara de café: “Todas as minhas separações me deixaram tonto.”
Tonto o quê, caba? Só se mexeram no seu bolso, conta bancária, contracheque mensal.
Ao menos é o que mostra nossa vivência coletiva, preconceitos ou não embutidos. Um homem, quando se separa, lugar-comum, arruma logo outra. Quando não, antes. Uma mulher, quando se separa, fica mesmo assim: tonta. Perdida. Tateando na escuridão. Olha pra trás e começa a enxergar um vazio tremendo nunca antes percebido. Olha pra frente, e a paisagem é a mesma, uma planície vazia, silenciosa e entediante.
É clássica também a estatística: enquanto os machos empurram com a barriga, parte, por iniciativa das fêmeas, a ruptura final, dolorosa, mas decidida.
Por aqui, ribeyras do Putigy, minhas amigas quarentonas apontam um problema a mais – que pode também ser causa & conseqüência ao mesmo tempo: a ausência de homens, mesmo aqueles com agá minúsculo. Os interessantes (não sou eu, mas muitas delas que o dizem) estão casados; a outra metade é gay.
Parece que as mais novas, talvez pelo exemplo prático de mães e tias, resolveram o perrengue sem muito atropelo e com um tanto de objetividade: tá faltando macho? A amiga mais próxima se aproxima e tamos resolvidos. Ou resolvidas.
*
NOVOS
Estréia hoje o novo projeto do Budda Pub – “Quinta Experimental” – com as melhores intenções, claro: “dar visibilidade para artistas potiguares da nova geração, muitos ainda desconhecidos do público, porém de altíssima qualidade.”
Rani de Moraes (antes de participar do show de Marcelo Camelo, segunda que vem) se encarrega da abertura, com participações especiais de Bruno Alexandre e Luiz Gadelha, entre outros convidados. Dez da noite, oito contos.
(E na sexta tem Mobydick e Don Joker, e no sábado a Gardênia Perfumada, digo, Perfume de Gardênia.)
LYRA
Rani de Moraes engrossa o caldo também da atração da próxima quinta, 23, Letto, juntamente com Lêne Macedo, Luiz Gadelha, Ramon, Renato Carvalho, Sami Tarik, Simona Talma e Yuri Matias.
Sobre Letto diz o release: “Suas composições se alicerçam em um lirismo metafórico, que reflete o existencialismo provedor de conflitos e questionamentos humanos universais, abordados com refinada sensibilidade e melancolia.”
CAMELO
Já na próxima segunda, 20, véspera de feriado, Rani de Moraes reforça sua onipresença juntamente com a banda Desventura: são as atrações-extra do show que está deixando Emos e que tais em polvorosa: Marcelo Camelo desembarca na City com ao menos uma de suas duas corcovas – a de ex-vocalista da banda Los Hermanos (a outra é a namoradinha Malu Magalhães – será que ela vem?).
No Hotel Vila do Mar, 22h. Ingressos à venda a R$ 25 (pista), R$ 50 (área vip) e R$ 240 (mesa com quatro postos). Informações: 3620.5262.
Os primeiros 200 compradores ganham um CD de Camelo, e, comprando hoje, rola um descontinho especial para o primeiro lote de ingressos.
MAGAZINE
Circulando a 37ª edição da revista Natal pra Você, antes de ser distribuída no Brazil National Tourism Mart, que, ao contrário do nome, não rola em New York City, mas em Fortaleza (23-26 de abril).
Na mesma semana (24-25), acontece a Aviestur (Feira de Turismo dos Agentes de Viagem do Interior Paulista), em Águas de Lindóia, com distribuição da revista nos estandes deste Ryo Grande.
FREE
Também no circuladô impresso, o número 14 do guia cultural Solto na Cidade, que conta com o apoio da Prefeitura Municipal do Natal, Assembléia Legislativa, Fundação de Cultura de Parnamirim, Natal Convention Bureau e Banca de Camisetas.



PROSA
“chorava porque as garotas não gostavam dela enquanto frequentara a escola e os rapazes não gostavam dela depois que deixara a escola”
Richard Yates
Foi apenas um sonho
VERSO
“de súbito
sua lembrança noturna
sacode minha condição de só.”
Napoleão de Paiva
“sem nervos do amor”

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Notas das repúblicas das bananas

