sábado, 28 de fevereiro de 2009

Adivinhe quem vem para o café-da-manhã: Manoel Onofre Jr.

Manoel Onofre Jr. é uma dessas figuras do universo provinciano – no bom sentido da palavra – que mais contribuem para a sua preservação. Apesar do próprio trabalho autoral, parece se preocupar mais em comentar, seriamente, o trabalho dos outros autores, poetas, contistas, escritores, cronistas, enfim, a turma que faz a tal literatura potyguar. Ao elogiá-los, torna-se quase a exceção que confirma a regra da City: aquela que afirma, sem explicitar, que ninguém elogia ninguém a menos que um elogio estrangeiro se antecipe ao louvor. Manoel Onofre Jr. acredita nessa literatura, com uma devoção quase santa: para ele, os santos de casa milagreiros são.
Benevolente, sincero, amável, empresta à coluna um fragmento do seu próximo livro. É um capítulo inédito de “Portão de embarque 2, destino Portugal”, que o autor só colocará o ponto final em abril, quando viaja, uma vez mais, para o antigo Reino desta Colônia. Lá, Onofre flanará pelas cidades ainda desconhecidas de Amarante, Aveiro, Bragança e Vila Real.
O texto a seguir é ainda mais especial com a presença mágica, terna e eterna de um dos personagens: Luís Carlos Guimarães.
Aqui, um parêntesis: o sobrescrito tem uma dívida imensa com o poeta Luís, Lula, que há mais de dez anos fez questão de me conhecer numa Roma mergulhada numa primavera quase inverno, ou era um outono quase inverno, não me lembro bem – o que importa é que os dias, então, eram frios, e o primeiro convívio com Luís Carlos literalmente me aqueceu o coração, seja pelo vinho, seja pelos olhos luminosos do poeta, outra exceção entre os poetas: nunca falou muito sobre o próprio umbigo, preferindo dedicar-se aos versos alheios, com sincera admiração e sem louvores enfadonhos. Nunca me esquecerei que pouco antes de morrer eu deveria me encontrar com o retratista do “homem de paletó cor de goiaba” (do poema “Canção urbana”), encontro sempre adiado às minhas custas. E penas. Enfim.
Luís Carlos entendia a poesia como vida e vice-versa. Uma vida, poesia, que merecia ser constantemente brindada, em companhia. Fica então, a homenagem de Manoel Onofre Jr., a qual, sinceramente, com carinho, me junto:


O “CACHO DOURADO”
Dois poetas que o Rio Grande do Norte doou ao Brasil – Luís Carlos Guimarães e Nei Leandro de Castro – têm suas vidas ligadas de certo modo a Portugal. Luís Carlos, que já se foi deste mundo (atravessou a ponte de safena, como disse num poema), e Nei, quando iam a Lisboa gostavam de se encontrar para tomar vinho num restaurante da Rua Eça de Queiroz – o “Cacho Dourado”.
Nei já havia notado e anotado o pitoresco e, mesmo, o inusitado de alguns nomes de restaurantes portugueses. “Inhaca”, por exemplo (ver a crônica “Lisboa dos meus amores”, no jornal Tribuna do Norte, de Natal, 24.10.2008). Outro nome curioso: “Polícia”. Sim, senhor: Restaurante Polícia! E que tal “Tromba Rígida”?
Mas, o que eu queria dizer é que Nei me sugeriu ir ao “Cacho Dourado” para brindar à memória do amigo Luís Carlos. Fui.
Com saudade (dizem que esta palavra só existe no idioma português), lembrei-me de uma vez em que eu, ao sair de uma estação do metrô, em plena Praça dos Restauradores, vi, surpreso, Luís Carlos e Diógenes da Cunha Lima em meio à multidão. Corri para cumprimentá-los, e foi aquela festa. Depois fomos dar uma volta pela Feira do Livro, no Parque Eduardo VII – Diógenes à cata de livros de e sobre Camões. Bons momentos, aqueles... Mas faz tanto tempo. Luís Carlos, feliz da vida por reencontrar a sua Lisboa, conversava animadamente, longe de saber que a indesejada das gentes o espreitava.
Agora estou no “Cacho Dourado”, depois de localizar, não sem alguma dificuldade, a Rua Eça de Queiroz, rua pequena e escondida, que não faz jus à grandeza do escritor.
As letras em neon – Restaurante Cacho Dourado Cervejaria Marisqueira – encimam a porta envidraçada e a vitrine em que se expõem travessas com especialidades da casa. Entro e me abanco. O ambiente é simples, acolhedor. Azulejos tipicamente lusitanos revestem até meia altura as paredes do salão, que uma grande arcada divide em dois. Mesas e cadeiras dispostas simetricamente, inúmeras. No balcão junto ao caixa, uns senhores de meia idade, com ar de amigos da casa, bebem cerveja e discutem futebol.
Qual dessas mesas era a mesa dos poetas?
Peço ao garçom um bom vinho e, cumprindo o prometido a Nei Leandro, faço um brinde à memória desse que foi grande na arte e na vida: Luís Carlos Guimarães. [Manoel Onofre Jr.]



PROSA
“A noite parecia leve, irreal, saída de um romance de Eça, de um verso de Pessoa, de um cartão-postal, daqueles que encheram de desejos os pobres olhos provincianos da nossa infância.”
Newton Navarro
“Amigos em Lisboa”
VERSO
“O fado na Adega do Ribatejo
evoca águas tristes do Tejo?”
Luís Carlos Guimarães
“Adivinhas”

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Cinco dias, cinco noites

Escrever uma coluna de jornal diariamente é, com o perdão da expressão e palavra, um pé no saco. Não, não é bem um pé no saco, a não ser pela dor irremediável que o tal pé no tal saco inevitavelmente provoca.
Um tormento, pois, para usarmos termo menos ofensivo aos olhos mais sensíveis. Embora “saco” seja palavra ouvida livremente a três por quatro por aí, daí que nada demais que seja lida, por aqui.
Enfim, mais difícil a atividade jornaleira é, ou torna-se, depois de uma temporada de férias (apenas cinco dias) longe de toda e qualquer notícia publicada, em jornais, revistas e na internet. Vou escrever sobre o quê? Me pergunto, bem sabendo que só amanhã o caro leitor ou a cara leitora poderão, se quiserem, me dar uma resposta – e aí meu “problema”, enquanto colunista já será bem outro.
Parêntesis para esta questão temporal: escrevemos hoje para o leitor ler amanhã e nos esquecer no dia seguinte, depois de amanhã, quando já estaremos na labuta da coluna de depois de depois de amanhã.
Coisa de louco. Ou de Sísifo, aquele sujeito da pedra, eternamente condenado a levar a rocha pra riba de uma montanha, vê-la despencar ladeira abaixo, para buscá-la e levá-la uma vez mais pro topo.
Mas, estou enrolando, assumo. Quem tem que responder a pergunta sou eu mesmo. Então, rapaz, escrever sobre o quê? Mais fácil elencar sobre o que não escrever:
- Não posso escrever sobre o Carnaval Multicultural desta Capital Espacial, tendo em vista que aqui não permaneci e nem notaram minha ausência (embora amigos tenham me contado boas coisas sobre o “Bruxos, carecas e lobisomens”, de Ponta Negra – esqueci dos poetas, os primeiros do bloco, mas deixa pra lá).
- Tampouco posso contar nada sobre Pirangi, pois de lá, muito propositadamente e ajuizadamente fugi e não me lamento.
- Carnaval do Rio? Também não fui nem liguei a TV. Me disseram que foi a Salgueiro a campeã e que o enredo era sobre o “Tambor”. Achei muito doida a escolha, mas talvez influenciado pelo que me contaram sobre um Carlinhos Brown furioso batucando, claro, um tambor.
- Sobre o Oscar hollywoodiano apenas passei uma vista em alguma das muitas listas publicadas nas páginas da web, que vi apenas ontem, desplugado que estava de qualquer conexão internáutica durante os cinco dias, com a graça do bom deus.
- Não fui ao cinema, não sei o que está passando nas telonas dos shoppings.
- Não li um livro sequer, uma revista inteira, na abri página de jornal, não conversei com ninguém que não fosse apenas uma simples troca de amenidades e banalidades, nada que possa interessar ao clássico leitor de jornal, sempre ávido por uma fofoca, um escândalo, uma tragédia anunciada. Aliás, minto: li umas poucas linhas de dois livros que levei na bagagem. Vou reproduzi-las aqui, para preencher espaço enquanto não arrumo um tema para desenvolver. A primeira citação é de Claudio Magris, em “O senhor vai entender”:
“Agora, sem mim, ele vai se dar conta – essas mulheres que vão prestigiá-lo toda vez que ele lê algo em público ou faz uma conferência e depois o bajulam, o afagam –, aquelas estúpidas adoram quem sabe rimar duas palavras e se iludem achando que talvez lá no fundo haja um grande coração – e o abraçam, o puxam para cá e para lá, no final uma delas vai ficar com seu paletó nas mãos, outra com um braço, e o fazem autografar os livros, escrevem-lhe cartas exaltadas, e ele responde a todas, também em tom inspirado.”
A segunda citação é de Orhan Pamuk, em “A maleta do meu pai”:
“Como sabem, a pergunta que mais fazem a nós escritores, a pergunta predileta, é: por que você escreve? Escrevo porque tenho uma necessidade inata de escrever! Escrevo porque sou incapaz de fazer um trabalho normal, como as outras pessoas. Escrevo porque quero ler livros como os que eu escrevo. Escrevo porque sinto raiva de todos vocês, sinto raiva de todo mundo. [...]Escrevo para ficar só. Talvez escreva porque tenho a esperança de entender por que eu sinto tanta, tanta raiva de todos vocês, tanta, tanta raiva de todo mundo. [...] Escrevo porque jamais consegui ser feliz. Escrevo para ser feliz.”
O livro do italiano Claudio Magris é uma breve autocrítica, um curto relato (55 páginas) de inspiração autobiográfica: usando o mito de Orfeu e Eurídice, Magris aproveita para exorcizar sua própria relação com a mulher, a também escritora Marisa Madieri, morta em 1996. No livro, ele dá voz à falecida, expondo sem autopiedade seu próprio ego de escritor.
O livro do turco Orhan Pamuk é na verdade uma reunião de três discursos, um deles – do qual provém a citação – o proferido por Pamuk durante a cerimônia de entrega do prêmio Nobel de Literatura de dois anos atrás. Me chama atenção, a exposição que o escritor faz de suas próprias neuras quando assume “Escrevo porque sinto raiva de todos vocês, sinto raiva de todo mundo.”
São as entranhas de dois bons escritores que, quando escrevem explicitamente sobre eles mesmos, sem o filtro da ficção, terminam por se apresentarem mais normais, mais comuns a todos nós, seus leitores.
Daí que, nesta sexta-feira, com gosto e ressaca ainda de quinta, quarta-feira de cinzas, com notícias de mortes que prefiro não comentar, aproveito para fechar a coluna com essa sugestão: comprem livros. Comprem sempre livros. Leve-os, inclusive, em suas viagens de férias: mesmo que vocês não os leiam, inteiramente, talvez folheiem alguma coisa e sempre há alguma coisa boa para refletir em poucas linhas de um volume inteiro.



PROSA
“É lindo ser amada por um neurótico, dá segurança.”
Claudio Magris
O senhor vai entender
VERSO
“Por isso o lance do poema:
Por guardar-se o que se quer guardar.”
Antonio Cicero
“Guardar”

