terça-feira, 31 de março de 2009

A noite de Natal

A noite de Natal, crianças, é uma festa. Nem me venham com Paris, cidade das luzes e do Moulin Rouge, Hemingway ou Jacques Prévert – “Trois allumettes une à une allumées dans la nuit...” Não há cidade no mundo que nem essa. Onde se pode encontrar, por exemplo – desculpem pelo por exemplo, eu deveria datilografar, pardon, digitar, par exemple – onde se pode encontrar, dizia eu, uma poeta como Marize Castro convidando vossa mercê para ir ao Buraco da Catita. Antes que eu continue, um parêntesis: (Marize Castro é a única poeta diante da qual eu titubeio em tascar um “poetisa” antes do nome, além dele.) Fechado o parêntese, pois, lá está Marize Castro diante de mim, bela como nunca mais, num pretinho básico em sintonia fina com o negro dos seus cabelos. Prêt-à-Porter. Noir. Noite de Natal.
Tudo isso no lançamento da antologia poética de Paulinho de Tarso Correia de Melo, reitoria da Universidade Federal e tal. E Tal.
Um monte de gente importante. As pirâmides do Egito perdem em séculos de importância pra galera que circulava por lá. Mas, vou falar só e somente das mulheres que estavam por lá – todas – ou quase todas, vá lá – lindas. E maravilhosas. Com o perdão do lugar-comum. A mais linda de todas, Lalinha Barros. Sem dúvida. E não o digo por que ela se declarou, além de minha leitora, parente ou contraparente e tal. O digo por que a elegância de Lalinha vai além das grifes que suponho ela endossar. Além do mais escreveu um livro de memórias que não li mas que Giovanni Sérgio – que além de fotografo é um excelente leitor – não cansa de elogiar.
Ali, encostando em Lalinha, cabeça-a-cabeça, elégance-a-elégance, Selma Bezerra não fica muito atrás. E Maria Emília Wanderley. E. Esses poetas de Natal City, ali pelos anos 50 e 60, eram uns felizardos. Quando inventarem uma máquina do tempo, juro que compro passagem. Vou ser poeta também.
Mas, que mal-educado: deixei a poeta e poetisa Marize Castro lá no primeiro parágrafo, sozinha. Sozinha, não, que Marize é uma multidão enfurecida numa dessas corridas de touro pelos becos de Pamplona. (Estou muito Hemingway, hoje, como o leitor e a leitora podem perceber.)
Mas, recapitulando: Marize Castro diante de mim, prêt-à-porter e tal, vamos à Calígula ou ao Buraco da Catita – Calígula, bem entendido, uma pizzeria na Ribeyra. Ou seja, é convite, ordem, intimação. Dá vontade de dizer: neném, por você e com você eu fico até jogando pedrinhas na escuridão erma do Beco da Quarentena, um pé encostado numa daquelas portas carcomidas, um cigarro eternamente aceso entre os dedos.
Mas não, não digo.
Muito animada, a poeta-poetisa, naquela noite, a música daquela noite, que não, não havia. Animada não apenas. – Disposta: quem falou foi o poeta Paulinho, a munheca cansada de tanto autógrafo. Enquanto dedica, Paulinho fala em voz alta o texto que escreve. A caligrafia entre o rupestre e o clássico. No meu escreveu, “Mário Ivo, amigo e parceiro da saudade de seu pai, meu amigo e orientador, o abraço de Paulo 27.03.09”
Assim você me comove, Paulinho. E eu preciso estar autêntico e forte, ter olhos firmes pra este sol, esta escuridão, esse claro enigma que é o convite de Marize para um mergulho no Buraco. Noite de Natal.
(Mais um parêntesis, desta feita pro garçom da reitoria – pra não dizerem que só falo das mulheres: o sujeito é um cara legal. Alto e distinto. Desconfio que noutra encarnação nasceu como um Manoel Onofre Jr., mas invés de ser gauche na vida foi servir os outros. O que dá no mesmo, pois não. Pois, serve uísque que é uma beleza. Todo lançamento de livro na reitoria e o cara lá. Fico até acanhado porque não sou nenhum bebedor inveterado, mas, a três por quatro ele aparece, o Johnny Walker rouge já em posição de inclino, as pedras geladas doidas pra fazerem tintim no copo baixo. Grande figura, garçom – e santé!)
Corte rápido no tempo pro cenário das ribeyras do Putigy.
Lá estou eu literalmente no Buraco. Choro. Com chapeuzinho, circunflexo, ô. A poeta não apareceu. Cruel. Fatal. Como uma boa poeta deve de ser.
Voltar pra casa, abrir página, ler: “Neste minuto cabe/ passado, futuro/ e fantasia./ Sonho, memória/ e profecia./ Neste minuto/ cabe a vida e a morte./ O ser, o devir/ e o poderia.”
Paulinho de Tarso é um bom poeta.
E Natal uma festa.
*



PROSA
“Assim foi. Sabe-se lá o que teria sido de minha vida se naquela noite eu não bebesse alguns copos.”
Martín Caparrós
Valfierno
VERSO
“Não nos atraem os Enigmas
Que pouco nos escondem –”
Emily Dickinson
“Não nos atraem...”