OS DUELISTAS
Continua a mostra temática “Literatura & Cinema”, do Colégio Ciências Aplicadas, com o filme – dito “cult” – “Morto ao chegar”, safra 1988, com a presença mais-que-válida de mademoiselle Charlotte Rampling.
Hoje, 19h30. De grátis.
A descrição da sinopse do filme me lembrou a briga entre o poeta Plínio Sanderson e o editor Abimael Silva, que rola pela rede mundial de computadores (todos, claro, plugados aqui mesmo, no Arraial):
“A ambientação em um campus universitário, com as veleidades literárias, a competição desenfreada no meio acadêmico e o fato de o protagonista ser um escritor cuja fonte secou. Toda a trama tem como motivação um livro de poesia escrito por um aluno rebelde.”
OS DUELISTAS II
Me lembrou é modo de dizer. As acusações intercambiadas, entre o rio e as dunas e o mar, envolvem termos e definições pra lá de sonoras, como “poeta fracassado, que não existe no jogo do bicho”, “ego maior que a cabeça de Chico Doido”, “angústia de ser um sub-Camus”, “zero à esquerda na história da literatura norte-rio-grandense”.
Ah! teve também um solitário “inútil”.
“– Íncubo encarnado” – rosnou um. “– Dublê de educador e histrião” – bradou o outro.
Os adjetivos pulularam na lagoa feito sapos (me dei ao trabalho de listá-los em ordem alfabética): “canalha”, “covarde”, “crápula”, “cretino”, “desprezível”, “imbecil”, “merdinha”, “otário”, “pária”, “podre”, “prejura”, “pulha”, “seboso”, “traste”, “tresloucado”.
E, mais um termo: “gigolô de escritor”.
VÍDEO EM VERSO
A partir de hoje estão abertas as inscrições para o 3º Prêmio Poesia ao Vídeo, promovido pelo Instituto Maximiano Campos, de Pernambuco para o mundo.
O lance é escrever e recitar poemas, inéditos ou não, utilizando o vídeo “como plataforma”.
Os prêmios são polpudos (R$ 4 mil para o primeiro lugar, R$ 3 mil para o segundo, e R$ 2 mil para o terceiro) e devem ser entregues durante a Festa Literária Internacional de Porto de Galinhas (de 5 a 8 de novembro).
Confira no sítio www.fliporto.net.
(No quinto ano da Fliporto o foco de discussão será a tal literatura ibero-americana. Meio cento de escritores do Brasil, Portugal e Espanha devem aportar por lá.)
DESAFIO
Começou ontem e vai até amanhã o I Seminário BNB de Política Cultural que tem como tema “Desafios para a democracia cultural”.
Nesta capital? Não, em Fortaleza, no Centro Cultural Banco do Nordeste.
A Casa da Ribeira vai estar presente através do seu diretor de planejamento e projetos, Gustavo Wanderley.
PLÁSTICO
Começaram, também ontem, as inscrições para a extensa homenagem que a Capitania das Artes programa para o Dia do Artista Plástico (8 de maio).
Como a ordem é comemorar e comemorar bem, a Funcarte reservou uma semana inteirinha, de 3 a 10 de maio, de festejos, mesas redondas, conferências, e – por que não – venda dos trabalhos dos artistas participantes.
Devia de ser, então, Semana do Artista Plástico.
Concorrem projetos “de intervenção urbana” e que façam referência “à memória de Natal e/ou à história das artes visuais na capital potiguar”.
CINECLUB
Lembrando aos que desejem participar do Edital do Cine Mais Cultura (MinC), as inscrições vão até o dia 20. Deste mês. E é preciso ter registro jurídico.
Cem entidades serão selecionadas em todo o Brasil e receberão kits com equipamentos de projeção digital, incluindo uma câmera MiniDV, tela para projeção, projetor de vídeo, aparelho de DVD, mesa de som e caixas, e um pacote de 103 DVDs com 330 filmes brasileiros em curta, média e longa-metragem, produzidos desde 1920 até o ano passado.
IDENTIKIT
Continua a emissão das carteiras de estudante versão 2009 pelo DCE da UFRN. As antigas ainda valem até o fim do mês.
Como a sede oficial do DCE está em reforma, o diretório se instalou no Centro de Convivência, ao lado do NAC. Vá lá, entre oito da manhã e nove da noite, pague R$ 3,75 e receba na hora sua carteirinha. Info: 3215.3325.
WALLY
Paulo Laguardia quer, encarecidamente, saber onde se pode comprar o CD que o Trio Irakitan lançou ano passado, com músicas sobre esta brava e indômita cidade do Nãotown.
Laguardia já foi “à Riocenter, aos xópincenteres, Lojas Americanas, e nada”.



PROSA
“desperdice as folhas do teu jornal, mas não meta a fuça nas folhas do meu ligustro”
Raduan Nassar
Um copo de cólera
VERSO
“perturba como uma carta apócrifa
como uma parede rente ao nariz.”
Napoleão de Paiva
“sem nervos do amor”

terça-feira, 14 de abril de 2009

Bananas

“A governadora só vem dando banana pra cultura”. A frase saiu no meio de uma conversa cujo tema não era exatamente nem Dona Wilma nem a gestão estadual ou municipal da – hic (me vem de soluçar cada vez que cito a palavrinha, palavrão) – Cultura.
Mas, ficou a frase martelando na minha cabeça. Quem a disse na verdade estava citando outra pessoa, portando há que se entender o contexto e tal. Não tinha, pois, o tom violento de denuncismo que a imagem empresta, aliás, de péssimo gosto: imaginar a governadora distribuindo bananas por aí não é dos mais belos retratos. Nem enquanto caricatura. Porque é mulher, porque tem seu estilo e elegância etc.
Corro, claro, valho-me, sem pestanejar, piscar o olho, titubear, de São Cascudo, patrono das dúvidas cruéis que assolam o cronista abandonado pela inspiração e movido pela transpiração – mas não encontro a “História dos nossos gestos”. Tem jeito, jeito tem: em “Made in Africa” o primeiro capítulo é todo dedicado à banana, “o mais popular africanismo no Brasil”, onde o Mestre diz logo no quarto parágrafo: “Há, realmente, um Folclore da Banana.”
Mas vamos nos ater, por aqui, ao gesto, obsceno: “Bate-se com a mão no sangradouro do outro braço, curvando e elevando este, com a mão fechada”, resume Cascudo, lembrando que, se o gesto é comum em Portugal, Itália e Espanha, só em solo verdamarelo associou o nome à fruta. E, claro, por ser das mais fálicas.
Domingo último um jogador saiu pelo campo, não dando bananas, mas estirando o dedo, aliás os dois, pra torcida adversária. O que para meninos, como eu e mais de uma geração, parecia gesto infantil, imaturo e natural, em um adulto adquire ares do mais elevado ridículo.
Os gestos, ademais, têm conseqüências perigosas. Ojuara (criação de Nei Leandro de Castro) lembra a história do homem que, passando de trem por Taipu, estendeu o dedo enfermo pra fora da janela no gesto proibido na cidade, terra de papagaios: “o fura-bolo curvado, a mão fechada, como quem diz: ‘Me dá o pé, meu louro’”. Pois, um menino, “vendo aquele gesto de mangação com a sua terra, tacou um porrete em cima do dedo: tibufo!”
Daí eu não concordar com a imagem, mesmo metafórica, de uma governadora – e, por extensão natural, de uma prefeita – dando bananas. Ainda mais para a Cultura. E mesmo tão maltratadinha como a nossa C. potyguar.
Mas, talvez seja o caso de dizer que, seja uma seja a outra, governadora e prefeita estão cruzando os braços, sim senhor. Se a segunda ainda está nos seus primeiros cem dias, a primeira já vai pelo sexto ano, ou seja, quase dois mil dias, bem mais que mil e uma noites.
*
BANANA
Othoniel Menezes tem um poema intitulado “Banana” – começa assim: “Vou-me para Tegucigalpa/ Ou melhor para a Jamaica/ Num pau-de-arara analfabeto./ Vou até lá que avião e trem andam repletos caindo./ Onde deve haver mulheres-flores frutas/ É Tegucigalpa”.
Na capital de Honduras, segundo o príncipe (dos poetas potyguares), “tem é banana e macumba e da boa e sem gelo.”
BANANA II
Cascudo lembra que “o mais popular dos vocábulos africanos no Brasil” teria sido a verdadeira maçã de Adão e Eva no paraíso terrestre, e que a primeira mulher teria sido seduzida justamente pela semelhança fálica da fruta.
BANANA III
Durante muito tempo, a banana era para os europeus, pelo alto custo, o equivalente da maçã nestes Tristes Trópicos – quando o sobrescrito era menino (ontem) só se comia maçã quando doente, regalia da enfermidade. Os meninos da minha geração, do outro lado do Atlântico, também só se deliciavam com a banana quando malatos.
BANANA IV
Cláudio Fornari, em seu “Dicionário-almanaque de comes & bebes”, cita: “Os herboristas chineses já há muitos séculos aconselhavam a banana aos convalescentes.”
BANANA V
Gumercindo Saraiva cita outros dois significados, além da “mímica obscena herdada de Portugal”: “pacote de maconha”, e, “coisa fácil”. Está no “A gíria brasileira, dos marginais às classes de elite”.
BANANA VI
Não encontro bananeiras nas páginas de “Nordeste”, que trata da monocultura da cana-de-açúcar, de Gilberto Freyre – a não ser quando cita os viajantes estrangeiros encontrando ao redor das casas dos engenhos grandes espaços inteiramente nus – com, “detrás da casa, algumas touceiras de bananeira onde se defecava manhã cedinho.”
BANANA VII
Henry Koster, que viveu no Nordeste entre 1809 e 1820, cita entre os poucos “frutos selvagens” cultivados, a melancia e a bananeira (“Viagens ao Nordeste do Brasil”, tradução, prefácio e comentários de Cascudo).
BANANA
Rudyard Kipling, autor de uma série de reportagens sobre sua viagem aos Trópicos, em 1927 (“As crônicas do Brasil”), versejou sobre o tema no poema “Uma canção de bananas”, onde diz que seus conterrâneos ingleses não sabiam o que era uma banana – “As legítimas são vermelhas e douradas, e verdureiro algum as possui,/ Pois prosperam em um país de linhagem,/ (Que os homens viajam longe para visitar).”