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Andreia Dias

Se vocês não conhecem – como o sobrescrito, até há um mês atrás –, precisam conhecer urgentemente Andreia Dias, cantora, compositora, paulista, ex-evangélica, voz afinada no coro da igrejinha, rebelde com causa adolescente que se mandou do lar aos 17 anos, foi morar em Ubatuba, sem lenço, sem documento, se improvisou garçonete, babá, cantora nas horas vagas e extras, e fã de Janis Joplin – que, segundo ela em entrevista para o Programa do Jô, que vejo agora no YouTube, foi sua redenção: “Ela [Janis] me libertou.”
Não esperem encontrar a voz rasgada de Janis no único disco de Andreia, “Vol. 1” (pela Tratore). É mais provável ouvir ecos do extinto grupo de Seu Jorge, Farofa Carioca, que a cantora, passada a fase Ubatuba, chegou a integrar, quando de sua breve fase Santa Tereza.
De volta ao litoral paulista, chega a pensar em desistir da música, indo, literalmente, para uma ilha deserta. Mas leva um pé na bunda do namorado e volta pra São Paulo.
Noves fora os traços underground na biografia, comuns a milhares de pessoas, o melhor de Andreia são as composições.
Dá pra imaginar o fim do seu idílio na ilha deserta ao ouvir os versos de “O fio da comunicação”:
“O meu amor já não tem mais tanta frescura,/ A minha vida não suporta compostura// E assimilando toda a situação,/ Sigo tranqüila com muita perturbação// Espero um dia não tomar o tal Prozac/ e nem perder o fio da comunicação// Na vadiagem glorifico ao meu rei,/ No prosseguir, confesso também errei// Espero ser uma pessoa quase sã/ pra nunca ter que conhecer o Diazepan”.
Não são muitos compositores que conseguem inserir palavras como “Prozac” ou “Diazepan” com tanta naturalidade. Ou “mala”: “E quando vem e me olha com essa cara/ Já me constrange porque me sinto uma mala” (“Asas”, uma resposta de Andreia à letra de “Memórias conjugais”, de Paulinho da Viola – que a cantora conclui cantando: “Anote outra pro seu livro de memórias conjugais/ Vou respirar e não volto nunca mais...”).
Resposta inspirada, também, a letra de “Homem”, que ela conta ter nascido de um comentário de Paulo César Pereio numa mesa de bar onde Andreia trabalhava, mais uma vez, de garçonete: o ator teria comentado, “mulher boa é mulher morta” – vem Andreia e escreve:
“Homem,/ Seu desejo secreto é me ver no necrotério/ Branca como a neve/ Bela adormecida esquecida,/ Uma flor murcha e caída/ Homem,/ Pressinto que opera uma trama fatal/ Sonhei com meu sepulcro à beira do Pantanal/ Hombre,/ Mamífero desmamado, bípede malvado,/ Você quer me espiar/ Vai passar a mocidade esperando se vingar/ E vai regozijar-se quando os meus lábios gelados beijar/ Mas por que, meu querido, por que, meu amor?”
FEMINISMO TUPINIQUIM
As relações afetivas são um tema recorrente, o velho embate entre gêneros, fins de caso, que a compositora incorpora com muita ironia e sem radicalismo – como em “Não mais que um dia”: “Foi ao entardecer que fui perceber com certa ironia/ Que bastou-me um dia pra esquecer a sua fisionomia”. Ou em “Bode”:
“Você diz que não me compreende/ Que não me entende e que sente horror/ Dessa vida louca que ando levando,/ Desvairado amor/ Não percebeu que acabou-se o tempo/ Em que ficava ouvindo o seu lamento/ Minha paciência se acabou.../ Tchau, fui, Adiós// Olhe, não me incomode, não me dê bode,/ Me deixa em paz/ Eu não quero te ver mais.” Pra concluir, vitoriosa, sem revanchismos: “Você se acha o mais esperto, o mais envolvido,/ sabichão com diploma, todo esclarecido,/ sempre por dentro da situação/ O mais malandro, o mais sagaz,/ o mais bonito,/ Mas o que você não sabe, amigo,/ que o mundo não gira em torno do seu umbigo”
As velhas e eternas questões existenciais são reinterpretadas de modo original em “Vampiro tupiniquim” que começa: “O tempo todo eu fico pensando/ O que fazer agora, como e quando começar”. Mas logo vem a resposta: “Não tenho pressa pra comer o banquete,/ Se você preferir, passe na frente/ Estou cansada de papo furado,/ Todo mundo tem complexo de Presidente”, resumindo um aspecto da personalidade verde-amarela, um país onde todos têm uma inclinação para “Astrólogo de plantão,/ Psicólogo de botequim,/ Treinador da Seleção,/Vampiro Tupiniquim”.
Mas as letras não seriam muito se não houvesse o som e a voz que as acompanham. “Vol. 1” (a cantora diz que já tem material para uma trilogia) tem a participação do sempre bom Fernando Catatau nas guitarras (Made in Ceará), Luque Barros no baixo, Marcelo Jeneci nos teclados e Guilherme Kastrup na bateria.
O resultado é pra lá de original na morna cena musical dos últimos anos, com uma levada indefinível, passeando e flertando sem muito compromisso com o rock, o samba, o tango e o blues – fontes onde a paulista bebe sem se deixar contaminar pela simples copiação.
Altamente recomendável, enfim, para quem só acredita na carioca Roberta Sá.



PROSA
“Através do rock’n’roll me libertei, do samba me requebrei, do soul e do blues, me inspirei, na boêmia e na capoeira angola me criei.”
Andreia Dias
MySpace
VERSO
“O meu fundo é raso
(Nele às vezes transbordo)”
Andreia Dias
“Linfa ácida”

sábado, 21 de fevereiro de 2009

Adivinhe quem vem para o café-da-manhã: Carito, Flávio Freitas & Gracita

Lá vem Gracita Cardoso Lopes, convidada para este breakfast. Fiquei na dúvida como apresentá-la a quem não a conhece. Melhor opção não poderia ser a encontrada: os amigos Carito e Flávio Freitas, poeta um, pintor o outro, artistas os dois – aliás, os três – acabaram ampliando os convivas deste café-da-manhã. Com a palavra, o trio:

SOBRE GRACITA ALGUMAS PALAVRAS
Das antenas de Arnaldo escuto “seu olhar melhora o meu”. E a poesia de Gracita melhora a minha, a de todo o mundo. Seu sábio olhar-síntese de sacadas curtas com ampla visão me fez tantas vezes caminhar em busca desse seu olhar arquitecrônico. Pois é, Gracita sempre foi poesia não deixando de ser arquitetura. Alguns se surpreendem por essa arquiteta bem sucedida ser também poeta. No inicio de sua carreira, lá por meados dos anos 80, eu também fazia carreira - para o seu escritório para ver seus projetos. Seus projetos de poesia, projetos de livro que não sei porque ela ainda não publicou. Trocávamos figurinhas Lemisnkianas e como diz na abertura de um livro sobre a vanguarda de Londrina: “sorte não haver o que segure”. Assim, com a Gracita de Deus, ela nos brindou os melhores pratos escritos nas paredes do saudoso bistrô Raro Sabor, entre outros antros pó mágicos de suas linhas arquitecrônicas. Não preciso botar mais linha na fogueira: mas tudo que ela cria, recria; tudo que ela bota pra cima hai cai muito bem. [Carito]

GRACITA
Sertaneja cosmopolita, sintonizada com o mundo fashion da arquitetura, workaholic com poucas chances de “cura”. Conheci-a no início da década de 80 quando sentamos para assistir a primeira aula do curso de arquitetura e urbanismo da UFRN. Aluna dedicada, responsável e, desde sempre, apaixonada pela arquitetura. Mas antes de qualquer talento, o que aparecia primeiro era sua facilidade para escrever e o amor pela literatura. Fosse criando textos para o seu misterioso diário, que ela eventualmente nos permitia conhecer pequenos trechos, ou para os trabalhos do curso, ou simplesmente declamando de memória poemas de Carlos Drummond e outros autores.
Naqueles anos de sonho e idealismo universitário tive o prazer de ilustrar uma cartilha em quadrinhos criada por Gracita, pelo ano de 1984 ou 85, com a nobre missão de conscientizar e informar os moradores da Rua Pinto Martins, em Areia Preta, sobre os prejuízos conseqüentes da construção de prédios mais altos do que o nível da rua. Não sei quanto do resultado é mérito da cartilha, mas o fato é que o movimento popular em defesa da Pinto Martins surtiu efeito e ficou estabelecido um limite máximo de altura para as construções nos lotes a leste da rua. Favorecendo a ventilação e visão da paisagem no antigo Alto do Juruá.
Passados os anos, Gracita fez-se uma das mais atuantes e competentes arquitetas do nosso Rio Grande. Pressionada, constantemente sobrecarregada como em geral somos os profissionais autônomos em nosso Brasil, a literatura continua sendo sua melhor válvula de escape. Torço para que ela multiplique seu talento de escritora por nós leitores e para que quando chegar frente a frente com o criador do mundo não ter que responder a trágica pergunta: “– Minha filha, o que você fez com o talento que eu lhe dei?” [Flávio Freitas]

O PADRE, A GOVERNANTA E A COZINHEIRA NEGRA
No dia que Baía morreu, fui ao supermercado, cozinhei e quis dormir uma vida inteira.
Baía tinha 103 anos e, na minha infância, fazia sopinhas e me recebia, por cima do muro, na casa do padre.
Estava acostumada a ter Baía eterna naquela cadeira de balanço, em visitas esporádicas que, já adulta, fazia à capital do Ceará.
Não achei que ia chorar hoje, mas chorei. Não choro mais no cinema e não chorei na morte do Padre, meu padrinho monsenhor, que me chamava de Atita e me encantava, quando criança, não sei se por sua cultura, sua governanta solteirona ou sua cozinheira negra.
Era na casa vizinha que eu jantava toda noite. Tão menina, com cabelinhos escorridos e um jeito tímido de ser.
Lembro da escrivaninha do Padre, do seu aparelho de rádio amador e de um macaco, preso numa jaula de arame num jardim interno da casa.
O que me fazia ir lá? As louças? Os quadros? Os livros? O macaco? Ou o silêncio?
Creio que a quietude me encantava numa casa tão diferente da minha, cheia de primos, irmãos, boêmia e uma irmãzinha caçula, que me roubou a babá, e aí, diz minha mãe, a cozinheira e a governanta me pegavam por cima do muro no quintal que separava a nossa casa da casa do Padre.
Padre que teve um “derrame” e, paralítico, foi morar em Fortaleza, onde, a partir de então comecei a passar todas as férias da minha infância.
Voltava aos prantos daquela casa, abraçada com meus cadernos novos comprados na capital.
Com monsenhor Otavio, jantava, almoçava, via TV e lia os livros da sua estante. Com Baía e Maristela a me paparicar eu não queria mais nada da vida (às vezes até me escondia das crianças da rua – na realidade eu gostava daquela infância quieta).
O Padre morreu num sábado como hoje. Eu já fazia faculdade e pensei: vou ter um filho com seu nome e trazer as duas para morar comigo.
Mas ele deixou a casa de presente para elas, e essa casa aos poucos foi perdendo “sua alma”: a escrivaninha, os quadros, as cristaleiras, os livros, e todas as coisas que aos poucos foram sendo doadas para os sobrinhos do Padre (também ganhei uma xícara antiga e um prato para bolo...).
Não chorei por ele. Lembro que dormir e acordei sem ar. Mas chorei por Baía e talvez, inconscientemente, por todos os meus mortos recentes.
Chorei no ultimo sábado das férias como chorava na minha infância. Coincidentemente é janeiro e aqui não, mas lá no sertão já era inverno... [Gracita Cardoso Lopes]



PROSA
“só ele tem o direito de chorar, mas seus olhos estão de tal maneira secos que poderia esfregar um fósforo neles e acendê-lo.”
Alan Pauls
História do pranto
VERSO
“Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.”
Cecília Meireles
“Motivo”

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

A efeméride

Hoje, 20 de fevereiro de 2009, não tem nenhuma grande efeméride mundial. Ao menos que eu me alembre ou alumbre.
Apenas digito a frase acima e vou dar uma olhada na Wikipédia – putz! Noves fora uns fatos de importância questionável (bem como a fidelidade das informações), não foi um dia qualquer.
Aliás, como qualquer dia.
E antes que eu incorpore uma pollyanna básica e acrescente um “... e todo dia é especial”, vamos a alguns fatos, contrariando meu primeiro anunciado: em 20 de fevereiro de 1832, por exemplo, Charles Darwin dava um passeio em Fernando de Noronha; Batman e Robin apareciam pela primeira vez em quadrinhos nos jornais americanos, 1944; nascia um bocado de gente importante (o escritor Georges Bernanos, a novelista Ivani Ribeiro, os cineastas Robert Altman e Mike Leigh, o ator Sidney Poitier, os cantores Ibrahim Ferrer, cubano, e Kurt Cobain, americano – e mais uma penca, talvez você mesmo, leitor, leitora, ou o filho do vizinho). Do outro lado da vida, ou seja, a morte, num dia assim faleciam: ... hum... ahm... deixa eu ver... bom, na verdade não encontrei ninguém muito interessante, não – digamos que Café Filho morreu num 20 de fevereiro de 1970, e basta.
Mas, pros antigos romanos, hoje é dia de Tácita, deusa do silêncio e da virtude; pros crentes, o anjo do dia é Ariel; pros católicos, apostólicos, romanos – de hoje – a santa da vez e da hora, até a meia-noite, é Jacinta, uma das menininhas que disse ter visto a Virgem Maria em Fátima, Portugal.
Querem mais? Vão lá, direto na página da Wikipédia, a enciclopédia virtual que, noves fora os preconceitos da intelligentzia, e junto com o também virtualíssimo Google, é uma mão-na-roda.
Enfim, mas o que eu quero mesmo é lhes dizer, parodiando o velho Chico, é que, hoje, 20 de fevereiro de 2009, Antonio Guedes aniversaria: 86 anos (na verdade, menos – mas os tempos eram difíceis e o então jovem Antonio precisava ingressar no exército antes do tempo regulamentar, para sobreviver, e foi obrigado a se apresentar mais velho do que realmente era).
E, infelizmente, não as completa, estas quase nove décadas, à beira da cadeira de barbeiro, como provavelmente o fez nos últimos 67 anos: um acidente vascular cerebral o levou para longe das máquinas, das lâminas, das tesouras, interrompendo uma história que se confunde com a história desta cidade.
Mas, felizmente, deixou um herdeiro, Marcus Alberto “Beto” Guedes, que publica texto em homenagem ao seu pai, logo mais à tarde, na coluna de Alex Medeiros do Jornal de Hoje.
Feliz aniversário, pois.
*
TROCO
Pegando carona nas efemérides de hoje, impossível não comentar o natalício de Ivani Ribeiro, falecida há mais de dez anos: entre muitas novelas, foi autora de “Mulheres de areia”. Eu me lembro, eu me lembro, do par romântico Carlos Zara-Eva Wilma. Eu não me lembro, eu não me lembro, em qual novela, se na citada ou em “A Barba-Azul”, a personagem de Eva Wilma dá um tapa na cara de Zara, que rebate igualmente e diz o bordão: “Bateu... levou.”
O que me faz pensar em cenas legislativas deste Ryo Grande – mas isso é outro papo.
CRISE
Está marcada para o próximo 3 de março nova audiência da Câmara Municipal para discutir a crise na saúde pública. Representantes do Conselho Nacional de Saúde estarão presentes.
Na capital do Ryo Grande, como se sabe, a deusa Hígia cuida de outros interesses sanitários.
REDINHA
Se depender da boa música o carnaval da Redinha promete: a banda Camba se apresenta nos quatro dias (de hoje a domingo), no Largo do Buiu.
A formação atual da Camba é tão de responsa quanto esdrúxulos são a maioria dos nomes, sobrenomes e apelidos: Novo e Nida Lira, vocais; Yrahn Barreto, guitarra; Sérgio Groove, baixo; Walterklayson Monastirski, teclados; Darlan Marley, bateria; Paulírio, percussão; Gilberto Cabral, trombone; Marinho, trompete; e Yuri Dantas, sax.
CHEIRO
As camisas para o Bloco Cheiro de Alecrim já estão à venda: fale com Normando Bezerra (8854.4453) ou Chico da Fera (8856.4099).
O bloco sai hoje, 19h30, na sede do Alecrim Futebol Clube.
LUÍS
O Instituto Ludovicus, que cuida do acervo material e imaterial de Luís da Câmara Cascudo, programa para este ano a inauguração de sua casa-museu, na Junqueyra Ayres.
O terreno ao lado, que foi casa de Sérgio Severo, filho de Augusto Severo e pai do escritor Augusto Severo Neto, foi incorporado.
Palmeiras-imperiais foram ali plantadas.
VALOR
Em “Ontem” (1972) o bruxo da Junqueyra Ayres escrevia: “Em maio de 1945, comprei o ‘chalet’ onde resido. Vinte e seis anos depois, reparo que todas as despesas com a aquisição do imóvel são muito inferiores ao que recebe, mensalmente, Isabel, nossa cozinheira.”
BIBLIO
Os livros da biblioteca particular de Cascudo não voltam mais ao Memorial do Centro Histórico. Tornam ao lar, metade da ladeira.