segunda-feira, 30 de março de 2009

Adivinhe quem vem para o café-da-manhã: Rodrigo Levino

Café-da-manhã numa segunda feira e com Rodrigo Levino de novo? Hum, sei não – pensará o leitor com seus botões se acaso os tenha – isso tem odor de preguiça inzoneira. Besteira, meninos – o cara foi pro show do Radiohead, vai saber se vai ter outro por estes tristes trópicos, e se eu deixasse pra sábado que vem a marmita ficava muito fria. Ouçam, pois, com atenção e tirem suas conclusões:

RADIOHEAD; ZEITGEIST
Por Rodrigo Levino
Antes de mais nada: se algo dentro da cultura pop deste início de século tiver de ser escolhido para representar o zeitgeist, ou coisa que resuma em si o espírito do nosso tempo, não há nada que o faça melhor do que o Radiohead. A claustrofobia da modernidade, a vertigem, a depressão e tudo que o existencialismo tentou traduzir em teses e simpósios, a banda inglesa foi capaz de emular de maneira não exatamente acessível, mas usando certamente um instrumento de diluição mais palatável, no caso a música. E diga-se, com louvor.
A espera de quinze anos, sete discos, um show do Los Hermanos e outro do Kraftwerk na abertura, por si só justificaria a ansiedade visível das trinta mil pessoas que se acotovelaram para assistir o concerto da banda em São Paulo. Mas , o Radiohead é maior do que isso. Primeiro por não se tratar de um simples concerto, e sim um combo de soluções estéticas, tanto do ponto de vista cenográfico quanto musical, capaz de transformar a apresentação numa experiência sensorial.
A tal experiência, no entanto, era uma mera suspeita até que duas horas e meia e 26 músicas depois, a certeza de que se estava diante da maior e mais importante banda pop em atividade tornou-se límpida e sem atropelos, como a voz de Thom Yorke, mesmo enquanto se debate na sua dança frenética.
O Radiohead é sui generis. O caminho traçado pela banda, até hoje, difere do rock de arena do U2, discorda da melodia fácil dos Smiths, aprofunda a reflexão que apesar de sincera era superficial no Nirvana, recria alicerçado no rock progressivo do Pink Floyd, renova o pioneirismo dos alemães do Kraftwerk e assume influências de composições eruditas para restar numa moldura de autenticidade, peso, perfeita execução, empatia e lufadas de genialidade recaindo particularmente sobre o guitarrista Johnny Greenwood.
O que a banda fez, desde o histórico disco OK Computer, foi arriscar-se num universo onde não existem melodias fáceis nem refrões radiofônicos, mas o faz de maneira tão competente que ao iniciar o espetáculo com a sequência devastadora de “15 steps”, “There there” e “The national anthem”, dos respectivos discos In Rainbows, Hail to the Thief e Kid A, tinha a platéia diante de si ganha, imersa na profusão de harmonias quebradas, letras desesperadas e efeitos sonoros hipnotizantes.
Sabendo dos limites que podia atingir, sem ser cobrado pelo público das tais coisas fáceis de serem ouvidas, a banda pontuou o repertório depois de “Karma Police” e “Paranoid Android” - entoada pela platéia em peso, mesmo quando se havia encerrado a execução, forçando os músicos a continuarem tocando - por escolhas lentas e esmeradas, que foram de “The Gloaming”, do Hail to the Thief ao b-side “Talk show host”, passando por “Faust Arp” e “Exit music”, dos discos Hail to the Thief e OK Computer.
A partir daí a relação público-banda estendeu-se a uma cumplicidade tal que fez o grupo retornar por impressionantes três vezes ao palco, para destilar os ecos do passado melódico do disco The Bends, com “Fake plastic tree”, o experimentalismo do Amnesiac, com “You and whose army”, deixar no ar uma saída definitiva com “Everything in its right place”, para arrebatar corações e mentes com a música que os revelou ao grande público, “Creep”, do disco Pablo Honey. Era, então, um final apoteótico que resumia com um set list coeso e poderoso, a agonia e o êxtase do mundo tal qual o conhecemos, na melhor representação que a cultura pop atual é capaz de executar.
Los Hermanos
É muito provável que o show do grupo carioca, que abriu o festival, tenha sido mesmo o último da carreira, depois de dois anos de hiato. A falta de empatia entre os líderes Marcelo Camelo e Rodrigo Amarante era tão visível que dava a impressão de os 200 mil reais que ganharam pelos dois shows, no RJ e em SP, não valiam a pena para se aturarem novamente.
Kraftwerk
Os pais da música eletrônica fizeram um show burocrático, com repertório previsível que foi de “Man machine” a “Autoban”, passando por “Tour de France”. Ficou, apesar da respeitabilidade e dos recursos visuais, a impressão de não ser uma banda para shows abertos.
País Tropical
Na seleta lista de convidados especiais do Radiohead, e que a organização do show escondeu a sete chaves, figurava o mais assediado pela banda: Jorge Ben Jor. Ed O’brian, guitarrista, é reconhecidamente fanático pelo cantor e compositor brasileiro.
Caos
Uma coisa precisa ser separada da outra: se o show do Radiohead foi algo antológico, a organização do festival Just a Fest, a cargo da PlanMusic, foi de um amadorismo atroz. O local do show além de distante, lembrava a estrutura da Arena do Imirá. Ou seja, um buraco puro e simples, não fossem as árvores e resquícios de grama.
Caos II
Ao menos sinal de chuva, a tal Chácara do Jockey Club ameaçava se transformar num lamaçal. Não bastasse o acesso dificultado, o estacionamento do evento cobrou extorsivos 35 reais, que não foram capazes de deixar nenhum veículo em segurança. 70 foram arrombados.
Caos III
Ao fim do show, já segunda-feira, quase uma da manhã, a saída das trinta mil pessoas foi penosa. Por um só caminho, estreito e acidentado, dezenas delas passaram mal e demoraram quase meia hora para deixar o local do show. Um horror.
Caos IV
Taxistas, aproveitando-se da distância e da falta de ônibus, chegavam a cobrar 150 reais por uma corrida que em condições normais não passaria de trinta mangos. Nesse ponto os profissionais paulistanos se igualaram aos cariocas, reconhecidos pela habitual “malandragem”.