PROSA
“Os grupos humanos sem bananeiras denunciam isolamento, primarismo, marcha inicial.”
Câmara Cascudo
Made in Africa
VERSO
“emerge da casca
em riste.”
Napoleão de Paiva
“banana”

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Apesar de tudo é Páscoa

“Apesar de tudo é Páscoa” é o vídeo que Ferzan Ozpetek, cineasta nascido na Turquia mas cidadão italiano, realizou em homenagem às vítimas do terremoto dos Abruzos, centro da Itália. Dedicado à Alessandra Cora, o vídeo vem se somar a outros, mais ou menos famosos, entre eles o do também cineasta Mimmo Calopresti.
O vídeo de Ozpetek é simples: costura as imagens de prédios, escombros, ruínas, sob a voz e o corpo de Alessandra cantando em inglês, num estúdio de gravação. A música é alegre, pop, dançante, com ecos de soul music. Alessandra é jovem, parece ainda mais menina. Séria, enquanto canta, se move animadamente e com suingue diante do microfone de estúdio. Se percebe como é feliz e orgulhosa de estar ali, gravando. Uma espécie de Malu Magalhães italiana. Tinha 23 anos. Foi uma das quase 300 vítimas do terremoto.
Ozpetek escreveu num jornal italiano como foi visitar o lugar:


AQUELE OVO DE PÁSCOA, “APESAR DE TUDO”
“Estive muitas vezes nos Abruzos. Tenho muitos amigos ali. Meu médico, Guido, que vive em Roma, é de lá.
A última vez, foi em setembro, para a exibição de um filme meu, e o encontro com o público. A visita à ‘Accademia dell'Immagine’ [Academia da Imagem], uma noite de outono transcorrida em grande harmonia, um jantar consumido entre muita conversar e vinho tinto, depois, a volta a Roma, depois de ter encontrado novos amigos: Gabriele, Mercedes, Annamaria. Agora, chegando à cidade, a primeira impressão é que, surpreendentemente, não mudou muita coisa. Esperava ver a dor e o desespero nos rostos das pessoas. Mas não é assim. A atmosfera é de expectativa. As pessoas com quem cruzo não sorriem, mas não são nem menos ostensivamente tristes. Gabriele, que me acompanha juntamente com Carlo, me diz que, no momento, não podemos entrar em L'Aquila. Não se pode passar de canto algum, tudo é blindado. Conseguimos chegar onde, hoje, estão expostos os caixões das vítimas. Alguns têm em cima outro pequeno caixão branco. Pais e filhos. Tenho vontade de chorar, mas não choro, qualquer coisa de mais forte me impede.
Seria o único. Porque ao me redor estão muitas pessoas, e nenhuma chora. Não consigo respirar. Quero me afastar dali. Enquanto esperamos a permissão para entrar em L’Aquila, voltamos para o carro. Chegamos ao epicentro do terremoto: Onna. Gabriele me diz que na Academia da Imagem existe um documentário feito ali, antes do terremoto. Começo a percorrer a cidade acompanhado pelos bombeiros. Vejo desolação, vejo destruição. Vejo um lençol amarrado usado para escapar de uma janela, como alguém que foi obrigado a fugir da própria casa. Vejo uma cama sob os escombros. Os automóveis esmagados, os portões arrancados, quadros e fotografias espalhadas. Passa por mim um velho que caminha com dignidade junto ao filho de 40 anos. Traz nas mãos uma grande foto emoldurada, em preto e branco, dos seus pais. Parece acabado, o velho, mas não chora. Está deixando a cidade, talvez pela última vez. Se afastam graves, mas também eles sem lágrimas. Também eles, fortes.
Diante da igreja de Onna enfileiraram as estátuas de santos recuperadas do edifício que está desabando. Cada estátua foi coberta por um lençol branco. Uma casa está completamente rachada. Por entre as paredes que caíram se vê as montanhas brancas, o céu azul. Tudo parece parado. Me dizem que agora temos permissão de entrar em L'Aquila. As imagens daquele dia de setembro voltam à minha cabeça, e sinto medo de rever os lugares onde estive. A cidade está completamente vazia, apenas pouquíssimas pessoas nas ruas, para recuperar, se possível, objetos e bens familiares. Caminham normalmente, parecem impassíveis, não demonstram sua dor. Parece uma cidade depois de uma guerra, bombardeada.
Uma loja exibe queijos e salames na vitrine. Uma confeitaria está decorada para as festas, com doces e ovos de Páscoa. Vejo a igreja na praça do Domo, ainda em pé, e pergunto a Carlo se não foi danificada. Ele me responde que sim, e, realmente, basta que me movimento um pouco para ver que está toda destruída. Apenas a fachada permaneceu intacta. Em pé, ainda cheia de dignidade. Penso que as pessoas que encontrei hoje também estão assim. Não demonstram a dor, escondem-na dentro. São como esta fachada aparentemente íntegra, e, por trás, por dentro, devastadas. São fortes e comportam-se gentilmente com quem encontram.
No campo de refugiados, duas mulheres conversam. Foram à Caritas pegar algumas roupas. Comentam o ocorrido, dizem que nunca pensaram em encontrar-se naquela situação. Suas palavras são cheias de pudor e dignidade. Dou uma olhada no interior de uma tenda. Uma senhora, em trajes íntimos, está ocupada arrumando suas coisas, buscando ordem na precariedade. Por um instante nossos olhares se cruzam, e, sem que me diga uma palavra, me faz sentir vergonha, por eu estar violando seu espaço.
Mais longe, vejo um enorme ovo de chocolate. Nele está escrito: ‘Apesar de tudo... Boa Páscoa’. Não sei se as promessas feitas pelos políticos nestes dias serão cumpridas. Mas sinto, percebo hoje, que o povo dos Abruzos, com a sua tenacidade, com a sua força, encontrará o modo de recomeçar, de repartir, de reconstruir.Mais tarde, no retorno, começo a sentir os primeiros sinais de fraqueza. Seguro as lágrimas e a tristeza é ainda mais forte agora, que estou deixando tudo pra trás. Chego em casa e sinto que tudo ao redor tem um outro peso, uma outra cor.
Ligo o celular. Entre outras, recebo uma mensagem do meu amigo médico. Diz: ‘Um beijo forte e carinhoso, ainda que encoberto pela tristeza’.” [Ferzan Ozpetek]