PROSA
“Famílias felizes vislumbradas através da janela – são essas imagens que nos falam da nossa cidade”
Orhan Pamuk
Istambul
VERSO
“meus braços se alongaram e foram pontes
ligando-me, mortal, ao infinito”
Augusto Severo Neto
“Soneto de redescoberta”

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Le bal masqué

MÁSCARA
A Cesar (Revorêdo) o que é de Cesar (Revorêdo): depois de uma estréia, digamos, avassaladora, com muito qui-qui-qui na mídia, a Capitania das Artes baixou o fogo, enfrentou a concorrência desleal com a crise na saúde (municipal, estadual, nacional) e caiu na real.
Quase sumiu.
Por enquanto, bota as manguinhas de fora com o tal Carnaval Multicultural, na seqüência e conseqüência daquele homônimo iniciado por Dácio Galvão (que ninguém ainda desmentiu que vai para a outra fundação – a estadual).
A estréia oficial é hoje – ao menos enquanto “Abertura Oficial do Carnaval de Natal”.
Ângela Castro, Isaque Galvão, Khrystal, Luiz Gadelha, Mariângela Figueiredo, Rodolfo Amaral, Simona Talma, Sueldo Soaress e Valéria Oliveira – alguns dos artistas do projeto “sem perder o passo” – acompanham, logo mais, noite, o Baile de Máscaras do (Largo do) Atheneu.
Dosinho é o convidado especial.
CESTA BÁSICA
O CD “sem perder o passo” começa a ser vendido amanhã, no Carrefour.
O Nordestão, que tradicionalmente sempre valoriza os produtos da terra, bem que poderia se oferecer como mais um ponto de venda.
A Fiern – que há alguns anos inventou uma campanha-relâmpago “Compre que é daqui” – podia comprar uma centena. Pra distribuir entre os industriais gringos que nos visitam.
MARGARIDAS
Plínio Sanderson anuncia o segundo ano do Projeto CulturAplicada, do Colégio Ciências Aplicadas – a inauguração é hoje, com a exposição “Abstrações”, do artista plástico Eduardo “Dunga” Alexandre, e encenação do monólogo “Apareceu a Margarida”, com o ator João Antônio Vale e a direção de Rosana Resende.
De grátis. 19h.
POESIA
E, passado o “galvãonismo”, o mesmo Plínio, o mesmo Sanderson, dá uma mãozinha à turma da Funcarte nos preparativos para o fatídico Dia da Poesia – em março, como as águas jobinianas.
Os Poetas Elétricos será uma das atrações. Lula Queiroga, cotado inicialmente, entrou no corte dos recursos culturais, e não, não vem.
DOM
“Do infinito vale verde ao rio da água azul” é o título escolhido para a antologia que o Sebo Encarnado e Inácio Magalhães Sena, bispo de Taipu e ex-vendedor de cavaco chinês, lançam, em março, comemorando 71 anos de vida e mais um bocado de vida literária (em grande parte, do lado certo: como mestre-leitor).
Dom Inácio vale bem mais que as duas únicas obras autorais (“Agora lábios meus dizei e anunciai”, 1985, e “Memórias quase líricas de um ex-vendedor de cavaco chinês”, 2000). Ou são as duas únicas obras que valem mais que muitas bibliografias ativas que rondam por aí – quem se importa?
No primeiro livro, o homem foi ordenado bispo por uma quase multidão de bispos sagrantes (Leão, bispo de Roma; Agostinho, de Hipona; Ambrósio, de Milão; Helder Câmara, de Olinda e Recife; e, enfim, João XXIII, bispo de Roma e Sumo Pontífice).
No segundo, anotou no fim da página: “Eu sou uma invenção de mim mesmo, um analfabeto que forçando a barra se meteu no universo dos livros – o pior é que dele não saio e dele ninguém me tira. E quando tudo for apenas o passado, ficarei feliz se alguém disser: – Aquele gostou de livros!”
MADE IN BRAZIL
“Infelizmente, é assim que me encontro agora: indignada, descrente, e com vergonha de ser brasileira.” – da escritora Clotilde Tavares, que recentemente descobriu um “resíduo” do saldo devedor, junto à CEF, do financiamento da sua casa própria.
A casa de Clotilde é avaliada em cerca de R$150 mil, mais ou menos o que ela pagou ao final de 20 anos de prestações.
A Caixa diz que ela tem ainda cerca de R$ 450 mil a pagar. Não, não precisa pagar de uma vez, mas se ela optar em pagar em cem prestações o total sobe para quase R$ 900 mil.
Resultado: depois de três décadas a casa custaria aos bolsos da professora, aposentada da UFRN, mais de um milhão de reais.
Mas valeria pouco mais de 10% disso.
SEM TETO
Clotilde, claro, vai recorrer – mas está indignada com o que acontece com muitos outros mutuários: “Muitos são pessoas simples, que não conseguem entender direito os termos de um documento legal. Muitos já estão idosos quando chegam ao final do prazo de financiamento. Muitos são doentes, e têm câncer, diabetes, hipertensão, insuficiência cardíaca. Muitos são pessoas sozinhas ou com outro tipo de dificuldade. Mas todas são pessoas que acreditaram no governo, que passaram a vida – como eu também – fazendo sacrifício para honrar seus compromissos e para ter sobre a cabeça um teto que lhes garantisse a segurança na velhice.”
ERRAMOS
Email da assessoria de imprensa da Fundação Zé Augusto, enviado ontem, 9h18: “Caros colegas, na verdade, o Poticanto de logo mais [ontem], apresenta o show de Monte Neto homenageando Ronaldo Liberalino, com participação especial do irmão de Ronaldo, João Liberalino. Desculpem o transtorno e obrigada pela atenção.”
Então, tá.



PROSA
“Me levantei, tomei o báculo da loucura e a tiara da esperança e fui me lavar no Rio da Água Azul.”
Inácio Sena
Agora lábios meus...
VERSO
“Venho de tempos antigos.”
Hilda Hilst
“Venho de tempos...”

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Guerra de confetes e serpentinas

GUERRA
Cortez anuncia a descoberta de mais um poço que teria servido às tropas acampadas na Praia de Tabatinga, durante a Segunda Guerra Mundial.
Por enquanto não se tem notícia se o Iphan deste Ryo Grande, ou a Secretaria Estadual de Turismo, tenha se manifestado a respeito.
Todos mui preocupados com a demolição do Machadão.
Ou com o carnaval multicultural.
Vamos, pois, a ele.
GRAVATA
Nos novos tempos borboleteantes, sai o cocar de Raimundo Brasil, entra a cartola de Mestre Cornélio Campina. O criador do grupo Araruna, morto ano passado, deve estar se revirando no túmulo, com a “homenagem” – e com a gravata-borboleta colorida que lhe emprestou ares de palhaço.
CATITA
Tem prévia carnavalesca, hoje, a partir das 20h30, no Buraco da Catita, Ribeyra velha de guerra, de frevos e de choros.
Começa com o grupo Ribeira de Pau e Corda, seguido de Khrystal e banda.
POTICANTO
Hoje, 20h, o cantor mossoroense Monte Neto faz show em homenagem ao compositor potiguar João Liberalino, seu irmão. No TCP, Rua Jundiaí, 641. De grátis.
PRINCESS
É amanhã que a prefeita Micarla de Sousa Weber entrega a chave da cidade ao Rei Momo e sua consorte.
Durante o tradicional Baile de Máscaras no Largo do Atheneu, uma das artérias (ou veias) deste tradicionalíssimo Plano Palumbo.
Baile que será visitado pelas turmas do Burro Elétrico e do projeto “sem perder o passo”, que lança CD homônimo durante o entrudo.
As máscaras devem resistir muitos meses ainda – lá pro próximo verão dois mil e dez é que começarão a cair.
A assessoria da prefeita não informou se a mais-que-tradicional fantasia de Butterfly será adotada pela senhora.
TRATAMENTO
Por falar na prefeita, a coluna a partir de hoje não adotará mais a expressão “neo-prefeita-eleita”.
Já faz tempo, vamos trabalhar.
Nada de borboletear.
Ou não?
REPAGINAR
Aliás, na Capital Espacial do Brasil Multicultural não se fala mais nada além da repaginada no Palácio Felipe Camarão, descrita, com charm (sem “e”), elégance (acento agudo no segundo “e”) e categoria (no idioma nativo mesmo), pelo colunista Jota Oliveira, ontem.
Repaginada, como o Houaiss não sabe, é o termo usado freqüentemente pelas modelos e celebridades – por exemplo, digito no Google e encontro, entre outros resultados, este: “Gyselle saiu de casa na manhã de hoje para cuidar do visual e voltou repaginada”.
Pois, o Palácio Felipe Camarão mudou de patrão e já está definitivamente repaginado.
Tudo muito alinhado.
Das inovações, gostei muito do detalhe dos pratos, “personalizados com borboletas estampadas”.
Eu pensei que ela tinha lido, em sua mensagem anual à câmara municipal, que queria acabar com o culto à personalidade, trocando a tradicional foto oficial da prefeita com um quadrinho onde está a “missão” da empresa, digo, da atual administração.
BUFUNFA
A Fundação Zé Augusto prorrogou o término das inscrições para o prêmio Núbia Lafayete (gravação de CD): o prazo vai até o 13 de março.
Depois não reclamem da falta de grana – serão aprovados 46 projetos e um bocado de dinheiro.
ATOR, ATRIZ
Restam poucas vagas para a Escola Municipal de Teatro. O prazo final para as inscrições está previsto para a próxima semana, dia 27. Se liguem, é grátis: 3232.4949.
CONCURSO
As inscrições para o 7º concurso literário Guemanisse de contos e poesias se encerram no próximo dia 9.
Para cada categoria, a premiação será de R$ 3 mil (1º lugar), R$ 2 mil (2º), e R$ 1 mil (3º), além da publicação do texto em livro.
Confiram em www.guemanisse.com.br.
AXÉ-ROCK
Atrás do trio elétrico só não vai quem já morreu – ou quem prefere o “Palco do Rock”: há 15 anos, o projeto leva roquenroll ao coqueiral da Praia de Piatã (Bahia, claro) para quem quer fugir do carnaval tradicional.
Pois, este ano a Secretaria de Cultura da Bahia aprovou a inclusão do “Palco do Rock” no fundo estadual de cultura.
A notícia é significativa – e democrática –, vinda da terra do axé.
Durante os clássicos quatro dias, a folia fica por conta de bandas (de rock) baianas e de outros estados. Este Ryo Grande será representado exclusivamente pela AK-47.
Plebe Rude e Inocentes serão as atrações principais – mais uma internacional, a suíça Underschool Element (que toca no sábado, logo antes da banda potyguar).
ARGH
“Los Hermanos é insuportável. A banda mais chata que eu já ouvi na minha vida.” – de Rick Bonadio, produtor dos Mamonas Assassinas e, agora, do novo disco dos Titãs.



PROSA
“Perdemos o contato sentimental com a nossa mobília.”
Câmara Cascudo
O tempo e eu
VERSO
“Vamos mudar em borboleta
a pobrezinha da lagarta.”
Lêdo Ivo
“É preciso mudar...”