PROSA
“Cantem até morrer, essas cigarras. Cantem bem dentro da minha alma sem nada, amarga e triste...”
Newton Navarro
30 crônicas não selecionadas
VERSO
“O amor é assim
Quebra o desejo”
Newton Navarro
“Composição”

sábado, 28 de março de 2009

Adivinhe quem vem para o café-da-manhã: Chico Buarque por Renan Rêgo



No dia do lançamento nacional de “Leite derramado”, a coluna traz, com exclusividade, para as moças – e por que não? para os moços também –, foto do velho Chico clicado pelo jovem Renan, para a Companhia das Letras. (E os leitores desse espaço ganham um Chico a mais do que aqueles do jornal:)







PROSA
“Tirou os óculos ray-ban para mostrar que tem olhos azuis e é um cafajeste.”
Chico Buarque
Benjamim
VERSO
“Te dei meus olhos pra tomares conta
Agora conta como hei de partir”
Chico Buarque
“Eu te amo”


sexta-feira, 27 de março de 2009

Até que enfim é sexta-feira, crianças!

ATAVISMO
“Sem dúvida, um dos bons poemas de Othoniel – quase modelar em sua modernidade.” – Moacy Cirne, arcebispo emérito do Poema Processo sobre “Atavismos”, poema de Othoniel Menezes, publicado segunda última neste espaço.
A propósito, não sei vocês, mas o sobrescrito precisou recorrer ao Houaiss pra destrinchar a palavra: “reaparição em um descendente de caracteres de um ascendente remoto e que permaneceram latentes por várias gerações.”
Tem outro, sentido figurado: “retorno a um estilo, uso, ponto de vista, enfoque etc.”
Sem essa que a coluna não é Cultural.
ATÁVICO
Foi dizer o quê? Que é no mínimo imperdível o show de “20 anos de sucesso” da banda (potyguar) Grafith, que aproveita a deixa pra gravar o clássico DVD-ao-vivo.
Vai ser amanhã, na Cervejaria Continental. Vai ter área vip (de “very important people” – ou será “person”?), com camarote, e “frontstage” (que eu não faço idéia do que seja). Ah! e bebida free, também. (Olha, não sei vocês, mas show sem camarote vip e frontstage eu posso até ir, com muito esforço – mas sem bebida free me incluam fora dessa.)
Que mais, que mais? Vai ter shows paralelos da João Teimoso Rock Band (“pop rock”) e do Nosso Grito (“samba”, também nas aspas), e, claro, os DJs e suas fabulosas picapes.
Masss (com três “s”) o detalhe mais importante – apurem bem as oiças, porque a informação é oficial e está no release: “a galera bacana da cidade vai prestigiar”.
Os bacanas atávicos, tumbém.
ÃO
“Me chama de my love” é o último sucesso da Grafith. Os versos, de tão modernos, devem fazer o príncipe Othoniel se revirar no túmulo: “Me chama de meu bem, meu bem, meu bem/ Me chama de cachorro já estou ficando louco/ Me mata de prazer// Eu sou o cara, eu sou metido a gostosão/ e a galera me conhece por doidão/ e no arrocha elas fazem confusão/ mas é só você que abala meu coração”.
De um romantismo moderno, pode-se dizer.
PAULINHO & CIA.
A galera bacana da cidade, também e com certeza, há de prestigiar o lançamento, hoje, de “Talhe rupestre”, antologia de versos de Paulo de Tarso Correia de Melo, 470 páginas de boa poesia, organizadas pelo pernambucano-potyguar Carlos Newton Júnior. Como sai pela Edufrn, o lançamento é no auditório da reitoria, 19h.
Nos poemas de Paulo de Tarso vez por outra aparecem personagens que são verdadeiros romances mínimos: “Dr. Renan atormentava a esposa/ e as amigas beatas, horrorizadas:/ A culpa é de vocês, que foram contar como são os pecados a ele.”
Ou estes: “Maria Olívia, coitada,/ não soube educar rapaz:/ Joaquim é homem de menos,/ Miguel é homem demais.”
Ou esta, anônima: “Aos 64 anos/ caiu gravemente enferma./ Não lhe viessem com enganos:/ O câncer – e a vida eterna.”
GRAFFITI
Voltando pro graffiti – não a banda, basta – hoje é Dia Nacional do Graffiti e a galera bacana do spray se reúne a partir das quatro da tarde ali pela Praça Kennedy, Centro Histórico e Histérico da City. A CUFA-RN (Central Única das Favelas) organiza o evento.
A conferir se os governadoráveis que não perdem batizado nem velório pintam no pedaço.
SAÚDE
O Conselho Regional de Serviço Social deste Ryo Grande promove, hoje, o 1º Ciclo de Debates do ano, com o tema “A crise da Saúde em Natal e a participação dos Assistentes Sociais na Política de Saúde”.
No auditório do Sindsaude (Av. Rio Branco, 874), a partir das 15h.
PLACAR
O Sisjern, Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário deste Ryo Grande, realiza no próximo dia 31, terça, uma “festa de protesto” na Praça Sete de Setembro, por ocasião do aniversário de dez anos da ação da URV. O “Pauta Zero x Morosidade 10” prevê uma parada – no estilo Jack Bauer – de 24 horas nos serviços da Justiça Estadual.
Além dos discursos de praxe, o protesto festivo tem show musical, apresentações culturais e um bolo de 30 metros, com direito a velinhas.
PLAY IT AGAIN, KHRYS
Não vai ser por falta de oportunidade que o leitor e a leitora não assistiram ainda a um show de Khrystal: a moça canta e encanta mais uma vez amanhã, nove da noite, no Praia Shopping Musical.
Enquanto isso, Zé Dias comemora antecipadamente o milésimo show do projeto – marcado para os próximos 3 e 4 de abril – e que, segundo o produtor, empregou mais de quatro mil artistas em três anos de existência.
ATÉ MORRER
Jaqueline “***gostosa a te morre***” (grafado assim mesmo, com esses seis asteriscos) me envia um convite para entrar em seu Orkut (sem duplo sentido, que a coluna é como aqueles bares mais esquisitos – de ambiente familiar).
Vou repassar para Woden Madruga para ele repassar para Alex Nascimento. Afinal, Cavaleiro Solitário que se preza não tem email.