PROSA
“Todo mundo é capaz de dominar uma dor, com exceção de quem a sente.”
Shakespeare
Muito barulho por nada
VERSO
“Dor é vida. Se vivo é porque sofro e sinto.”
Jorge de Lima
“XIV Alexandrinos”

sábado, 11 de abril de 2009

Adivinhe quem vem para o café-da-manhã: Demétrio Diniz

Demétrio Diniz se apresenta assim: poeta, autor dos livros “Um homem sem poesia”, “Passarás”, “Haveres” e “Ferrovia”. Natural do semi-árido de Alexandria.
E só.
Não me atrevo a acrescentar muito mais. Conheço pouco Demétrio, vejo-o raramente. E quando o vejo, está quase sempre com Tácito Costa e Napoleão de Paiva. Porta um bigodinho que lhe empresta ares de antanho, tem um olhar triste mesmo quando prestes a dizer uma broma, e um ar de quem cria passarinhos na gaiola, ou de quem cria gaiolas abertas sem passarinhos.
Todo esse abstracionismo da minha parte, simplesmente porque, infelizmente, não conheço bem a sua poesia – que dizem ser das melhores. Enquanto não reparo o erro, fiquem com o viajante inusitado Demétrio Diniz:


GUATEMALA, PASSAGEM PARA O MEDO
Ao fechar o quarto e ler as instruções de segurança coladas atrás da porta, não foi com os terremotos que me preocupei (o último grande matou 25 mil pessoas): “Mantenha a calma, proteja-se durante a emergência junto a uma coluna, embaixo de portas ou mesas.” O medo se concentrava em algo mais provável; era muito azar um terremoto naqueles poucos dias, mas o tambor de um revólver podia estar me esperando na primeira esquina. Já haviam, para minha surpresa, me avisado no Panamá: “Em Guatemala todo cuidado é pouco.”
Mas que se passa no país de poesia doce como a de Ak’abal? O que acontece com sua capital, Guatemala de Assunção, quatro estações regulares, cheia de árvores e muitas flores, clima aprazível, calçadas para se caminhar com cinco metros de largura?
A simpatia e a amabilidade do guatemalteco suspeito que logo desaparecerão, como aos poucos sumiu a cordialidade carioca: o batedor de carteira da Praça Mauá, romântico, musical, deu lugar ao trombadinha, e por último aos morros infestados de bazuca e AR-15. Um senhor com quem conversei na belíssima catedral de Santiago, concordou comigo, os olhos marejados: “É que não nos queremos, peleamos uns contra os outros, e deixarmos que morra nossa beleza.”
No entanto não foram propriamente os 36 anos de guerrilha responsáveis pelo atual clima de violência urbana, e sim uma corrupção generalizada, alto índice de desemprego, e a dominação de estruturas poderosas do narcotráfico, como a Zetas, oriundas do México e El Salvador. Jorge, o motorista de táxi, admirou-se quando lhe disse que no Brasil também havia corrupção – “e eu que pensava que era só aqui”. Corrupção e sua respectiva madrinha, a impunidade: um ex-ministro roubou quantia superior a 50 milhões de reais, passou sete anos foragido, e neste final de ano se apresentou a um juiz, cabendo-lhe tão só a punição de ficar em casa e assinar um livro às segundas-feiras. Nem cadeia nem restituição do butim.
Cidade de Guatemala vive uma justificada paranóia. No hotel em que fiquei aquartelado, com recomendação de não ir nem mesmo ao centro da cidade, conhecer a catedral e o palácio do governo, trabalham mais de trinta seguranças. Rara é a bodega, a livraria, o restaurante, o café, que não ostentem um ou dois guardinhas de cassetete na cintura e transmissor à mão. Marcou-me ver descarregar de uma Kombi velha uma caixa de rum: como fazem no Brasil as transportadoras de valores, uma escopeta engatilhada garantia a entrega.
O Centro-América, ao som de “reggaeton” e música haitiana, perde a batalha contra o narcotráfico, sendo comum nos jornais matérias acrescidas de neologismos como “narcomatança”, “narcosequestro”, “narcodesastre”. Roseli, a moça magrinha e bonita que recepciona no hotel, traçou com a habitual gentileza de seu povo um mapa seguro para mim: andar na primeira e segunda quadra ao redor do hotel. Fora disso só em shopping Center, e em táxi credenciado pelo hotel. Quase que lhe obedeci totalmente, não fosse um restinho de coragem de Alexandria.
Mas se é verdade que a vida não vale a pena se a alma é pequena (não faz mal que eu seja o bilionésimo a repetir os versos de Pessoa), os dólares que gastei, as muitas horas de vôo e a chateação da insegurança, se quitaram com os livros que encontrei de Ak’abal, trazendo na bagagem poema como este, aqui mal traduzido:
“Te vais?
– Ainda não.
– E por que estão feitas as malas?
Porque sou um viajante
e em qualquer momento
tenho que me ir
não só desta cidade
como também
deste mundo
– E de meu coração?
– Só se tu abrires a porta.”
Receio que a Guatemala de hoje seja uma cena aberta para a nossa realidade de alguns anos à frente. [Demétrio Diniz]