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Crônica de duas mortes evitadas e de uma morte-vida provinciana

Ana Maria Cascudo encontra-se mergulhada nas pesquisas sobre o Coronel Cascudo, Francisco Justino de Oliveira Cascudo (1863-1935), seu avô paterno.
A conversa é por telefone e eu comento episódio em que o espírito solidário do Cel. Cascudo salvou-lhe a vida: alguém que ele ajudara numa ocasião, anos depois o alerta para uma emboscada.
Não lembro, claro, onde li, que minha memória é das mais fracas e ralas. Mas não é difícil de achar: depois de folhear as muitas edições da série “O livro das velhas figuras” (já em seu décimo volume), volto à pesquisa inicial, “O tempo e eu” (Imprensa Universitária, 1968).
Está lá, na página 289: viajando a cavalo para Campo Grande, provavelmente no mesmo ano em que se casou com Ana Maria da Câmara Pimenta, o então mascate Francisco apeia numa casinha em Paraú pra tomar um café, esperar a chuva estiar e retomar viagem. Ali, encontra um homem de meia-idade que torcera o pé, e não podia voltar pra casa, onde o esperava a esposa doente. O burro do homem fugira, a casa ficava a mais de duas léguas, o remédio que viera buscar para a mulher tornado inútil.
Seu Francisco – que se tornaria alferes só uns quatro anos depois, em 1892 – não contou conversa:
“– Peixe Branco [o nome do cavalo] pode com os dois”.
Quase dez anos depois, o alferes, agora tenente, está em diligência pelos arredores de Acari, quando lhe aparece no meio do mato um velho, que lhe diz:
“– Seu alferes, não siga esse caminho porque naquele corte de pedras está um grupo de cangaceiros, de tocaia, esperando Vossa Senhoria. Beberam cachaça numa venda perto da minha propriedade, dizendo que hoje urubu enjoa carne de soldado. Escondi-me aqui há umas três horas para avisá-lo!”
Era o homem do pé luxado.
E não seria a única vez que o pai de Cascudo escaparia da morte. Já pai de Antonio Haroldo e Maria Octávia (os irmãos que Cascudo, Luís, praticamente não conheceria), o tenente do Batalhão de Segurança deste Ryo Grande está em sua casa, em Caicó. Já tinha comandado inúmeras patrulhas que resultaram na morte de cangaceiros, um deles o famoso Pilão-Deitado.
Pois, um sobrevivente do bando jura morte ao militar. Noite, posta-se diante da janela do condenado, e, para sua surpresa, vê quando a silhueta de Francisco Cascudo debruça-se, para voltar à mira da arma com um bebê no colo – era Maria Octávia.
O cangaceiro muda de posição, buscando o tiro certeiro, uma e várias vezes. Como o pai não se afasta da filha, o bandido desiste, não quer matar uma alma inocente. Preso pouco tempo depois, conta o episódio para o tenente, que o perdoa e o manda embora, livre. “O cangaceiro foi ser lavrador pacífico”, contaria o filho Luís, muitos anos depois, no já citado “O tempo e eu”, revelando o apelido do ex-criminoso (“Ás de Ouro”) – “Anos e anos depois, vindo a Natal, hospedava-se em nossa casa, av. Jundiaí. Meu pai era comerciante, deputado, proprietário de jornal. Ás de Ouro só o chamava ‘seu Alferes’.”
Da morte violenta escapou o pai de Cascudo, mas não da ingratidão. Quando teve que hipotecar a famosa Vila Cascudo (“nada lhe ofereceram e nada solicitou”, lembrou o filho), terminou perdendo a propriedade e empobrecendo de vez. Justo o homem que, como comerciante, contrariava a lógica do lucro a qualquer custo – com a palavra, de novo, o filho devoto: “Primeiro representante da Ford Motor em Natal, dispensava, invariavelmente, sua percentagem, barateando o carro para popularizá-lo na região. Em agosto de 1914 o querosene ‘subiu’ para 400 e 500 réis a garrafa, manobra de meia-dúzia de especuladores ávidos. Meu Pai comprou uma grande ‘partida’ abafando o monopólio. Fez o mesmo com a farinha, adquirindo-a no Maranhão e forçando ‘a baixa’.”
O mesmo dinheiro que proporcionou a Cascudo uma das melhores bibliotecas deste Ryo Grande de antão, base e esteio do seu futuro brilhante, quando veio a lhe faltar, impediu-o de partir desta província. “A pobreza de meu Pai, altiva e nobre, não me permitia abandoná-lo e viajar para o sul, ‘vencer no Rio’. Filho único, devia retribuir em assistência quanto tivera em pecúnia e carinho. Fiquei, definitivamente e sem recalques, provinciano.”
No mesmo livro, páginas 284-5, sem revelar-se explicitamente como um dos personagens, Cascudo revive o reencontro de dois velhos amigos, um que partiu, outro que ficou, através do seguinte diálogo:
“– Veja a sorte! Você é inteligente, culto, estudioso, morto-vivo na província. Eu, tão inferior, com todo esse batuque consagrador!”
“– É verdade! Mas tenho tempo de ler, à noite, nossos velhos poetas gregos e nosso antigos volumes franceses, e você, há trinta anos só lê relatórios e pareceres!...”



PROSA
“A Literatura Brasileira deve muito mais à Miséria, ao Pauperismo, que ao equilíbrio econômico.”
Câmara Cascudo
Na ronda do tempo
VERSO
“Saudade dos mortos.
Envelheço
prematuramente.”
Augusto Massi
“A mágoa de permanecer”

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

O amor em dois tempos

Enquanto isso e porque é segunda-feira, vale à pena alongar as pernas e a cervical e enfrentar a desorganização da rede Cinemark para assistir ao menos dois filmes na programação atual: “O leitor” e “O curioso caso de Benjamin Button” (este também no Moviecom).
O primeiro, denso, bem estruturado e amarrado por excelentes atuações e por uma discreta, mas eficientíssima, trilha sonora.
O segundo, uma sopinha rala que lembra outros pastiches, como “Titanic”, e coisas um pouquinho mais sérias e bem-resolvidas, como “Forrest Gump”. Épico, pois. Grandiloqüente, pois.
Cito “Titanic” não à toa: Kate Winslet, a protagonista de “O leitor”, milagrosamente sobreviveu ao poderoso esquema comercial de Hollywood, que gasta cada vez mais para produzir cada vez maiores bilheterias.
E, não só sobreviveu, como há muito se livrou do barco afundado, do abraço apertado (e brega) de Leonardo DiCaprio e da voz melosa de Céline Dion cantando uma versão gringa de uma música da deusa Marina Elali.
Além do mais, no terreiro das semelhanças, seja o filme de James Cameron seja este “Benjamin Button” se valem do artifício de colocar uma velhinha mais ou menos simpática para narrar a história e preencher os buracos do roteiro – recordar é viver, eu vivo recordando você, já cantava Perla em priscas eras.
Lovestory, claro. Chegada à velhice, ao ser humano não resta muito que chorar as pitangas de um amor juvenil.
Curiosamente, é o que fazem os protagonistas de “Button” e aqueles de “O leitor”. O Benjamin – como todo mundo sabe – nasce às avessas: velho, pra ir rejuvenescendo a cada ano. No meio do caminho encontra seu amor – no sentido bíblico: já a tinha encontrado (a bela Cate Blanchett) quando era menino mas tinha a aparência de um ancião. Daí que, amor impossível, vai ficando cada vez mais jovem enquanto a amada vai envelhecendo.
O protagonista de “O leitor” também encontra seu amor no corpo maduro de uma Kate Winslet – madura também enquanto atriz.
O resto não posso contar, sob pena de estragar o prazer do leitor, e da leitora – vocês.
Mas que vale à pena assistir os dois, isso vale. Até para efeito de comparação. Como um usa de todos os artifícios hollywoodianos para construir mais um campeão de bilheteria e prêmios Oscar, e como o outro usa de sensibilidade para emocionar e entreter – por que não? –, sem necessariamente ser “cult” ou “chato”.
*
BENJAMIN
Reparem, pois, na bela trilha sonora de “O leitor”. Sutil, discreta, envolvente.
Trilha a cargo do compositor americano Nico Muhly, 28 anos, que já trabalhou, entre outros, com Björk e Philip Glass.
BENJAMIN II
Reparem em David Kross, 18 anos apenas, e encarando à altura – o que não é pouco – Kate Winslet, 38 anos.
Kross pode até não dar pra nada no futuro, mas encarna o papel do adolescente-apaixonado-por-mulher-madura – e depois jovem universitário – como ninguém.
BENJAMIN III
Já o Brad Pitt de “Benjamim Button” – noves fora os efeitos especiais de tirar o chapéu no terreiro da verossimilhança – é uma negação.
Não à toa o rapaz termina rejuvenescendo e ficando, claro, bem pior.
CHERCHEZ LA FEMME
Reparem na inglesa Tilda Swinton (“BB”), que vale cada minuto que aparece, entre nuvens de vodka e caviar russo, desfilando seu tédio de mulher mal-casada à procura da felicidade.
Papel menor que a atriz – e o roteiro, ok – conseguem tornar grande.
HQ
E, se tiverem saco e dinheiro, vão na onda da sabida Ediouro, e comprem “O curioso caso de Benjamin Button” em versão em quadrinhos. Até para sacar onde David Fincher (o diretor da versão cinematográfica) e Nunzio DeFilippis, Christina Weir e Kevin Cornell (os responsáveis pela adaptação aos quadrinhos), divergem.
MACHADO
E se F. Scott Fitzgerald escreveu a história do homem que nasce velho pra depois rejuvenescer, conto que inspirou o filme “B. Button”, nunca é demais lembrar que o nosso Machado de Assis escreveu a história do homem que conta sua própria vida depois de morrer (“Memórias póstumas de Brás Cubas”, claro).
Pois, o sobrescrito recebeu das mãos de Manoel Onofre Jr, o libreto-guia da mostra “MACHADO DE ASSIS, Mas este capítulo não é sério”, realizada pelo Museu da Língua Portuguesa no centésimo ano da morte do escritor.
Simples, criativo, econômico (impresso em papel jornal), o libreto-guia devia servir de exemplo às Capitanias e Fundações deste Ryo Grande.
OS LEITORES
“Ler Machado de Assis jamais deveria ser uma obrigação, ler Machado de Assis é, antes de tudo, um prazer imenso, uma aventura enorme, uma satisfação sem igual, ainda que, por vezes, nós leitores sejamos levados a rir de nossas próprias misérias e desgraças.” – Antonio Carlos de Moraes Sartini, superintendente do Museu da Língua Portuguesa.



PROSA
“Mas tudo isso era antigamente, isto é, outrora.”
Drummond de Andrade
“Antigamente”
VERSO
“Sou esta vontade
doida e doída de viver”
Luís Carlos Guimarães
“Biografia”

Adivinhe quem vem para o café-da-manhã: Rodrigo Levino

[Cultura 140209 sábado]

Dizem que Rodrigo Levino está no melhor trabalho do mundo: a redação da revista Playboy, em Sampa. O primeiro lugar, claro, entendido como o melhor posto, embora inserido no segundo, bastante controverso, a tal Paulicéia Desvairada.
Pelo msn, lá vou chafurdar a vida do rapaz, que me conta do dia-a-dia: “Trabalho na Playboy, edito, escrevo reportagens, resenho livros. Moro próximo ao Largo de Pinheiros, todos os dias ouço forrozão Saia Rodada enquanto vou pra Editora Abril, a pé, menos de cem metros.”
O apartamento de Levino é no primeiro andar de um prédio da década de 70, o piso ainda de taco – o que revela como o rapaz é antenado nas questões da modernidade até mesmo antes de nascer (em Patu, Ryo Grande, 1982).
Também antenadíssimo é o entorno onde vive: mesmo que no Largo de Pinheiros – um dos bairros mais antigos de Sampa, e que andou perdendo prestígio e glamour para a tal cantada e decantada Vila Madalena –, o jornalista tem uma vizinhança exótica (segundo a escolha de sua descrição): uma loja de macumba (“morro de medo de um exu gigante que tem lá”), o Drakes (“restaurante fino do consulado britânico”), o Comida de Casa (“só com comida nordestina – prefiro”).
Eis, pois, alguns dados que a coluna gentilmente cede para um futuro biógrafo que deseje saber da vida do patuense, e, a seguir, algumas visões do aprendiz de playboy em seu primeiro ano paulicéico:


NOTAS DA CIDADE CINZA, POR RODRIGO LEVINO
SECSO
“Erva para potência sexsual (sic) e ixtreiss (sic)”, anuncia a vendinha na Cardeal Arcoverde, próximo ao Largo de Pinheiros. O dono, seu Antonio, paraibano de Picuí, oferece aos clientes um leque variado de curas, que vai desde “difrúcio” e “crista baixa”, passando por “cobra mole” e “fraquejamento nos ossos”.
COBRA
Poupei-me de saber do que se trata o mal de “cobra mole”, tendo em vista a eloqüência do enunciado.
BATATA
Do Largo de Pinheiros, que nasce no entroncamento das avenidas Pedroso de Morais com a Brigadeiro Faria Lima, pouco se sabe. O popular alcunhou “da Batata”, e assim é conhecido: Largo da Batata.
PARAÍBA
A etimologia é falha nesse aspecto. Há quem diga que o nome faz jus à forma do nariz (ou seria da cabeça?) dos milhares de nordestinos que moram e/ou trabalham nas imediações. Cabeça de batata, nariz de batata. Achatada, meio disforme, vá lá. Há ainda os que alegam que ali funcionaram no passado vários armazéns onde se comercializava o tubérculo.
FOR ALL
Arroz vermelho, feijão de corda, buchada com e sem sangue, panelada, cachaça, rapadura, fumo em rolo e que tais. De tudo há no largo, entre casas de candomblé, velas e carrancas, cabarés, botecos, igrejas, papelarias e lojas de tecido. É como se, para o bem e para o mal, o bairro do Alecrim materializasse-se milagrosamente a três centenas de metros da Marginal Pinheiros, São Paulo. Por mal, entenda-se, o volume estridente, quando não desesperador, que as lojas aplicam aos aparelhos de som onde tocam bandas de forró eletrônico. Como se vê, uma epidemia nacional.
VIDA DE SOLTEIRO
Seu Totó é taxista. Nascido em Tangará, casado com Dona Rita, de Serrinha dos Pintos. Há trint’anos faz ponto em Pinheiros, pertinho do largo. “De lá a única saudade que tenho é de quando ia daqui solteiro. Só faltava afinar e cair, digo... o negócio, sabe?”. Fecho o jornal que leio no banco de trás e, perplexo, sequer consigo comentar o fato.
BAIÃO
Não muito distante do ponto de taxi o Seu Totó, no Bar do Biu, também na Cardeal Arcoverde, a placa anuncia “O melhor baião de dois do mundo”. Pergunto: melhor que o do finado Pedro Catombo, nas beiradas do Beco da Lama? Não há quem responda.
BAGAGEM
Portanto, ainda não houve ocasião para saudade. Tenho o melhor do lugar de onde vim, todos os dias: o caos do Alecrim, feijão de corda com buchada e, caso se faça necessário, erva para curar até mal de “cobra mole”.