PROSA
“Vomitei um pouco de latim e já me sinto melhor.”
Campos de Carvalho
Obra reunida
VERSO
“Pesam-me os anos.”
Paulo de Tarso C. de Melo
“Portugal...”

quinta-feira, 26 de março de 2009

Águas divididas

A demissão quase em massa de 40 jornalistas do Diário de Natal pode ter várias leituras e reflexões. A primeira, sentimental e solidária à classe, de que é muito triste ver tanta gente ficar sem emprego de uma só vez.
A segunda, ainda no seio da corporação, de como é difícil sobreviver das próprias palavras e do trabalho de buscar informações diariamente, como meio de vida e ganha-pão – já era difícil numa vila, digo, numa cidade, desdigo, numa metrópole como Natal, com um jornal a mais, imagine agora com um jornal a menos.
E não se trata de nenhum nanico de última hora, mas de um jornal há muito entranhado na História – com agá maiúsculo – deste Ryo Grande.
Há ainda uma terceira leitura, embalada pelas marolinhas ou marolonas da tal crise mundial, que gostaria de vincular o fato ao momento específico. Leitura esta, suponho, equivocada: a tragédia do Diário de Natal era já anunciada. O que surpreende é a velocidade em que foi processada. Se houve um tsunami, foi provocado e nasceu nas internas da redação e da administração, não em Wall Street ou alhures.
Outra leitura, não totalmente alheia à realidade do mundo globalizado, é que, se a crise do jornalismo impresso já botou pra escanteio nomes bem mais consolidados, especialmente nos EUA, pátria mãe do jornalismo moderno, investigativo, do new journalism e que tais, imagine por estas ribeyras. Na CartaCapital desta semana, Felipe Marra Mendonça comenta o fechamento do mais que centenário Seattle Post-Intelligencer e sua migração total para a internet. Mendonça deve estar assistindo a novela das oito global, porque, em um certo ponto diz: “É auspicioso que a imprensa tradicional perceba, cada vez mais, que o meio não faz diferença, desde que o jornalismo mantenha a qualidade.” Noves fora a piada infame do sobrescrito, o jornalista está correto ao lembrar que “os leitores pedem jornalismo, não jornais”. E se ele está na net ou na banca de revistas não faz a menor diferença.
É claro que na verdade, faz. E muita. Cada dia mais pessoas vivem diante do computador, bombardeados por um infinito número de informações, sem pagar praticamente (ou ao menos diretamente) nada por isso – se a maioria das notícias é inútil são outros papos. Mas dificilmente alguém com menos de 30 anos entra numa banca para pagar menos de dois reais por um jornal que seja.
Para não deixar de escapar a oportunidade de usar aqui o termo mais ouvido no horário nobre da TV brazuca, na boca de nativos fantasiados de indianos, é “auspicioso” pensar que existem ainda outras leituras (ou esperanças): a de que, num momento de crise como esse, alguém aproveite a oportunidade para fazer a diferença e ocupar o vácuo deixado pelo DN, atendendo a nichos específicos de um mercado inegavelmente e numericamente grandioso.
Por fim, e não menos importante, é saber como essas notícias estão chegando às salas de aula dos cursos universitários de jornalismo. Essa moçada sabe onde vai trabalhar e sob quais condições? E, mais importante, o que quer o leitor potyguar? (Supondo que ainda exista.)
As águas começaram a ser divididas.
*
ESTADO DE SÍTIO
Arlindo Freire, Italo Valerio, Luiz Gonzaga Cortez e Rosáfico Saldanha entabulam projeto de um sítio de pesquisadores potiguares – a ser acessado por qualquer internauta interessado em folclore, pré-história deste Ryo Grande, história, política, poesia popular etc.
VW
O Departamento de Filatelia dos Correios estuda a idéia de vender selos personalizados – idéia já concretizada, ao menos num caso único, desde o dia 9 deste mês, com a venda de um selo comemorativo dos 50 anos do Fusca.
Enquanto isso os amantes da filatelia deste Ryo Grande andam às voltas com a renovação do seu Clube.
Também, nestes tempos de emails, orkuts, messengers, torpedos e que tais, como resistem os selos?
FANTASIA
Querendo fugir da realidade? Nalva Melo comemora os 15 anos do seu salão na velha e indefectível Ribeyra Velha de Guerra.
Em vez de um baile de debutantes, uma Festa a Fantasia. Vai ser sábado, no térreo do Edifício Bila, noite e madrugada adentro.
IGNORÂNCIA
“O fim da Educação: elementos epistêmicos da ignorância” é o título do lançamento de hoje na livraria do Natal Shopping, hora da Ave Maria.
Segundo o release o livro “trata da precariedade da sustentação teórica nos variados conceitos da educação”.
Se for pelo currículo e títulos, o autor, Tassos Lycurgo, promete: bacharel em Física e em Direito, licenciado e mestre em Filosofia, especialização em Direito e Processo do Trabalho, doutor em Estudos Educacionais, pós-doutorado em Sociologia. Atualmente coordena o Curso de Artes Visuais da UFRN.