PROSA
“Viajar, num sentido profundo, é morrer.”
Miguel Torga
Diário
VERSO
“Viajar! Perder países!
Ser outro constantemente”
Fernando Pessoa
“Cancioneiro”

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Nem tudo acaba em pizza

Como o jornal chega manhã cedinho, eu deveria falar em pão. Quentinho, fresquinho, crocante. Alguém me disse um dia que o meu hábito de comprar pão pela manhã vinha dos meus exílios europeus, que o potyguar tradicionalmente compra pão no fim da tarde, horas crepusculares.
Mas aí me chega um release, assim, meio engraçado, e me vejo quase obrigado a falar em pizza, enquanto a alvorada e todos os seus clarins entram pela janela do leitor, leitora. Que diz o release? Diz que o Ocean Palace Resort, Beach & Bungalows ampliou a sua Pizzaria La Luna – e que a nova versão “obedecerá aos pré-requisitos de uma pizzaria nobre”.
Que pré-requisitos são esses, desconheço. Quanto à nobreza, pizza boa deve ser simples, fina, crocante e – pelamor dos céus – sem borda de catupiry. Ou seja, quanto mais plebéia, melhor.
O dizem os italianos, e eu vou na onda. Comi uma pizza em Nápoles que meus amigos, “tutti buona gente”, literalmente, afirmaram ser a melhor do país. Confesso que era boa, mas minhas papilas gustativas não chegaram a tal grau superlativo. Acho que a primeira vez que eu comi pizza, já não devia ter os dentes de leite. (Na Casa da Maçã, ícone inconteste da minha geração, não tinha pizza. Uma vez comemoraram meu aniversário – seis? sete anos? – no Kasarão: o sanduíche mais sofisticado era um queijo-e-presunto no pão de forma cortado na diagonal.)
Mas, voltemos à pizza. Em Roma, uma ótima pizzaria, ao menos das que freqüentei com certa assiduidade, tinha também os piores garçons: a espera por uma mesa era longa, mas assim que você educadamente limpava os lábios, o garçom maleducadamente se apressava em recolher a toalha, trazer a conta e praticamente expulsá-lo da cadeira para uma nova turma se aboletar. Nada de papo furado.
Mas Roma é também famosa pela “pizza al taglio”, a pizza em fatias. O cidadão urbano, entre um ônibus e outro, pára um instante no balcão que dá de cara pra calçada, manda cortar o tamanho desejado, e sai andando pela rua com a pizza na mão.
Pois, aqui em Natal tem uma pizzaria parecida e que contraria aquele meu dito citado inicialmente: o da pizza fininha. E crocante. A pizzaria “Índios”, em que pese o nome esquisito, é das boas, pizza gorda, bastante massa. Fica ali na Rua Açu, quase vizinho à Catedral Nova, quase diagonal com a lateral do Cine Rio Grande, pertinho de onde foi a Casa da Maçã.
O proprietário é italiano e, olha só, não criou no seu espaço uma “ambientação italiana” como a do Ocean, nem tem “mobiliários adquiridos na Reveste, uma das principais grifes nacionais do setor de restaurantes”, como ensina o release do Palace Resort, Beach & Bungalows. Ao contrário: o espaço é decorado com enormes vasos em cerâmica marajoara, que também estão à venda. Explica-se: o dono viveu anos no Pará. Fiquei de voltar lá um dia para conversar mais e, claro, comer. Mas como minhas noites nem sempre acabam em pizza, ainda não aconteceu.
*
BLUE
É hoje – e amanhã também – que o Aprecie (Rua da Lagosta, Alagamar) recebe o bluesman Larry McCray. Senhas individuais entre R$ 20 e R$ 30, mesas a partir de R$ 50, podendo chegar a R$ 210 (sete cidadãos). Ligue e se informe: 9117.1757.
A promoção extra é bisonha: um litro de Teacher’s e uma bruschetta por 50 contos.
6,5
Anotem aí as atrações já confirmadas do projeto Seis e Meia – em abril: Joanna (dia 14), Jessier Quirino (21) e Alex Cohen (28). Em maio: Dudu Nobre (dia 5), Rita Ribeiro (12) e Wando (19).
O Seis e Meia acontece em Natal (no Teatro Alberto Maranhão, terças-feiras) e em Mossoró (no Teatro Municipal Dix-Huit Rosado e às sextas)
O preço dos ingressos não é desculpa pra não ir: R$ 10,00 (inteira) e R$ 5,00 (meia).
ECLÉTICO
Conhece Arleno Farias? Eu também não.
Mas muita gente parece conhecer o rapaz, potyguar de nascimento, compositor e músico que passeia pelo pop rock, MPB, forró, reggae, rap, trance e drum’n’bass.
E, se não conhece, vai conhecer: a agenda do moço para este mês começa dia 5 em Beagá, nas Geraes, passa pelo Espírito Santo (Vitória, Guarapari, Regência), São Paulo e Natal – onde se apresenta na Assembléia Cultural dia 29.
KULTUR
Quem sabia que os Correios têm Centros Culturais no Rio e em Salvador, mais dois Espaços Culturais em Fortaleza e Juiz de Fora, levante a mão.
A minha tá bem abaixadinha, remoendo ainda que Fortaleza, além do mais, tem também um CCBNB.
Pois, as inscrições para a seleção pública de projetos culturais para Centros e Espaços já estão abertas (até dia 29): acesse www.correios.com.br/institucional e clique no link “patrocínios”.
Artes visuais e cênicas, audiovisual e música, são os segmentos contemplados, e a grana é de responsa: R$ 4,19 milhões.