PROSA
“Enquanto fazemos de jacas pantufas, a consciência perde o rumo junto com o suor que encharca o corpo.”
Rodrigo Levino
Dias estranhos
VERSO
“Nós, tenebrosos vagabundos de São Paulo, te ofertamos um turíbulo para uma bacanal em espuma e fúria.”
Roberto Piva
“Ode a Fernando Pessoa”

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Sexta, 13

Vamo se ligaê, moçada! O calendário não engana: sexta, 13, é dia funesto. Não sou eu quem o diz, mas a sabedoria e superstição populares.
Daonde o troço começou? Melhor acender mais uma vela para São Cascudo, patrono e padroeiro dos colunistas sem inspiração. E a bíblia, claro, não poderia ser outra – está lá, página 760 do “Dicionário do folclore brasileiro” (Itatiaia, 1993, 7ª edição):
“Treze. Número fatídico, pressagiador de infelicidades.”
Mas, logo a seguir: “As pessoas nascidas no dia 13, por ambivalência, serão venturosas.”
É a alma humana, sempre disposta a um jeitinho.
Explicações maiores se encontram em “Superstições e costumes” (Antunes, 1958, a minha edição, com uma bela ilustração de Goeldi no frontispício – e também na sobrecapa, embora meu exemplar foi encontrado num sebo sem capa e sobrecapa, o que Mestre Bandeira, do Alto da Castanha, fez por bem prover).
“A imagem popular é que o dia 13 é o dia do contra, dia do tudo às avessas, dia do pé esquerdo”, lembra o bruxo da Junqueira Ayres, que aponta como superstição maior o hábito de se evitar 13 comensais à mesma mesa.
A origem é bíblica: na última ceia, Jesus reuniu os 12 apóstolos. O evangelho segundo Mateus (e na tradução de João Ferreira de Almeida): “E, chegada a tarde, assentou-se à mesa com os doze. E, comendo com eles, disse: Em verdade vos digo que um de vós há de trair.” Marcos: “E eles começaram a entristecer-se e a dizer-lhe um após outro: Sou eu? E outro disse: Sou eu? Mas ele, respondendo, disse-lhes: É um dos doze, que põe comigo a mão no prato.” João: “Jesus respondeu: É aquele a quem eu der o bocado molhado. E molhando o bocado, o deu a Judas Iscariotes, filho de Simão. E, após o bocado, entrou nele Satanás. Disse, pois, Jesus: O que fazes, faze-o depressa.”
Daí que leio pelo mundo virtual da blogosfera que esta semana foi um puxar e empurrar de cadeiras em torno de vastas mesas, aqui e alhures. Henrique recebeu em almoço regional. Na mesma linha, Fábio ofereceu uma buchada, não na casa de Cheiroso, mas em restaurante paraibano às margens do Lago Sul. João levantou cedinho e – imagino – serviu cuscuz, tapioca e café-com-leite pros convivas. Rosalba foi anfitriã exclusiva do antes dito sexo frágil, em ceia only for women, tudo muito rosa e pink. Enquanto os Rosados, também de Mossoró City, se dividiram entre Sandra (jantar na própria residência) e Betinho (jantar numa churrascaria curiosamente batizada de “Potência Grill”). O trio potyguar no Senado Federal, chique no último, atacou de massas italianas em restaurante sonoramente intitulado “La Focaccia” – focaccia, todo mundo sabe, é uma espécie de pão italiano semelhante à pizza. O que me faz lembrar um dito italiano, “rendere pan per focaccia”, ou seja, em sentido figurado, “rendere male per male”, ou seja – traduzindo –, pagar com a mesma moeda, ou, o mal pelo mal.
Mas isso não tem nada a ver, necessariamente, com o número 13, especialmente, à mesa. Em quase todas essas ocasiões eram muitos os convidados, todos com tempo suficiente para acordos, acordinhos e acordões.
Que, provavelmente, não resistirão aos muitos banquetes que hão de ser servidos daqui pra 2010.
*
ESTRÉIA
O Cinemark do Midway, apesar de continuar mal-tratando o público-pagante (ar condicionado desligado, poucas bilheteiras, barulho de reformas invadindo as salas), pega carona no calendário e exibe hoje “Sexta-feira 13”, cuja sinopse informa: “Grupo de pessoas quer reabrir um acampamento para crianças com deficiências. Mas eles vão encontrar pelo caminho um assassino que vai matando-os um a um.”
Terror, claro.
LA TAVOLA
Em se falando em mesa, já tem destino certo aquela famosa, comprida, da Kriterion (que – sempre bom lembrar – fecha suas portas apenas após o último volume ter sido vendido, com grandes descontos, inclusive nas raras edições).
Destino certo, mas, por pedido expresso do destinatário, solenemente não revelado.
Por temor, talvez, que os órfãos da livraria batam à porta do novo proprietário, para matar as saudades.
PEIXE GRANDE
Provavelmente o excelentíssimo presidente Lula, depois de se indispor com os tubarões da impressa, vai atacar, em terras deste Ryo Grande, peixe mais leve e saboroso: ao meio-dia de hoje visita criação de tilápias em Ceará-Mirim.
Segundo o portal do Ministério de Desenvolvimento Agrário, no assentamento potyguar os agricultores não usam mais o cartão do Bolsa-Família: a renda média das 26 famílias é de dois salários mínimos por mês.
FERRO NA BONECA
Ao contrário do anunciado ontem, aqui, o show do Iron Maiden em Recife não será 18, mas 31 de março.
COLOMBINAS
No Praia Shopping logo mais à noite tem carnaval em dose dupla: Dodora Cardoso (20h) e Lucinha Lira (22h).
TEATRO
Amanhã tem “A mar aberto”, na Casa da Ribeira, 20h.



PROSA
“O prazer da mesa não comporta arrebatamentos, nem êxtases, nem transportes, mas ganha em duração o que perde em intensidade”
Brillat-Savarin
A fisiologia do gosto
VERSO
“(Tagarela, babão, de bunda arredondada,
Peço-te, pelo menos, que não babes em minha sopa.)”
T. S. Eliot
“No Restaurante”

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Mulheres, mulheres, mulheres

RAPARIGA LOURA
O cineasta português Manoel de Oliveira recebeu esta semana a Câmera de Ouro no 59º Festival de Berlim.
Aos 100 anos, completados dezembro passado, Oliveira deve ter dois filmes com estréia este ano – um deles já em exibição em Portugal, “Singularidades de uma rapariga loura”, adaptação de um conto de Eça de Queiroz.
KENGA FUXIQUEIRA
Com shows de Khrystal, Iggor Dantas e Perfume de Gardênia, mais as madrinhas Moniquinha e Karol Posadzki, o tradicionalíssimo Baile das Kengas volta aos salões do Clube América, Tirol, nesta sexta-feira, 13.
A decoração é inspirada no fuxico, técnica artesanal que já chegou à alta-costura.
Deixe superstições e preconceitos de lado e compre sua senha pelo telefone 3211.8589.
CACHORRA DÓCIL
Continua no shopping Orla Sul a programação Domingo Animal, das 11h às 18h: não precisa trocar seu cachorro por uma criança pobre – mas pode levá-lo para passear e trocar idéias com outros proprietários de animais de estimação. Vale cão, gato, papagaio, tartaruga, coelho – enfim, o bicho é seu.
Para evitar constrangimentos, evite levar algum no cio.
MULHER CABEÇA
Se ninguém conseguiu ainda entender o que se passa na cabeça de uma mulher, a Fapern contraria o dito popular e vai além, muito além: abriu inscrições (até o 28 deste mês) para o prêmio “Mulher Cientista 2009”.
Não precisa nem ser bonita: basta que tenha feito pesquisa ou trabalho científico ou tecnológico comprovadamente importante para o desenvolvimento deste Ryo Grande.
MULHERES NO PASSO
Elas podem até não andar na linha, mas nem por isso perdem passo e rebolado: pois, espera-se que não faltem mulheres no baile de carnaval “sem perder o passo”, que tem, entre outras atrações, Valéria Oliveira, Simona Talma, Isaque Galvão e DJ Papel. No Budda Pub, dia 23, 22h.
“PIRIQUITO”
Aliás, se você ainda não comprou o CD “sem perder o passo”, ainda dá tempo antes do carnaval: Ângela Castro, Isaque Galvão, Khrystal, Lane Cardoso, Liz Rosa, Luiz Gadelha, Mariângela Figueiredo, Rodolfo Amaral, Simona Talma, Sueldo Soaress e Valéria Oliveira cantam e encantam.
“‘Piriquito’ come tudo” é uma das 16 músicas do CD. Confira algumas em www.myspace.com/semperderopasso.
DAMAS
E não é que no tal Encontro de Prefeitos em Brasília tinha uma ruma de primeiras-damas? Rolou até encontro paralelo ao principal – onde, inclusive, o presidente Lula prometeu cortar tudo que fosse despesa do governo.
Sobrou para a suposta-futura-candidata-e-recém-recauchutada Dilma Rousseff: o batom da ministra entrou na categoria dos supérfluos.
MOUCAS
Aliás, em se falando da presidenciável impossível não citar Thaisa Galvão: “No setor destinado aos prefeitos de capitais, saíram de braços dados, numa conversa de amigos de infância... a ministra Dilma Rousseff e a prefeita de Natal, Micarla de Sousa” – revelou a blogueira, acrescentando: “O que as duas conversaram... ninguém ouviu.”
Nem mesmo elas.
(Falando, agora, sério, eu me arrisco a imaginar: 1. As duas foram ao banheiro, retocar o batom antes que Lula tomasse. 2. Micarla foi logo dizendo para a ministra: “Como mulher e mãe...” No que Dona Dilma retrucou: “Como mulher e mãe do PAC...”)
PILADA E SOCADA
O restaurante Paçoca de Pilão, de Pirangi do Norte, faz 19 aninhos e festeja nesta sexta, 13, com show das bandas Vereda e Tropical.
ACASALAMENTO
E como carnaval também é cultura – aliás, multicultura –, descubro, através dos releases que vicejam por aqui, que o tal Aratu no Facho teve uma nobre inspiração: “O caranguejo aratu”, informa a assessoria, “é capaz até de subir nas árvores para se acasalar”.
Que maravilha.
Infelizmente o release não informa quantas árvores existem no “tradicional percurso” da folia, que vai da Rótula de Tabatinga até o antigo Parque dos Tubarões.
Bom, mas o bicho sai sábado que vem, às 17h.
DONZELA DE FERRO
E, por fim, metaleiros e metaleiras destas ribeyras não se esqueçam do compromisso do ano em Recife – não, não é o carnaval, mas o show do Iron Maiden (Donzela de Ferro, em inglês), dia 31 de março.



PROSA
“Quando uma mulher deixa de amar um homem esquece até que deu pra ele.”
Millôr Fernandes
Millôr definitivo
VERSO
“Ai, como tens tantos lábios!”
Nei Leandro
“Jogos florais”

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

As tartarugas, a Segunda Guerra e o turismo

De Luiz Gonzaga Cortez recebo sempre boas informações, como a que segue, na íntegra – e ainda mais ilustrada:

“Caro Mário Ivo. Você sabia que tartarugas enormes estão aparecendo nas madrugadas da praia de Tabatinga para depositar seus ovos? Pois é, elas se arrastam nas areias, depositam dezenas de ovos e retornam para o mar, quase pelo mesmo caminho. É um vai e vem diário. As marcas ficam nas areias, na maré baixa e se apagam na maré alta.
Pois bem, vendo essas marcas das tartarugas, descobri outro cacimbão do tempo da II Guerra, quando os soldados do Exército brasileiro por ali acamparam. O cacimbão fica a poucos metros do berçário das tartarugas, numa falésia e a sua descoberta foi possível pelo avanço do mar sobre o ‘pé’ do grande morro, em cujo pico está uma das torres da telefonia móvel.
O que me chama atenção é que ninguém se interessa pelos resquícios da presença de tropas acantonadas no litoral sul do RN, na época em que pensavam que os alemães invadiriam o Brasil, a partir da África, nos idos de 1942/43. Búzios e Tabatinga ficam no município de Nísia Floresta.
Bom, tirei essa foto no início do mês. O primeiro cacimbão (ou poço, como queiram) foi descoberto em outubro do ano passado (vide JH de 14.10.08, 1ª p.). A distância entre os dois cacimbões é de cerca de 800 metros. O material e o desenho são os mesmos. Esses poços não poderiam ser turisticamente explorados? Atenção, bugreiros: mostrem os poços aos turistas nos seus passeios com emoções!
Um abraço. Luiz Gonzaga Cortez.”
*
SISO
Diz o release que esta Capital Espacial terá um motivo – a mais – pra sorrir, hoje, 21h, no Hotel Pirâmide da Via Costeira: é que um certo, ou incerto, Alex Nogueira “da Rede Globo”, por aqui aportará, trazendo muitos sorrisos na bagagem.
Pra quem não sabe, como eu não sabia, vai a importante informação: Nogueira é o vencedor do concurso de piadas do Domingão do Faustão da Rede Globo de Televisão e “artista exclusivo da emissora”.
Com esse currículo, termina sendo convidado para integrar a tropa de choque (de gestão).
No mais, no menos, vamos ver se as colunas sócio-econômicas informam quem dos governadoráveis e senadoráveis esteve na platéia.
Todos rindo, claro. Uns mais, outros menos.
SUCO
Continua e vai até sábado, 14, a exposição fotográfica do shopping Cidade Jardim – o tema é um só: frutas, frutas, frutas. Mas não tem maçã, pêra e uva – o lance é tropical, daí as muitas bananas, os cajus, os mamões, os melões, as mangabas.
ADIÇÃO
É hoje que o excelentíssimo Ministério da Cultura (alguém lembra o nome do ministro que substituiu Gil?) lança o edital nacional para seleção de cem novos núcleos de exibição.
Os núcleos são chamados de Cine+Cultura e integram as ações do Programa+Cultura. Tudo assim, muito mais-mais.
Neste Ryo Grande apenas o Centro de Documentação e Comunicação Popular – CECOP – é um dos cem núcleos de exibição pioneiros (derna 2006).
VIDEOCONFERÊNCIA
Daí que o CECOP quer mais gente da terra na onda audiovisual e convida quem estiver interessado para assistir, através de videoconferência, o lançamento oficial do edital de seleção (que acontece em Brasília, durante o Encontro Nacional dos novos prefeitos e prefeitas).
Quando? Hoje, a partir das 9h. Onde? No mini-auditório do IFET (antigo CEFET, antiga ETFRN).
Já confirmaram presença, representantes de Currais Novos, Lagoa dos Velhos, Lajes Pintada, Nísia Floresta, Santa Cruz e São José de Mipibú. Cadê o seu município?
CESTA BÁSICA
Cada um dos cem novos núcleos de exibição receberá um pacote completo: 01 tela para projeção; 01 projetor de vídeo; 01 aparelho leitor de DVD; 01 mesa de som de 4 canais; 04 caixas não amplificadas; 01 amplificador; 02 microfones sem fio; 01 filmadora digital Mini DV; e 01 acervo de filmes nacionais.
SEGURANÇA
O primeiro email da neo-vereadora-eleita Sargento Mary Regina a gente não esquece. Daí que a coluna faz questão de oficializar: pois, recebemos, sob o título “Bloco Tô Seguro percorre as ruas do Alecrim neste sábado”, o seguinte:
“Neste sábado a Associação de Subtenentes e Sargentos e a Associação de Cabos e Soldados da Policia Militar promovem a quarta edição da troça carnavalesca ‘Tô Seguro’. A concentração será partir das 15h em frente ao Clube Tiradentes, de onde o bloco sairá ao som de uma Orquestra de Metais pelas ruas do bairro do Alecrim. O encerramento da folia será na sede do Clube, localizada na Avenida Presidente Bandeira, 1158, com a animação da banda Última Hora e sorteio de brindes.”
As camisas custam R$ 10. Ligue para 8719.8601 ou 8832.0702 e reserve a sua.
Vamos rezar pra que não haja nenhum roubo, furto, ladroagem, espojo, subtração, durante a folia. Senão, estamos perdidos, mesmo.
APOIO
Nestes dias difíceis, mas não impossíveis, o juiz Magnus Delgado pode ter uma certeza: tem a solidariedade, as orações e o apoio incondicional de seus inúmeros amigos.