PROSA
“O jornal exerce hoje todas as funções do defunto Satanás, de quem herdou a ubiqüidade; e é não só o pai da mentira, mas o pai da discórdia.”
Eça de Queirós
A correspondência de...
VERSO
“Restou do mundo
Um poderoso ruído.”
Newton Navarro
“Cego”

quarta-feira, 25 de março de 2009

Dirty Harry, Homem-Aranha, Obama, Carrie Bradshaw e Cia.

CONCRETE JUNGLE
Enquanto embarca na tessitura de um livro (tessitura é meio fresco, né?), enfim, enquanto escreve um romance, estilo “de formação”, R. Levino não consegue parar de ouvir Erasmo Carlos, safra 1969, com ênfase nos versos da música “Dois animais na selva da rua”:
“Eu vou fazer de você clareira aberta na selva suja da rua”.
A Paulicéia continua desvairada.
RADIOACTIVITY
Mas isso foi semana passada, antes de Rodrigo – acompanhado por Daniel Galera e Marçal Aquino – entrar em estado de choque com o show do Radiohead, domingão de matar inveja os caranguejos da manguetown.
Quem diria que um dia a turma da minha geração veria o renascimento do Kraftwerk e, ainda assim, abrindo pro Radiohead?
DIRTY ALEX
Enquanto baba por uma tal Tania Morales (da CBN), Alex Nascimento também não esquece o babador quando fala de Clint Eastwood (em exibição com “Gran Torino”, nos dois cinemas locais). O recém-aposentado jura de pé junto que o velho Clint deu umas encoxadas na, nem tão nova assim, Angelina Jolie.
E vibra. E torce. Como se tivesse sido ele mesmo.
Não duvido. Desconfio que, como num boneco de vodu, tudo que acontece com o Dirty Harry da América do Norte é sentido pelo Dirty Harry da América do Sul.
CITTÀ DELLE DONNE
Nas horas vagas (todas as 24), Nascimento continua escrevendo um livro. E trocando o dia pela noite e a noite pelo dia.
Alguém já sugeriu ao poeta que embarcasse seu noctambulismo na net – Alex, com certeza, gostaria de ver alguns spams que pintam pelas caixas postais: as (supostamente) americanas Donna Dennison e Ladonna North oferecem algumas polegadas a mais ao velho amigo do homem; Kristine pergunta sobre algum problema na cama; Valerie sugere como impressionar “ela”; enquanto as (aparentemente) brazucas, Débora e Tatiana, oferecem dois guias – do prazer, e do orgasmo feminino.
SPAGHETTI & SUSHI
Por falar em Eastwood, a Folha de Sampa entrevistou o diretor, que disse só ter aceitado o papel em “Por um punhado de dólares”, de Sergio Leone, safra 1964, porque era inspirado em “Yojimbo”, um clássico do diretor japonês Akira Kurosawa: “Mesmo sem nunca ter trabalhado com ele, Kurosawa teve grande influência na minha vida, pelo fato de que gostava demais de seus filmes.”
A FIM
Os fãs e as fãs de “Sex and the city” podem suspirar aliviados: está em cartaz “Ele não está tão a fim de você”, inspirado em um livro de Greg Behrendt e Liz Tuccillo, os mesmos do seriado. E com um time feminino de beldades: Scarlett Johansson, Drew Barrymore, duas Jennifer (Aniston e Connolly), e uma Ginnifer (Goodwin).
Aliás, a dupla de roteiristas escreveu o livro a partir de uma piada que eles mesmos desenvolveram para o seriado.
OBAMA NA TEIA
Edição histórica da revista do Homem-Aranha (Panini Comics) nas bancas: Barack Obama sorri na capa encimando a manchete: “Herói e presidente juntos na história Marvel mais vendida do século!”
A história, cinco páginas, é bestinha: no dia da posse, 20 de janeiro último, o repórter fotográfico Peter Parker deixa a cobertura de lado para, já vestido como o Spiderman, decidir qual Obama é o verdadeiro – já que o Camaleão quis porque quis se empossar presidente se metamorfoseando no afroamericano mais famoso do mundo.
“Sinceramente, o que mais me preocupa é o desconhecimento total que o Camaleão tem do processo eleitoral”, diz o presidente – que, lógico, ainda não tinha encontrado Lula do Brazil.
Nos EUA a revista vendeu mais de 350 mil exemplares.
SOUNDTRACK
Lívio Oliveira não esconde a ânsia com o lançamento do CD “Cineclube”, com letras suas e músicas de Babal. Calma, Lívio, falta menos de um mês: dia 16 de abril, na Capitania, 19h.
GILLIARD
O cantor se apresenta hoje na Assembléia Legislativa, a partir das 18h – é a Assembléia Cultural, com distribuição grátis de CD e DVD da final do Festival da Canção Potyguar.
FESTIN
Hoje é dia de teatro infantil, dentro da programação do 1º FESTIN – Festival de Teatro Infantil de Natal – mostra competitiva entre grupos profissionais deste Ryo Grande: às 10h tem “Na trilha da Ilha da Caveira que Ri, e às 15h “Romão e Julinha”. No TAM, preços populares.
SOBRENOME
Quem achou estranho, ontem, o sobrenome Freire Alves acrescido ao nome de Darce, vai aqui a explicação: foi só após o exame de admissão, ao chegar em Natal, vindo de Macaíba, que passou a se chamar Darce Freire Dantas de Araújo.