PROSA
“Eu sempre desconfiei muito daqueles que nunca me pediram nada. Geralmente os que sentam à mesa sem apetite são os que mais comem.”
Getúlio Vargas
[citado pelo Jornal do Brasil]
VERSO
“Ninguém tira leite em bode
Nem transforma areia em sal.”
Esmeraldo Siqueira
“Carta a Eugênio Neto”

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Cascudo no teatro

Chato esse papo que santo de casa não faz milagre – e, em relação a São Cascudo, injusto até: ninguém mais milagreiro por aqui que o provinciano incurável, autor, também, – entre centenas de livros – da máxima “Natal não consagra nem desconsagra ninguém”.
Daí que, nenhuma novidade em saber que cabe a um diretor paulista levar o Mestre e Bruxo da Junqueyra Ayres aos palcos nacionais.
Vladimir Capella é o nome, é o cara, dramaturgo e diretor – e eu pego boa parte do que aqui vai escrito de uma entrevista recentemente publicada na excelente CartaFundamental, “a revista do professor”, extensão editorial da mais famosa e semanal CartaCapital. Ainda está nas bancas o número 6, março deste ano, R$ 3,50 apenas.
Capella deve estrear este mês, no Sesi de Sampa, “O colecionador de crepúsculos”, texto seu baseado em cinco contos dos cem recolhidos e fixados por Cascudo em “Contos tradicionais do Brasil”.
São eles “O compadre da morte”, “A velha amorosa”, “O marido da mãe d’água”, “A formiga e a neve” e “A madrasta”.
Os três primeiros correspondem, respectivamente e segundo a classificação adotada pelo folclorista, ao Ciclo da Morte, Facécias, e Contos de Encantamento. Já os dois últimos, ao menos com os títulos apresentados, não aparecem nas duas edições que tenho do livro.
Além dos contos, adaptados pelo autor a partir de oficinas de improvisação promovidas pela Secretaria de Estado da Cultura de Sampa, Capella usa aspectos biográficos da vida do nosso Ludovico, Luís, embora nem na entrevista nem no seu sítio na internet (www.vladimircapella.com) explique suas fontes. Curioso notar que Anna Maria Cascudo Barreto escreveu em 2003 uma fotobiografia sobre o pai com o mesmo título.
Noves fora a lacuna, o diretor é um entusiasta do potyguar – “Dizem que, se o Brasil for demolido, ele pode ser reconstruído por meio do ‘Dicionário do folclore brasileiro’, do Câmara”, explica ele, acrescentando: “Está lá, cada gesto, costume, comida. Ele se comunicava com o mundo todo sem sair de Natal, só por cartas. Era um profundo conhecedor do Brasil. A gente sabe mais da gente com ele.”
E faz uma comparação atravessada: se a grande fonte da humanidade é a mitologia grega, no caso específico do Brazil é seu próprio folclore o imenso manancial onde podemos matar nossa sede – e, em se falando de folclore verdamarelo, ninguém melhor nem maior que Cascudo, a quem presta reverência.
MENINO RUIM
Capella não é um diretor fácil, para não dizer polêmico: não acredita na divisão clássica que cataloga e classifica separadamente o teatro dito “infantil” ou “infanto-juvenil”:
“Sempre houve uma arte para crianças e uma outra, para adultos?” – pergunta, em artigo escrito há mais de dez anos. “O que dizer então das festas juninas de antigamente? Das quermesses, do boi-bumbá, dos vários folguedos populares que reuniam todos os membros da família numa mesma celebração? Crianças, adolescentes, pais e avós, cada qual a seu modo, conforme sua necessidade e interesse, desfrutando suas próprias descobertas. E tudo isso acontecendo num espaço único, dentro de um mesmo espetáculo.”
Para Capella, até os comícios de antão eram uma grande festa sem distinção etária, e o palanque o primeiro palco que viu ainda menino.
O tom polêmico não pára por aí: o autor não concorda que se deva isolar a criança da crua e cruel realidade, a fim de supostamente preservá-la das dores do mundo – “porque criança sabe o que é maldade e sabe que tem um monstrinho dentro dela”, afirma. “Ela sabe que não é boa. Quando a criança vai ao teatro e vê a bruxa fazer maldade, ela bota para fora os sentimentos dela. O teatro ajuda a criança a se aceitar como ser humano complexo que é.”
Os contos adaptados são significativos: “O compadre da Morte” é a história de um homem que engana duas vezes a Morte e na terceira é por ela enganada; “A velha amorosa” se apaixona por um homem bem mais novo que, incomodado pela paixão, a obriga a passar uma noite debaixo de chuva – a velha fica doente e morre; já “O marido da Mãe d’Água” é um pescador pobre que se arruma bem de vida com o casamento com a entidade e termina pobre ao renegar a mulher.
Cascudo dizia que o conto popular era o vértice de um ângulo a unir memória e imaginação popular, revelando não apenas informação histórica, etnográfica, sociológica, jurídica e social, mas também a capacidade criativa do povo, transmitida basicamente através da oralidade.
Primorosa sua explicação para tanta jovenzinha de cabelos longos e soltos nas fábulas, que pescou de Oliveira Martins: “Pela cabeça se conhecia o estado: a virgem vai ‘in capillos’, a esposa ‘cum touca’”.
Anna Maria Cascudo anotou em seu “O colecionador de crepúsculos”:
“No colo de papai, na praia de Areia Preta, minhas canções de ninar foram desafios de violeiros. Ouvia contos populares, historias de Trancoso, e muitas ‘histórias’ de Pedro-Perna-Santa e Chico Preto, pescadores que eram fontes para papai e cujas narrativas me empolgavam, semelhantes à ficção científica.”
Se hoje em dia as crianças não podem ter o privilégio, de certo modo comum à época, de ouvir essas narrativas da boca dos parentes, das babás, das pessoas comuns do povo, resta ao Teatro, além dos livros, prover essa lacuna indispensável ao desenvolvimento do imaginário infantil, da criança e, futuramente, do adulto.
A peça de Capella deve permanecer até junho no Sesi – bem que a governadora e a prefeita, nessas viagens ao Sul Maravilha podiam dar uma espiada, e, quem sabe, trazer o espetáculo para este Ryo Grande.