PROSA
“Todos que nascem têm dupla cidadania, no reino dos sãos e no reino dos doentes.”
Susan Sontag
Doença como metáfora
VERSO
“A vida é sonho e como um sonho passa...”
Auta de Souza
“Ao meu bom anjo”

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Os pernas-de-pau e as pernas de pau

Uau, uau, uau!
Não é invenção, mas realidade (que, como se sabe, supera qualquer ficção): na vida, como na Festa da Carne, ou na esquina da Ulysses Caldas, não basta ser ou ter perna de pau, é preciso formação técnica para o cargo.
E – boa notícia – já existem oficinas para isso.
Ao menos durante os dias que antecedem os festejos do Rei na cidade deles: é que a Tropa Trupe Companhia de Artes vai participar, pelo segundo ano consecutivo, do Carnaval Multicultural de Natal com o Bloco dos Pernas de Pau.
Daí que, para ninguém fazer feio na folia, a Tropa Trupe oferece oficinas de técnica em perna de pau todas segundas e quartas de fevereiro, a partir das 15h, no seu Circo (localizado entre os campos de futebol da UFRN).
A população, já bastante acostumada a equilibrar-se sobre duas pernas normalmente bambas, pode participar, claro – mas desconfio que o público-alvo pode bem ser outro. Vereadores, deputados, senadores, prefeitos, secretários, cargos comissionados, enfim, candidatos ou re-candidatos, podem se inscrever. E o que é melhor: não precisam nem solicitar auxílio-qualquer-coisa: as oficinas são grátis.
Passado o Carnaval, há de servir a qualquer coisa o aprendizado.
INTRÉPIDA TRUPE
Já a mesma companhia programa para o próximo 6 de março, no Circo Tropa Trupe, a estréia do espetáculo “O Tempo”.
Com personagens-símbolos como o Palhaço Einstein (Espaço/Tempo), os Siameses Malabaristas (Tempo de Sincronia), o Caçador (Tempo de Declínio), o Prisioneiro e os Carrascos (Aprisiona-Tempo), o Astronauta (Fora de Tempo), as Formigas Operárias (Tempo de Disciplina) e – tchã-tchã-tchã-tchãn – a Borboleta (Tempo de Transformação).
O que rende uma boa metáfora para os governadoráveis e a trupe do Carnaval Multipolítico de 2010 – os Siameses Malabaristas, por exemplo, poderia ser a dupla Rosalba-Zé Agripino; o trio ternura Iberê-Robinson-João Maia podiam tabular as pesquisas para decidir quem será o Prisioneiro, quem os Carrascos; Carlos Eduardo Alves poderia escolher entre a figura do Caçador e a do Astronauta (esta, numa briga com Fátima Bezerra); as Formigas Operárias, claro, seriam capitaneadas por Augusto Carlos Viveiros; e a Borboleta, bem, a Borboleta é já a Borboleta.
Essa fantasia ninguém tasca dela.
*
RIBEYRA INDIE
Ainda em tempos carnavalescos, a Banda Independente da Ribeira faz sua prévia nesta sexta-feira, 13, a partir das 18h.
OPÇÕES
“Não reclame da falta de opções, prestigie.” – do incansável produtor cultural Zé Dias, que já deu seu start para um projeto que apresenta, no Praia Shopping, até o dia 25, o melhor docarnaval brasileiro: Braguinha, Capiba, Carmen Miranda, Emilinha Borba, Francisco Alves, Lamartine Babo, Orlando Silva e outros ícones musicais interpretados pelos ícones locais.
Hoje, por exemplo, tem Michelle Lima e as marchinhas dos anos 40.
FIM
Enquanto isso, a Kriterion, sebo e livraria do mercado de Petrópolis, anuncia, mais uma vez, o fechamento de suas portas. “Foram seis anos de lutas, inglórios, inúteis”, comentou Jairo Lima a um dos poucos clientes fiéis, o poeta Lívio Oliveira.
FASES
Continua no Orla Sul e vai até o 28 de fevereiro, a exposição “As múltiplas fases de Alberto Guiliani”, do artista italiano radicado nesta Cidade de Dunas e Borboletas.
FOTO
Começa dia 28 de fevereiro – e segue durante oito sábados (manhã ou tarde) – o curso “Noções de fotojornalismo”, ministrado pelos profissionais João Maria Alves e Marcus Ottoni.
Informe-se ligando: 9409.9188 e 9618.1315.
PRÉ
Começa dia 2 de março o cursinho pré-vestibular do DCE da Ufrn, com aulas à tarde e à noite. Mais informações pelo 3215.3325.
ROMANCE
Boa, excelente, a notícia divulgada semana passada sobre a pensão vitalícia para Dona Militana, rainha do Romanceiro Popular, gênero que remonta aos primeiros tempos da literatura ibérica.
Iniciativa e responsabilidade do prefeito de São Gonçalo do Amarante, Jaime Calado, que além da pensão prometeu a gravação de todos os romances ainda preservados na memória de Militana.
Resta a pergunta: e depois de Dona Militana vem quem?
CAPITÃO DE OURO
Mais um livro, mais um lançamento na City: na livraria do Midway, às 19h de hoje, o médico piauiense Belmir Lopes autografa a saga do seu pai, Filomeno Lopes, que, como militar do Exército, chegou a patrulhar a praia de Ponta Negra durante a Segunda Guerra Mundial.
CASTILHO
“Eu sou um menino mesmo, as tartarugas que nasceram no ano em que nasci nem menstruaram ainda.” – de Carlos Castilho, citado pelo jornalista Leo Sodré em seu blog Espaço Aberto (www.becopress.blogspot.com).



PROSA
“Eu, que já amei estar no meio da multidão, gente suada, pulando e gritando, hoje vejo mais de seis pessoas no mesmo lado da calçada e sinto falta de ar e palpitação.”
Ivan Lessa
O luar e a rainha
VERSO
“das feridas desta terra não brotará uma flor, nem água, ou mesmo pus.”
Theo G. Alves
“da terra, dos mortos...”

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Adivinhe quem vem para o café-da-manhã: Laélio Ferreira de Melo

Finda aqui o artigo de Laélio Ferreira de Melo sobre livro que virá, provavelmente no próximo 10 de março, aniversário de 114 anos do nascimento de “O príncipe plebeu”, como alcunha a biografia de Othoniel escrita por Cláudio Galvão.
E como no preâmbulo anterior a coluna tinha citado alguns fragmentos de “Sertão de espinho e de flor”, seguem outros:
“O curral enche-se, à cunha./ Um touro preto desunha, / escarvando no tauá. / A três rivais tomou contas: / levou-os, nos chuços das pontas, / desde os mourões ao jucá. // Dois cavalos bons-de-gado/ esperam, de cada lado/ da porteira, a sapatear, / o olho em brasa, a orelha fita... / – Acunha o azeitão! –, é a grita. / O monstro “espirra”, a espumar... // Com poucos metros de perda, / um à direita, outro à esquerda, / erguendo golfões de pó, / os dois centauros avançam. / Um minuto... dois... alcançam! / – vão no mesmo mocotó!”
Bons tempos em que as vaquejadas inspiravam versos assim – e não o assado dos forrós elétricos de hoje.


O PRÍNCIPE PLEBEU E EU (e II)
Augusto Carlos Galvão, pai de Cláudio, foi colega estimado, contemporâneo de Othoniel na Parnamirim Field dos tempos de guerra, onde, por sinal, o conheci antes de conhecer o filho – eu de calças curtas (tinha uns cinco anos, por aí) –, na inauguração, na própria base aérea, da fábrica de Coca-Cola dos galegos, a primeira da América Latina. “Seu” Galvão, soube depois, amigo e auxiliar de Juvenal Lamartine, calvagara ao lado de um curumiaçu do poderoso abaeté sertanejo, protegendo e ensinando coisas simples e definitivas ao rapazola magro e feioso, o fim-de-rama do Presidente do Estado e da primeira-dama, Dona Silvina. O menino desngonçado seria, depois, um dos grandes nomes da literatura da Potiguarânia: Oswaldo Lamartine de Faria.
Era, Oswaldo, um daqueles jovens da geração brilhante de Aderbal Morelli, Deífilo Gurgel, Lenine Pinto, Newton Navarro, Walflan de Queiroz, Helen Ingersol, João Batista Pinto, Miriam Coeli, Celso da Silveira, João Meira Lima, Gilberto Avelino, Moacyr de Góes e outros tantos que, quase todos os dias, uns mais, outros menos, sob o pálio do olhar acolhedor e o do sorriso brando de Maria de Othoniel – minha Mãe! –, circundavam o Poeta. Na casinha modesta, apertados, jungidos nas poltronas gastas, sentiam-lhe a largueza da inteligência, a abastança da erudição, a sinceridade do conselho, o equilíbrio da opinião. Esses “meninos” (era como os chamava) nunca levaram em conta a propalada casmurrice do chorão dos versos da “Praieira”, mentira grossa, cavilosa ficção, largamente espalhada, difundida no Grande Ponto e alhures, por meia dúzia de desafetos do Poeta – que não lhes perdoava a mediocridade, a matreirice, a desonestidade, a pose de “sapientíssimos” sandeus, desastrados fuãos, baitas perus de papo inflado, a arrebentar de vento, “rodando nos terreiros, arrotando redundância, o dia inteiro...”
Além dos “meninos” acima – todos vitoriosos mais tarde –, por outro lado (o Diabo atenta!), aparecia lá por casa, pululava em algumas temporadas, toda uma fauna de “literatos” das mais variadas nuances, calibres e setores. Dessa outra clientela de Othoniel, os mais renitentes, chatíssimos, eram os poetas medíocres, os de pé-quebrado. Irritavam meu Pai, indagando sobre coisas de metrificação. Caras-lisas, azucrinavam para lá da conta, pedindo remendo e remédio para sonetos, sextilhas, quadras, odes, matinas, madrigais, epopéias, longos poemas modernistas. Alguns outros, mais conservadores, mais emproados, declamavam, solenemente impostados, suas babaquices – uma porra-louquice total! Quase todos eram despachados, também solenemente, para outros azimutes, outros rumos, várias paróquias ou cantões. A indicação mais comum para essa clientela era a de estudar muito, ler bons autores e não retornar tão cedo ao endereço do editorialista do jornal “A Liberdade”. Já para os que tinham terminado os cursos do Atheneu Norte-rio-grandense, a receita do meu velho prescrevia um diploma de Direito na faculdade de Maceió – que não exigia freqüência e era jocosamente conhecida, à época, como a “Ponte da Aliança” (onde todo mundo passa!).
Ainda bem que, para a tranqüilidade do Príncipe da Rua das Laranjeiras, naqueles tempos idos, priscas eras, sequer tinham inventado – graças todas, hosanas mil aos Céus todos! – o poema-processo, os possessos e enfumaçados vates performáticos e os cordelistas “de bancada”...
Decorridos quarenta anos da sua viagem para o Azul, eu só queria adivinhar, se vivo fosse, quais seriam os conselhos e quais as receitas de Othoniel para, pelo menos, um jacá cheio (umas duas dezenas de unidades) de certos “intelectuais conterrâneos” (arre égua!). Alguns deles, por sinal – não fosse um aloprado esporro do Secretário de Segurança da época, um futuro general, filho de poeta –, tentaram, à moda nazi-fascista, queimar seus livros na Cidade Alta (os de Cascudo, também), taxando-o de “ultrapassado” e desimportante. Besteira minha, devaneio meu. Bobagem, bobeira, coisa besta, presunção, pabulagem, tolice, firula, fanfarrice: a águia não caça moscas, um espírito superior como ele foi – e é – não se ocuparia de coisas menores (“aquila non captat muscas”)...! [Laélio Ferreira de Melo]



PROSA
“Aos que ainda levam a sério a literatura, sirva-lhes de encarmento, para se corrigirem da pertinácia sedentária, o exemplo de Ferreira Itajubá.”
Othoniel Menezes
Revista da ANL No. 8
VERSO
“– Para viver de amor basta a saudade!”
Othoniel Menezes
“Viver de amor”

sábado, 7 de fevereiro de 2009

Adivinhe quem vem para o café-da-manhã: Laélio Ferreira de Melo

Datando o local da escrita em “Pirambúzios-Nísia Floresta (antiga Vila de Papari), Janeiro de 2009”, Laélio Ferreira de Melo nos concede sua visão privilegiada da vida de Othoniel Menezes, seu pai, no texto que segue, prenúncio de livro que virá, em breve, a enriquecer a incipiente vida cultural deste Ryo Grande.
Por ser muito extenso – e necessário – dividimos o artigo em duas partes, a segunda, a ser publicada na próxima segunda, 9.
Aproveito, pois, o espaço que avança, para publicar aqui alguns fragmentos do “Sertão de espinho e de flor”, obra-maior do poeta Othoniel:
“Tresmalha, o gado. É preciso/ trazê-lo, de novo, ao piso/ da pastagem de criação./ No “Sombrio”, a légua-e-meia,/ é vaqueiro que enxameia./ Vai fazer-se a apartação. // Janelas e portas, sujas/ de riscos e garatujas,/ monogramas e sinais;/ a fogo, acima, outras “marcas”:/ – são “ferros” de patriarcas,/ que não prevalecem mais.// Baié traça uma, na areia./ – É de Antão das Zangareia!,/ explica Inácio Gogó./– Num tá veno o S, cortado,/ embora munto apagado?/ – Rebêra do Seridó!”
Em poucos versos, o padrão, a explicação, da tradição de marcar o gado, a ferro e fogo, com a marca do proprietário – design que muito designer formado nas hoje ditas Artes Visuais gostaria de possuir.