PROSA
“Como ideal, imaginava uma vida de baixezas e torpezas.”
Françoise Sagan
Bom dia, tristeza
VERSO
“Eu não.
Quero o dito velado das entrelinhas.”
Ada Lima
“Eu não...”

terça-feira, 24 de março de 2009

Meu tio

Único irmão de minha mãe, meu tio está no hospital. Há mais tempo do que todos nós gostaríamos que estivesse.
Dizer que não merecia é muito pouco e de pouco serve. Nem para ele, nem para quem fica do lado de cá da unidade ou centro de terapia intensiva.
Neste momento, dezenas, centenas, milhares de pessoas passam pela difícil experiência de ter um parente internado.
Experiência, infelizmente necessária, para se entender o valor inestimável da vida. Da companhia. Das amizades. Da família.
E do trabalho dos médicos, que vivem essa situação, todos os dias, sem parar.
É quando damos conta, também, de tudo aquilo que o dinheiro não compra.
Não somos os únicos, sei, e por isso escrevo.
Pode-se dizer, também, que Darce Freire Dantas de Araújo é parte fundamental da história desta Cidade, primeiro, por fazer parte da historia da odontologia potyguar; depois (ou antes), porque, como qualquer habitante, ao construir sua vida, família, trabalho, naturalmente contribuiu para a construção da cidade.
Como enxergava Cascudo ao citar Pierre Lavendan na epígrafe de “História da cidade do Natal”, a cidade, qualquer cidade, é “um ser vivo”, e, “como todos os seres, ela nasce, ela cresce, ela morre”. Mas, se é viva é porque é feita muito mais do que de cimento e pedra. São os moradores o tecido vido desse organismo múltiplo. O que fazem, o que fizeram, o que farão.
Ao pensar na trajetória de vida de Darce, assisto a história desta Capital nas últimas quatro décadas, aquelas que presenciei. Pescador, sempre teve automóveis que pudessem vencer as veredas difíceis e as dunas móveis. Primeiro um Jeep, depois um Selvagem. Numa época onde não se ouvia ainda palavras e expressões hoje corriqueiras como “4x4” ou “SUV”.
Sua casa no Bonfim, sua casa em Cotovelo, sua casa na Miguel Barra, permanecem quase como sempre foram. Admiro em meu tio esse senso de preservação, especialmente quando hoje assistimos a febre pulsante em derrubar para se construir em cima o que se pensa como novo.
Durante muito tempo cultivou orquídeas e canários. Leitor contumaz, lia para aprender o que não sabia. Sempre ativo, amante das caminhadas, era também impossível vê-lo parado, muitas vezes com um martelo e pregos nas mãos. Fotógrafo amador, sempre se interessou pelas novas tecnologias – respeitando o passado, sempre olhou para frente. Em Darce, o amor pelo mundo natural se confunde com o fascínio pela ciência.
Gostava de ouvi-lo contar histórias de outros tempos. De Natal na época da guerra. De Macaíba da sua infância. Do Colégio Marista. O senso de companheirismo, de camaradagem, de amizade, sempre presente em seus relatos.
E se uso tempos verbais pretéritos é porque não posso ouvi-lo de onde está agora. Apenas relembrar um pouco de sua vida, admirável como qualquer outra, única como a de todos nós.
*
ANIVERSÁRIO
Num dia desses, 24 de março de 1904, era inaugurado o Teatro Carlos Gomes, hoje TAM, Teatro Alberto Maranhão.