PROSA
“O Rei dos Peixes mandou um tubarão engolir o rapaz e uma baleia engolir o tubarão e foi para o fundo do mar.”
Câmara Cascudo
Contos tradicionais...
VERSO
“Eu faço um choro baixo
para no alto não chegar”
Chico Antônio
“Sabiá”

terça-feira, 7 de abril de 2009

Clint

Mulher de amigo meu é homem, ia pensando o sobrescrito enquanto se dirigia à fila de “Gran Torino”, noite dessas.
Que direi então sobre o homem do amigo meu?
Pois, Clint Eastwood – e o sabe cada guardanapo da Bella Napoli – é de Alex Nascimento, ninguém tasca, e o poeta e dicionarista, se não o viu primeiro, pouco importa.
Então, me sinto meio sacana quando dou umas olhadelas indiscretas pro ator interpretando um pouco de si mesmo na macheza viril e bruta do seu personagem no filme dele mesmo, ator e diretor, diretor e ator.
Fazer o quê? O cara tá na telona, em rugas que não têm tamanho, numa testosterona exuberante entre a potência e a senilidade.
Aperta os olhinhos, Clint, desabrocham rugas nos cantos dos olhos que pedem, urgente, urgentíssimo, litros de botox, e mais: clamam por um chapéu de caubói, um cigarro de palha e um colt de cano longo na cartucheira.
O Clint de “Gran Torino” é a rabugem em pessoa. Brigou com os filhos, os netos, as noras, o padre católico que convenceu ou foi convencido pela mulher recém-falecida a pegar a todo custo uma confissão do agora viúvo. E está pronto a brigar com os vizinhos, todos orientais. A três por quatro solta um rosnado entre dentes, como um cão assolado e acuado – no caso do personagem, assolado e acuado pelo mundo que se movimenta cada vez mais rápido e vira cada vez “menos americano”, com os novos imigrantes latinos e asiáticos se misturando conflituosamente entre os velhos imigrantes italianos e polacos (sem falar dos afroamericanos) – como é polonês essa nova encarnação do velho Clint, vulgo Walt Kowalski.
“– Wally”, tenta a intimidade o jovem e imberbe padre. “– Me chame de Sr. Kowalski”, responde Clint, que, embora distribua socos e pontapés e continue sacando revólveres mais ou menos imaginários, assume o ocaso da própria vida real, num cansaço que passa também para a película.
Depois de “Bird” (1988), “Coração de caçador” (1990), e dos mais recentes “Sobre meninos e lobos” (2003) e “Menina de ouro” (2004), o Clint Eastwood diretor está ficando realmente velho e acabado. Mas ainda novo e conservado como o Ford Gran Torino que guarda na garagem com zelo de macho e ciúme de fêmea.
*
SACRO
Pegando carona na Semana Santa que se avizinha, o colégio CEI realiza hoje, 19h, o 3º Recital de Música Sacra, no auditório da Unidade I da escola, conjunto Mirassol. A Orquestra de Câmara, a soprano Alzeny Nelo e o violoncelista Fábio Presgrave interpretam Bach e Vivaldi, entre outros.
PIXINGUINHA
Termina hoje as inscrições – só pela internet e de grátis – para as oficinas de capacitação profissional para músicos deste Ryo Grande interessados em participar do Projeto Pixinguinha.
Envie release, currículo e, em no máximo seis linhas diga o porquê de vosmicê ser um dos 50 participantes – para o email oficinatal@gmail.com.
As oficinas acontecem dias 22 e 23 de abril e têm como palestrantes/debatedores Ana Terra, Cacá Machado, Maurício Bussab e Pérola Akerman.
O VENDEDOR DE LIVROS
“Uma grande vontade de trabalhar numa livraria e uma gigantesca paixão por literatura” levaram o escritor Lima Neto a duas conquistas: a primeira, como vendedor da Siciliano, a marca de hum milhão de reais em livros vendidos; a segunda, como escritor, a lançar seu primeiro livro, “Uma história em cinco vozes ”.
A apresentação é de Valério Mesquita e a revisão de Nelson Patriota. Hoje, na livraria do Midway, 19h.
GREVE
A greve dos professores espalha suas conseqüências muito além dos bancos escolares: o XIII Passeio Ecológico do Visconde de Taunay, programado para sábado passado, foi adiado porque seu público-alvo era preferencialmente a estudantada.
Na dúvida, o 7º Batalhão de Engenharia de Combate programou para um futuro próximo, mas nem tanto: o mês de maio.
TOQUE
Paulo Laguardia é quem repassa a informação: para oferecer uma mamografia gratuita diariamente a mulheres de baixa renda, basta acessar o sitio www.cancerdemama.com.br e clicar no banner “Campanha da Mamografia Digital Gratuita” – não custa nada, mas é pelo número de cliques diários que anunciantes garantem os exames.
FALECIMENTOS
A morte de Darce Freire Dantas de Araújo e Leônidas Ferreira deu-se no espaço de um dia atingindo ainda mais duramente Cabeto, Aninha, Thaís e Arthur, que perderam os pais, os sogros, os avôs. A vida continua, sim, mas nem por isso menos dolorosa, aliás.