O PRÍNCIPE PLEBEU E EU (I)
Feliz, primoroso, o nome deste livro: “Príncipe Plebeu”.
O biografado – fidalgo erudito e probo, senhor de rimas e de bom pensar, sempre foi o cavaleiro andante do meu sonhar; o plebeu sem gleba, sem metal de valia na coçada bolsa, continua o meu ídolo, foi meu melhor amigo, meu bom camarada; aquele xaria mediano e formoso da Rua das Laranjeiras (quanta mansidão nos olhos claros!) era e seguirá sendo, sempre, o meu Príncipe e meu Pai. Othoniel Menezes (de Melo) chamava-me de “Lelinho”. Fui caçula mimado, o benjamim, um dos dois temporãos que Maria da Conceição, quase aos quarenta anos, lhe dera, um atrás do outro, nos últimos dois anos dos conturbados anos 30. Dos filhos todos, o único canguleiro fui, parido numa casinha pequenina da Rua Ferreira Chaves, na velha Ribeira de tanta guerra, a poucos passos do “Potengi amado” e do Cais da Tavares de Lira.
Claudio Galvão, na sua faina metódica de fino artífice, pesquisador meticuloso – cujo talento já nos deu, entre outras tantas obras importantes, uma definitiva história da Modinha Norte-rio-grandense –, mais uma vez honra, ilustra, provoca e revigora o hoje combalido e cinzento panorama das letras deste nosso não muito leal rincão de Ferreira Itajubá, de Jorge Fernandes, de Esmeraldo Homem de Siqueira.
Professor, biógrafo, musicólogo, trabalhador incansável, mourejando sempre ao largo das patotas dos silogeus, das igrejinhas das calçadas dos cafés, avesso aos bares enfumaçados e ao burburinho das livrarias modernosas, Cláudio, anos a fio, vem estudando a vida e a obra do meu Príncipe Poeta.
Em 1989, produto de laboriosa investigação em jornais de 1923, organizou, anotou e publicou, pela editora Clima, do saudoso Carlos Lima, “Ara de Fogo, Abysmos, Esparsos”, com apresentação do meu tio Francisco Menezes. Em 1995, ano do centenário de nascimento do autor de “Gérmen”, Cláudio prefaciou, anotou e fez publicar, numa edição fac-similar, pela editora da UFRN, na Coleção Humanas Letras, “A Cidade Perdida, Desenho Animado e Esparsos” – livro inédito, do meu acervo pessoal, herdado do Poeta. No mesmo ano, ainda pela Universidade, lançou o “Cancioneiro de Othoniel Menezes”, um excelente song book das modinhas do celebrado boêmio de “Alice”, “Viver de Amor”, “Sereia” e outras canções seresteiras das primeiras décadas do século passado.
Claúdio Augusto Pinto Galvão é, ainda, mais recentemente, responsável pelo prefácio à 2ª. Edição do “Sertão de Espinho e de Flor” e dos registros cronológicos da vida do bardo natalense, trabalhos esses que, além do referido “Cancioneiro”, foram incluídos nas “Obras Completas”, por mim selecionadas, revistas e anotadas, com a coordenação e o apoio preciosos – e assaz pacientes, digo eu, por justiça, no ensejo! – da muito proficiente e dedicada Professora Isaura Rosado.
Há mais de 30 anos, dialogo com o velho amigo sobre Othoniel Menezes. Nas quadras mais despreocupadas, boêmias, as cavaqueiras corriam invariavelmente amparadas por taças de bons vinhos chilenos, fulvos, na minha casa, no então distante e incipiente bairro da Potilândia, onde éramos vizinhos. Essas conferências semanais recebiam, uma vez ou outra, a vigilância amena e muito discreta de Maílde Pinto, a eterna musa desse meu antigo companheiro de bancos escolares no curso de Dona Beatriz Cortês, preparatório para os exames de admissão no centenário Atheneu. [Laélio Ferreira de Melo]



PROSA
“seguramente o último dos grandes poetas que tinham no zelo pela palavra uma postura de crente”
Tarcísio Gurgel
Informação da literatura...
VERSO
“Quando eu morrer, palpitará, disperso,
talvez, algum pesar, pela cidade...”
Othoniel Menezes
“Viver de amor”

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Jessé Cavalcanti, o galante dentista

Com o título acima, escrevia Willian Vieira, colunista da Folha de São Paulo, o obituário do meu pai. Foi publicado na mesma Folha, em 18 de fevereiro. Segue:

Difícil achar um dentista mais espirituoso e sedutor em Natal do que Jessé Dantas Cavalcanti. Ele arrancava dos pacientes o medo – e em seguida, claro, os dentes –, com piadas e gracejos galantes. Mas costumava se defender do epíteto: “engraçado é palhaço. Eu sou é gracioso.”
Nasceu em Ceará-Mirim, terra de engenhos de açúcar e da família Cavalcanti. Brincava sempre que “Cavalcanti com t e ti era diferente de Cavalcanti com t e te”, pois só os primeiros eram a nata da nobreza local.
Mas sua família não era rica, ele logo ficou órfão de pai e, aos 5 anos, virou o “homem da família”, pretenso arrimo para a mãe e as quatro irmãs. Teve que se virar e serviu no Exército durante a Segunda Guerra. Mas, como assistente de veterinário, dizia que “ficara nas dunas bebendo cachaça” enquanto o combate acabava.
Estudou odontologia no Ceará e veio abrir seu consultório em Natal, onde foi dos primeiros professores da faculdade de odontologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e fundador da Academia de Odontologia do Estado. Foi ainda chefe de gabinete da reitoria.Dizem os filhos que era um galanteador nato, que “seduzia as mulheres, de todas as idades, de todas as belezas, apenas para vê-las sorrir”. Aposentado, costumava freqüentar missas e ler – preferia a literatura de Thomas Mann. Mas uma doença rara lhe tirou a visão e com ela o antigo prazer.
Deixou quatro filhos, sete netos e a viúva Crinaura. Morreu no dia 6, de falência múltipla dos órgãos, aos 86.


A missa do primeiro ano do seu falecimento será hoje, às 16h, no Espaço Solidário de Mãe Luíza, espaço criado pelo padre Sabino Gentili para abrigar dezenas de idosos que não têm onde morar, e mais uma centena, para atividades diárias.
Sabino recusava-se usar o termo “abrigo”, que lembrava depósito, asilo.
Há anos, meu pai visitava o Espaço, fazendo jus ao seu título, e comemorando lá, às vezes seu aniversário, às vezes o Natal, ou outra festa religiosa.
De todas as muitas necessidades do Espaço Solidário, me recordo que Sabino sempre alertou para o uso intenso de fraldas geriátricas.
Assim, quem desejar pode sempre ir ao local – hoje, amanhã, depois, sempre –, na Rua Largo do Farol, sem número, e fazer um gesto de solidariedade.
*
PROSPECTIVA
121 anos, hoje, do nascimento de Joaquim Ignácio de Carvalho Filho, natural de Martins, onde encerrou a vida pública como prefeito. Foi também deputado estadual, senador, vice-presidente do Estado (no governo Juvenal Lamartine), e prefeito de Natal, durante o Estado Novo.
Em 1976, Vingt-Un Rosado reuniu seus discursos parlamentares e colaborações na imprensa – onde abordava muitos dos problemas econômicos deste Elefante sem Memória – no livro “O Rio Grande do Norte em visão prospectiva”.
Foi publicado, então, pela Zé Augusto, no tempo em que a Fundação publicava livros.
SUBMUNDO
“Ganha quem tem mais força, poder e falta de caráter.” – da blogueira Thaisa Galvão, sobre matéria veiculada pelo Sbt nacional (TV Ponta Negra local) onde Ponta Negra (a praia, não a TV, claro) era vista como o “submundo do paraíso”, e que faria supostamente parte de uma estratégia para tirar a Cidade – das Dunas e do seu Estádio Fabuloso – do páreo da Copa.
E prossegue, antecipando a provável derrota deste Arraial de Dunas do Barato: “Nunca vai sair na frente quem tiver melhor projeto, melhor estrutura, melhor cidade. É bom que a gente já se conscientize disso.”
Então.
PERDAS & GANHOS
Já está na Praia de Pipa, recarregando as baterias, o professor-doutor Marcos Bulhões, que deve deixar a Ufrn e partir, até maio, para a Usp, onde foi aprovado em concurso. Na banca só gente da pesada, a começar do presidente, Antônio Araújo (Teatro da Vertigem).
Como tudo na vida, perdem uns, ganham outros – infelizmente, desta feita, perdeu a cinqüentenária universidade deste Ryo Grande federal.
Por outro lado, na contramão, chega à Ufrn, semana que vem, a professora-performer Naira Ciotti, do curso Comunicação e Artes do Corpo, Puc-SP.
MAC GYVER
Depois de entrar pelo cano e descer ao fundo do poço, a neo-prefeita-eleita segue feito uma Indiana Jones pela Cidade das Dunas – terminaria hoje seu périplo hospitalar, iniciado ant’ontem, quando acompanhou o mutirão de cirurgias e deitou os olhos no atendimento médico.
Mas ficou tão abalada com o que viu que, ontem, teve um piripaque e foi bater no hospital – no Walfredo? pergunta o leitor incauto. Não, na Casa de Saúde São Lucas.
Espera-se, para logo, novas aventuras: talvez, como professora da rede municipal de ensino.
MEMÓRIA
O último político que saiu posando de super-homem foi Collor de Mello. Ridículo.



PROSA
“Mas, não, a morte, essa viagem sem viajante, estava a dar-nos destino.”
Mia Couto
Um rio chamado...
VERSO
“ninguém dirá:
não morras –
hoje não.”
Theo G. Alves
“instruções para...”