Incrível. Depois de mais de um século, continua o teatro mais importante deste Arraial. Único.
MARATONA
A ONG ZooN programa para hoje, a partir das 19h, no Circo Tropa Trupe (Campus da UFRN), uma mostra de vídeos. Aliás, três, divididas assim: 20 filmes com o tema “ser nordestino”; 40 “melhores filmes de 2008”; 60 filmes holandeses.
Façam as contas: cento e vinte filmes numa noite só? Não é exagero: é que todos eles e cada um deles têm apenas um minuto, no máximo, e participaram, pois, de algum Festival do Minuto pelo mundo.
Assim, em duas horas, mais ou menos, a coisa finda. No intervalo, rola um tal “Cachorro Loko!” (cachorro-quente vegetariano) e sorteio de brindes.
CÁLCULO
O que é que a Ponte de Igapó, o Machadão, o Machadinho e a Catedral de Natal têm em comum?
Resposta: tiveram suas estruturas calculadas pelo engenheiro civil e professor da UFRN José Pereira da Silva.
Que lança, hoje, 19h, no Auditório da Reitoria da UFRN, o livro “A trajetória de um calculista de estruturas”.
Um marco nas comemorações dos 50 anos do curso de Engenharia Civil e dos 40 anos do CREA-RN.
Que pensará o professor José Pereira da Silva sobre a derrubada do Machadão, caso esta City ganhe seu lugar ao sol na Copa?
TELA QUENTE
Quem não quiser sair hoje de casa, tem boa opção na TV aberta: Rolando Boldrin recebe Khrystal. Khrystal canta acompanhada de Guinga. É a reprise do Sr. Brasil, na TV Cultura, 22h10.



PROSA
“Vivemos conjugando o tempo passado (saudade, para os românticos) e o tempo futuro (esperança, para os idealistas).”
Mario Quintana
A vaca e o hipogrifo
VERSO
“As mãos que dizem adeus são pássaros
Que vão morrendo lentamente”
Mario Quintana
“Anotações para um poema”

Um poema de Othoniel Menezes

[Publicado em 230309 segunda]

Recebo, por especial atenção de Laélio Ferreira, este poema, quase inédito, de Othoniel Menezes, seu pai.
“Atavismo” foi publicado primeiramente na revista Letras Novas, em setembro de 1925. Infelizmente, este espaço não consegue repetir a formatação original – que, como se verá, é de suma importância. Daí que, hoje, excepcionalmente, não publicaremos os boxes de Prosa e Verso – e rogamos aos diagramadores que possam exibir o melhor possível este, mais que um poema, documento importante da nossa literatura.
Paciência. Servirá ao menos como um tira-gosto para o “Príncipe plebeu – uma biografia de Othoniel Menezes”, que Cláudio Galvão e Laélio Ferreira prometem para logo mais, talvez neste março ainda.
Não é preciso ler as notas de Galvão para perceber, de cara, a semelhança com outro ícone da poesia potyguar, o moderno Jorge Fernandes, pelo uso das onomatopéias e o recurso de “estratégias gráficas” (que infelizmente, como já dito, não foi possível repetir aqui).
Mas é Cláudio Galvão quem chama atenção para o pioneirismo de Menezes, que publica seu poema “moderno” três anos antes de Jorge Fernandes publicar o seu (A República, 15 de março de 1928).
“É necessário ressaltar-se que ‘Atavismo’ foi o primeiro poema moderno a ser publicado no Rio Grande do Norte, após o deflagrar da ‘Semana de Arte Moderna’ de São Paulo, em 1922” – conclui Galvão.