PROSA
“Porque não há morte para aqueles que não são amados, mas há uma única e que dura sempre, para os que foram muito.”
Lúcio Cardoso
Diário completo
VERSO
“Leva-me, amor, todos os meus amores:
Que tens agora a mais que não te déssemos?”
Shakespeare
“Soneto XL”

segunda-feira, 6 de abril de 2009

A Fazendinha Pocotó

Leio nas folhas, nos blogs, nas assessorias de imprensa, formais, informais, oficiais e oficiosas, que tem um novo espaço na City de nome, assim, digamos, retumbante: Fazendinha Pocotó.
Isso mesmo: Fa-zen-di-nha-Po-co-tó.
Pocotó, todos sabem, é onomatopéia infantil para o som das patas dos eqüinos: pocotó, pocotó, pocotó, pocotó pocotó pocotó – e lá vai o cavalinho pelos campos em flor, veredas deste Saartão de espinhos e dunas.
Achei lindo. E significativo nesta cidade... peraê... eu ia digitar “de bestas”, mas que têm as bestas a ver com isso? Deixa pra lá. Bestas, cavalos, éguas, jumentos. Carroças. Carroceiros. Achei lindo o nome. E só. E simbólico, sim.
Me lembrei logo dos aniversários dos pimpolhos dos políticos locais. Não se enganem com esses pivetes travestidos de anjinhos inocentes e suas carinhas estampadas nas colunas sociais – o rapazinho ou a mocinha que apaga as velinhas enquanto os garçons servem Moët & Chandon e Veuve Clicquot pode ser um futuro governador ou governadora daqui a algumas décadas.
Pois, é disso que se trata a Fazendinha Pocotó. Um novo espaço para festinhas infantis. Agro-espaço. Tem marreco? Tem. Tem mini-pônei? Tem. Tem vaca? Tem, sim, mas mini também, que é pra não assombrar os rebentos. Que mais, que mais? Galinha, coelho, cabra, cabrito. Enfim, a Fazendinha, né?
Maravilha.
As secretarias de Agricultura e de Recursos Hídricos podiam lá fazer suas celebrações. A secretaria de Turismo, também – hoje em dia tem menino da cidade, mesmo de Nãotown, que só viu vaca ou frango na tevê, máximo num hambúrguer do McDonald’s. Ou do Bob’s. ou do PittsBurg – pra não dizerem que estou fazendo merchan preferencial pra ninguém. Epa, faltam ainda o Burger King, o Habib’s, o Subway. Bom, quem achar que não foi citado, cartinhas pro jornal que a gente publica.
Seguindo (pocotó, pocotó) a prosa, a Fazendinha Pocotó me lembrou também outra denominação desta Capital Espacial do Brazil e Ar-mais-puro-das-Américas: o epíteto de Fazenda Iluminada. “Natal é uma Fazenda Iluminada” – quem foi mesmo que disse isso, pra simbolizar o nosso provincianismo entranhado, nosso bairrismo arraigado, nosso jecatatuísmo desenfreado?
Pois, agora essa Fazenda Iluminada, esse Arraial de Palumbo, esse gastar “200 pro galado da oca ao lado não ganhar 20”, pode comemorar mais um título: Fazendinha Pocotó.
E vou-me, em busca de crepúsculos – pocotó, pocotó, pocotó.
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10%
A citação do “200 versus 20” acima é do poema épico “O alvissareiro” – Adriano de Sousa pega emprestado de Cassiano Arruda Câmara e subverte ao seu gosto, prazer e sarcasmo a frase célebre, epitáfio e epígrafe desta City.
Como já disse aqui, neste espaço, há tempos, Cassiano não é o autor, mas um dos grandes divulgadores da expressão que tristemente nos resume.
ESPARTA & ATENAS
Só agora descubro que existe uma Copa Robinson Faria de Football amador, já em sua oitava edição, reunindo um bocado de time do interior deste Ryo Grande.
Mas nem tudo é Esparta na agenda do pretenso candidato (a governador ou vice-governador) – há espaço também para um lado Atenas: o deputado enviou dois requerimentos ao Governo de Todos solicitando; um, a criação de um comitê gestor para o Plano Estadual de Leitura Literária nas Escolas; dois, a realização de uma pesquisa sobre a real situação do analfabetismo neste Ryo Grande.
Como eu ouvia na infância, no então Castelão, de um amigo do meu irmão: “Quem não faz, leva.”
PROF
Em tempos de greve dos professores – salário ridículo de menos de hum mil reais – imperdível deve de ser o filme francês que estreou sexta passada no Moviecom: “Entre os muros da escola” – a boa crítica dele só faz elogios.
A curiosidade é que o ator protagonista é não apenas um professor de verdade, mas autor do livro que inspirou o filme: François Bégaudeau.
Mas, se liguem, é exibido em horário único, 16h30.
ELITE TOP MODEL
A produção do show do Tihuana dá um show de informação – como a coluna é mal-informada e perguntou sexta passada, às 8h31 já recebia email:
“A atriz Camila Camargo, filha do cantor sertanejo Zezé de Camargo, é um dos nomes convidados [...] para o show exclusivo do Tihuana em Natal [...]. Atualmente, a irmã mais nova de Vanessa Camargo está atuando na novela Revelação, do SBT. Outro nome [...] é o ator Bruno Udovic, que atualmente está em cartaz com a peça Motel Paradiso de Juca de Oliveira. Bruno já atuou em novelas como Sinhá Moça e Malhação. [...] a atriz Paola Maya, sobrinha e assistente de direção do diretor Wolf Maya [...] estreou no Teatro Musical, ao lado de Totia Meirelles, no Musical Garota Glamour do próprio Wolf Maya. Logo em seguida estreou na TV, na novela Duas Caras, como a cantora Gospel Rebeca, filha do Pastor Lisboa, que teve morte trágica na invasão da Portelinha. Além de atriz, é coreógrafa, tendo como último trabalho feito o especial Xuxa e as Noviças, que foi exibido no Natal de 2008, na Rede Globo.”
Eu não falei que eles eram importantes?



PROSA
“mas o que tem uma vaca com um cavalo, um cavalo com uma ovelha, uma ovelha com uma lagartixa, uma lagartixa com um avestruz?”
Mario Quintana
A vaca e o hipogrifo
VERSO
“e não somos todos burgueses
ou menos”
Adriano de Sousa
“O alvissareiro”