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Natal devastada

Ômi, querem saber? Destruam logo tudo. Botem abaixo não apenas o Centro Administrativo e o Machadão e o Machadinho. Aproveitem e venham deitando por terra tudo que se levante a dois palmos do chão na direção do Atlântico. Uma turma vem pela Salgado Filho em direção à Hermes da Fonseca, outra vem pela Romualdo Galvão, uma terceira pela Prudente de Morais.
A que vem pela Romualdo há de vir mais ligeira, que agora a Prefeitura Butterfly acabou com o estacionamento ao longo do meio-fio, no que obrou muito bem – e o digo com todo louvor, respeito, seriedade e espírito cívico. Ali, vejamos, não tem muita coisa pra botar abaixo, não. Pra provar que falo sério e desprovido de outros interesses, podem começar pelo Villaggio di Roma, onde tenho até um apartamentozinho que pretendia deixar paras as meninas, mas, sacrifico a herança em nome do progresso. Na seqüência, derrubem as duas concessionárias de automóveis, um colégio que dizem ser da elite, e, lá pra frente, a clínica psiquiátrica do meu ex-professor Severino Lopes e a TV Tropical de Zé Agripino e Jânio Vidal.
Na Salgado Filho tem mais coisa boa de se derrubar: a começar por aquela caixa de biscoito rococó-moderno que é um templo evangélico ou coisa que o valha. Depois, a Fiern, onde, dizem, reina nossa brava indústria de pães, bolachas e pirulitos; pegando pelas esquerdas, o Portugal Center (que nos traz a duvidosa lembrança dos antigos colonizadores deste quinhão de terra), mais concessionárias de automóveis (ô terra pra se vender carro!), um supermercado, a Faculdade de Odontologia (já bastante deturpada, ofendida e vilipendiada por aquela grade horrorosa); e, quando a avenida se transforma na velha 15, o Bar do Expedicionário (pena, mas estão todos mortos ou quase) e, maravilha das maravilhas, o Midway Mall.
Não se esqueçam de derrubar este último com um monte de gente dentro, pra economizar no processo. A Etfrn, nem se fala, o Walfredo Gurgel – viva! acaba-se, enfim, um problemão medonho –, a Caern, o 16 RI, o Museu Câmara Cascudo, a Aabb, o escritório de Diógenes da Cunha Lima (desculpa Diógenes, é necessário), a Escola Doméstica, e por aí vai: o estádio Juvenal Lamartine, o edifício de nome mais bonito – o Étoile –, o mercado de Petrópolis, enfim, esses troços todos que só atravancam o progresso e os interesses de nossas bravas construtoras.
Quando chegarem na pancada do mar, nem se preocupem: já tá tudo caindo aos pedaços, mesmo, basta uma empurradinha pra depois do calçadão – já destruído.
Depois, é só virar os bulldozers na direção oposta ao epicentro, ou seja, Machadão-Machadinho-Centro Administrativo.
*
DESOLAÇÃO
Deve de ter algo muito errado numa terra capaz de lotar não apenas um mas dois vôos charters para as Oropa, durante a Semana Santa, e não lotar o bravo Café-Salão de Nalva Melo, no velho Edifício Bila, uns dos primeiros da City, época em que se contavam nos dedos duma mão os arranha-céus potyguares (incluindo na conta o Forte dos Reis Magos, arranhando o horizonte de recifes, convidando para passeios ultramarinos).
Inda mais em noite como a de ant’ontem, quando eram duas as ocasiões festejadas: o lançamento de mais uma iluminura da Flor do Sal, e a reforma do próprio salão, pelas quatro mãos competentes de Nilberto Gomes e Manú Albuquerque.
REFORMA FLEX
Em se falando em salão, a reforma tem alguns destaques visuais: um móbile feminino de Flávio Freitas, e um mural cheio de possibilidades de Marcelus Bob.
Mais: parte do balcão é agora duplo – possibilitando tertúlias dos dois lados.
Já o banheiro – onde as coisas acontecem – tornou-se único.
Tudo muito assim, digamos, bicombustível.
PRATICIDADE
Em se falando do lançamento do livro de Theo G. Alves, “pequeno manual prático de coisas inúteis”, poucos e bons, como dizem as colunas chiques, fizeram-se presente. Quem não foi levou falta. E cumpre-se registrar a presença de um Facínora de boa estirpe e tradição, como nos melhores saloons do velho oeste. E, claro, a participação especial de Julinha Arruda, única representante da classe política papa-jerimum. (Arrume um altar, um santo, uma reza, que eles aparecem; lance um livro, um opúsculo, um panfleto, que eles somem.)
HERODES
É do pequeno grande manual os versos: “a cidade/ avança violentamente/ sobre nossas casas”. E estes: “a cidade/ devora casas e engole/ crianças em desaviso”.
SUNSHINE
O quase tradicional Pôr-do-Sol no Putigy (leia-se Iate Clube) tem hoje uma animação danada: a banda Antigos Carnavais faz seu último ensaio geral antes de sair às ruas amanhã – sem cordão de isolamento e sem hits comerciais. A partir das cinco da tarde.
FREE
Quem for rangar no Orla Sul (17 restaurantes na praça de alimentação) não paga mais pelo estacionamento – mas, atenção, só no período das 11h30 às 14h e o almoço não é grátis.



PROSA
“Queria encontrá-la como a deixei menino. Egoisticamente, queria a mesma cidade da minha infância.”
Manuel Bandeira
Crônicas da província...
VERSO
“Vou revelar-te o que é medo num punhado de pó.”
T. S. Eliot
“A terra desolada”

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Ou coisa assim

Conheci domingo passado Carlos Castilho. Assim, sem vírgulas mesmo. No alpendre da casa da Redinha de Rejane e Vicente, o mar azulando às minhas costas, o Forte dos Reis Magos embranquecendo à minha direita sob nuvens plúmbeas, o tempo indeciso em chover ou fazer sol.
E a mesa farta de amigos – que não se cansam de falar mal de mim (esses são os verdadeiros, claro, os falsos são aqueles que nos elogiam) –, de quitutes, de acepipes, de álcool engarrafado e frutas frescas.
Não me perguntem quem é Carlos Castilho. Não quis saber muito mais dele, depois do currículo que inclui porres com Newton Navarro e Luís Carlos Guimarães. Entre outros. Acrescente-se um detalhe importantíssimo: Castilho anda pra lá e pra cá com um capacete encarnado de motociclista, marca Taurus. E luvas de motociclista azuis. E uma chave de moto pendurada na gola da camisa.
Não tem moto, o Castilho. Antes: detesta o veículo de duas rodas.
Mas, sai assim vestido, e quem o vê semi-borracho logo se preocupa: “Mas o senhor vai sair assim, de moto? É perigoso”. Ele finge refutar, as pessoas insistem, e ele, dando-se por vencido, sai a pé, abandonando a moto inexistente no bar.
Só larga os trajes de motociclista quando do carnaval: se veste de mórmon, com o detalhe insuperável da caneta Bic no bolso da camisa imaculada.
Tem outra mania, o Castilho: acorda a madrugada insone e se posta diante da TV para assistir as versões brazucas de Herbert Richers, dublagens de filmes americanos. Castilho desconfia que os tradutores e dubladores acentuem ainda mais o absurdo dos diálogos. Anotei dois:
“– A senhorita Ana é jovem, bonita e inteligente.
– Mas atrai encrencas como um imã...”
O outro:
“– Aceita uma bebida ou coisa assim?
– Não bebo.
– Muito bem. Seu fígado será enterrado com honras de herói.”
E lá se vai o Castilho, com a chave dependurada no pescoço, as luvas azuis cobrindo as mãos, numa delas o capacete Taurus, vermelho, balançando, balançando, a cabeça cheia de idéias e histórias para contar.
Nós, claro, imploramos: “Não, Castilho, deixa a moto, é perigoso...”
*
ANIMAÇÃO
O Leão de Ouro pelo conjunto da obra do Festival de Veneza deste ano já tem dono: John Lasseter, diretor de animações como “Toy story” e “Vida de inseto”, e produtor executivo de “Procurando Nemo” e “Ratatouille”, entre outros.
“Toy story 3” já está em fase de pré-produção, com estréia prevista para 2010.
ANIMAÇÃO II
“O corajoso ratinho Despereaux” – em cartaz nas duas redes locais – é um bom programa para os filhos e os pais dos filhos. Exótico, marginal palatável, o ratinho foge da manada, ou da ratarada: não tem medo de gente e prefere ler livros a simplesmente roê-los.
Ao contrário de algumas figuras do Arraial.
DIOR PUNK
“The life and times of Christian Dior” é o musical que Malcom McLaren está montando na Broadway.
Pra quem não lembra, McLaren foi produtor da banda punk Sex Pistols. E marido da estilista Vivienne Westwood (que há um ano veio aos Tristes Trópicos lançar umas sandálias para a Melissa).
MORTE TARDIA
“Percebi outro dia:/ Se eu morresse, ninguém diria/ ‘Que pena! Tão jovem, tão cheio de/ promessas, de profundidade inacessível!’/ Em vez disso, um encolher de ombros e olhos sem lágrimas/ vão receber minha morte tardia” – poema inédito, publicado no The New York Times, do escritor norte-americano John Updike, morto semana passada.
ARAÚJO
“Eu pensava que o romance Ojuara era um nome inédito, pioneiro, criado pelo grande escritor caicoense Nei Leandro de Castro. O romance virou filme, não foi? Pois bem, eu vinha de Juazeiro-CE e entrei em Brejo Santo, terra famosa nos anos 70/80 do século passado, e parei quando vi uma placa publicitária: Café Ojuara – O melhor da Região. Fiquei surpreso. Desci do carro 4x4, uma Safira, pedi a Chiquinho um tempo para comprar dois pacotes do café moído. Pedi dois pacotes, paguei e perguntei: ‘Amigo, há quanto tempo existe esse café por aqui?’. O cara olhou pra mim e respondeu: ‘Não sei, já perdi a conta, deve ter mais de 50 anos, senhor’. Paguei e fui embora. Brejo Santo era conhecida como terra de pistoleiros. Coisa do passado, esqueça.” – do jornalista Luiz Gonzaga Cortez, via email.
ENFANT TERRIBLE
“Me graduei combatendo a ditadura militar ainda adolescente.” – de Ailton Medeiros, esta semana em seu blog.
RETRATO
Numa cidade chamada Natal uma crise de neonatologistas.



PROSA
“A influência do cinema norte-americano sobre o abraço brasileiro é uma coisa séria.”
Mário de Andrade
O turista aprendiz
VERSO
“Veio o tempo sobre tempo
e o mapa da cidade
outros bares apontou.”
Luís Carlos Guimarães
“Memorial do tabuleiro...”

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Triste e desoladora

Triste e desoladora a tradicional procissão fluvial de Nossa Senhora dos Navegantes. Domingo último.
Poucos barcos – ainda mais poucos os enfeitados – cruzaram o Putigy, passaram sob a imponência da Ponte de Todos e de Ninguém, receberam tímidos mas fiéis aplausos diante do mercado e muitos rojões indiscretos – que o rojão, como se sabe, é grande.
Sabem mais ainda a governadora Wilma, a neo-prefeita-eleita Micarla e o governadorável Robinson, que, claro, subiram ao palanque armado, de costas pro rio, de frente para a igrejinha.
Uma pequena multidão bateu palma pra lá, bateu palma pra cá, entre uma lágrima furtiva e um gole de cachaça ou cerveja boiando no isopor – que o Reino dos Céus neste Ryo Grande é dos ambulantes diários, suor do rosto, calo na mão e coisa e tal.
O padre não contou conversa. Disse que o mesmo povo que bota os políticos no poder é o povo que os tira de lá. Eu desconfio, mas, há de crer em algo, o pároco. Foi um tiquinho mais simpático à Dona Micarla. Dedo em riste, apontando para o Céu com “c” maiúsculo, chamou atenção que o Governo ainda não fez tudo o que podia. O Anel Viário por exemplo. A santa era outra, mas Dona Wilma não se fez de rogada. Ou fez, sei lá. Como se num debate eleitoral estivesse, pediu direito de resposta sem pestanejar, deu dois passos pra frente e puxou o microfone, livrando-se da culpa: falta a licença ambiental e isso é com a prefeitura. E olhou meio atravessado pra neo-prefeita-eleita, muito discretinha, devo dizer, no palanque armado (onde, ao lado do presidente da Assembléia, pôde-se observar que não tem lá grande estatura – no sentido de altura, calma, muita calma nessa hora).
E do mesmo jeito que aplaudiu a crítica do padre, o povo aplaudiu a governadora – que o povo pra isso tem serventia: se postar diante do palanque e aplaudir pra lá e pra cá, levantar as mãozinhas, fazer coreografia, entre o sacro e o profano, às vezes as duas ao mesmo tempo.
O padre, que jogava pra torcida, fiel ou infiel, piscou o olho pra Dona Micarla, bendizendo-a: que não seja por isso que a prefeita há de facilitar os trâmites. O povo aplaudiu de novo e tra-lá-lá.
Seguiu-se a missa, mas eu me embora fui, contrariando a gramática, os Céus e os Infernos.
*
23.12.28, 17h
Tudo muito diferente do cenário pintado por Mário de Andrade, em 23 de dezembro de 1928:
“A Redinha é protegida por Nossa Senhora dos Navegantes que sai hoje em procissão pelo Potenji. São dezessete horas. O sol desobediente brinca com fogo nas janelas praieiras da cidade. [...] Nas bandas da Redinha as velas florescem batidas de sol, muito brancas. [...] Os navios ancorados no porto, dois estão embandeirados. Um hidro-avião faz peraltices enquanto espera pra sacudir um bocado de flores sobre a mãe do Mar. É pouco olhado. Natalense não se amola mais com aeroplano. [...] Não causou sensação e a noite cai.”
E continua:
“Na cinza do rio surge uma pirâmide de luzes, que assim na lonjura é uma grande luz só. É o andor da Senhora subindo o rio. Do lado e atrás do rebocador que o conduz vêm duas fileiras de lanchas. A escureza comeu as velas dos pescadores.
– Chapéu! péu!... péu!
Aqui inda obrigam a gente a tirar o chapéu à passagem do santo.”
CONTAGEM
Voltando aos dias de hoje, quando o padre citou o nome de Fátima Bezerra, de cima do palco partiu um único aplauso, solitário e breve: as mãos da governadora bateram uma contra a outra, umas duas vezes, máximo três.
ADEUS
Findou o verão, de norte a sul pelo litoral. Se Nei Leandro (de Castro) se impressionou com as mansões pouco mansardas da República de Jacumã, definindo-as francamente “cassiânicas”, nos alpendres da Redinha ficou impresso o alvoroço de Rejane Cardoso chamando o vizinho que não tem mais: “Diniz, Diniz...”
Resta a casa colorida, sem ninguém, à beira-mar, a areia fina lambendo a fachada.
TANTO RISO
“Numa cidade em estado de calamidade todo riso é tétrico porque nasce de sua própria assombração.” – de Vicente Serejo,semana que passou, provando o anunciado durante a última campanha: que na hora de criticar a Borboleta, ex-aluna, não titubearia.
EFEMÉRIDES
Dia cheio de efemérides, este 3 de fevereiro: em 1834 era inaugurado o Atheneu Norte-rio-grandense – com fundação em dezembro de 1833.
Também no dia 3 do 2 do ano de 1896, se instalava a primeira Igreja Presbiteriana de Natal.
E em 1899, nascia João Café Filho, em Extremoz, presidente do Brasil no período 1954-55.
Do mesmo dia e mês (ano 1947), o Decreto Estadual no 682 criava a Faculdade de Farmácia e Odontologia de Natal.
RITO
É hoje o lançamento do “Pequeno ritual das coisas inúteis”, de Theo G. Alves, no Nalva Café, Ribeyra, hora 18 em diante.



PROSA
“Oculta nessa monotonia, da banda do mar fica a Redinha, praia de verão, bairro em que ninguém sonha pela preguiça do pensamento atravessar o rio com este sol.”
Mário de Andrade
O turista aprendiz
VERSO
“Sobre um mar de rosas que arde
Em ondas fulvas, distante”
Pedro Kilkerry
“Sobre um mar...”