ATAVISMO
Para Jorge Fernandes
I
Tic-tac! Tac-tac!
– Rrac... crac...
Olá, amigo vento, velha alma familiar e chorosa de Cassimiro!
velha gargalhada noctâmbula do salafrário Bocage!
Avejão!... (rrac!)
vulto branco!... (crac!)
Tic-tac...
Ferve, a cem léguas, o mar… uma zelação que desabou no mar!
II
Crac!... Crac!
abriram a minha porta!
Quando chega a hora aziaga e o horror no coração primitivo
do primeiro pastor que viu a primeira estrela no céu, enorme,
tic... tic... o coração é um relógio – tic... tic... tic...!
a hora sem nenhum pavor dos corujões rasgando a mortalha das horas
sobre o sono dos pequeninos,
centos de filisteus com plumagens índias,
carregando uma urna de esmeralda, enflorada de corais e algas,
a cabeça luminosa e gotejante de Gonçalves Dias,
Berram, mudos, epopéias americanas...
Ferve, a duzentas léguas para o Ocidente: o mar!
e foi quando os espectros de todas as poesias
abriram a minha porta!
III
E morri no meu corpo imortal,
e voei pela transparência da noite morta!
Tudo morto!
Para o Ocidente, para dentro da plaga imensa, ferve o mar!
... mas, o meu irmão moinho, acordado ainda, geme no ermo: crac... crac...
Era um mar morto, o mar diferente do mar que referve,
e onde o último romântico, absorto, navegava,
com um santelmo de saudade fátua iluminando a lira grega!
IV
E o meu ágil fantasma,
– rrac... rrac... rrac... –
assustando os burgueses insones,
de tanto ouro honesto e principal na vida,
– canalha cosmopolita, céu dos judeus dos miseráveis! –
tic-tac...
Hora boa dos miseráveis!
V
O meu fantasma arrastando uma braçada fria de horas,
tac... uma! tac... duas! tac ... multiplicando,
vai deixando cair uma hora boa à porta dos miseráveis!
beija um faminto filho de vagabundo que não sabe das horas,
e traz um vagalume, para alumiar dez beijos nos meus filhos ressonando...
VI
Rrac... rac... rac...
abriram a minha porta,
aqueles suaves fantasmas que são os meus pensamentos,
numa eclosão constante de música, dentro de uma noite morta...
VII
Eu estou vivo no meu corpo,
e o meu fantasma sensitivo
radiografa para a estação circular do meu cérebro
– tic... tic... –
todas as impressões musicais das horas que morrem cantando.
E eu sinto no estuário do meu coração
a convergência, a refração
da inquietação comum...
VIII
Tic... tac...
Tictac:
dez!
tac –
onze!
tac –
doze!...
Às constelações mais belas, muito móveis
no mostrador ciclópico da matriz do zodíaco.
so...
no...
ra...
men...
te
gotejam:
tic-tac... tic-tac:
– luz maior que a luz do século,
sobre os páramos dos sertões fetichistas e esquecidos:
a! as reticências de Euclides da Cunha:
o Caçador de Esmeraldas de Bilac!
Tic-tac...
IX
E eu, dentro da cidade que dorme,
vigiada pela vigília inexorável das horas assombradas,
e pelo cão danado do vento sul,
que é um bandido e devasta o peito dos meus irmãos varredores das ruas,
eu estou vivo!
e vejo o FANTASMA!
tic... tac!...
o fantasma!...
crac! crac!...
o fantasma!
dos meus próprios pensamentos.

sábado, 21 de março de 2009

Adivinhe quem vem para o café-da-manhã: Leno Azevedo

Gileno Osório Wanderley de Azevedo, o Leno Azevedo, ou simplesmente Leno, pouco a pouco está se livrando da insustentável leveza de ser sempre associado à sua cara-metade musical – a cantora Lilian – parceria que lhe rendeu, afinal, o ingresso na História Musical Brasileira.
Seja como Gileno ou como Leno, o músico é verbete no “Arquivo do Rock Brasileiro” (www.arquivodorock.com.br), no “ABZ do rock brasileiro” (de Marcelo Dolabela), na “Enciclopédia da Música Brasileira”, e, como não podia ser diferente, no “Dicionário da Música do Rio Grande do Norte”, de Leide Câmara.
Leno também contabiliza ao menos dez aparições nesta coluna, a primeira em maio do ano passado, quando o sobrescrito comentava seu clássico e cultuado LP, já em carreira solo e longe da Jovem Guarda, “Vida e obra de Johnny McCartney” (1970). O LP foi lançado recentemente por um selo americano e continua recebendo elogios consagradores. Sem ou com exageros, o nosso “Paêbiru”.
Sobre consagrações ou não, é o que também versa o texto do nosso convidado de hoje, que, em outra ocasião aparecia neste espaço proclamando para quem quisesse ouvir:
“Os artistas daqui só não vivem bem de arte porque insistem em ser rivais em vez de se unirem em uma proposta comum.”


MORANDO NOVAMENTE EM MINHA CIDADE NATAL
Morando novamente em minha cidade natal desde 2007, deu para observar certas coisas que talvez passem despercebidas a quem já está acostumado à rotina sócio-cultural da terra. Uma delas é a falta de um maior mercado interno para os conterrâneos profissionais da música, assunto, aliás, lucidamente abordado aqui neste jornal pelo Laurence Bittencourt Leite.
Talvez se trate de uma forma inconsciente de baixa auto-estima coletiva no que se refere à valorização do artista potiguar (sem essa história de “artista local”, expressão limitante), proporcional ao deslumbramento na admiração por coisas de fora, muitas vezes de menor valor artístico. Apenas a Universitária FM toca artistas potiguares, escalados pelo interesse musical de um programador que, apesar de viver há anos em Natal, nasceu em... Pernambuco (!).
Em outras palavras: daqui, nenhum. Até mesmo outra FM que tocava artistas potiguares parou de tocar por “ordem da direção”. Essa, nem Freud explica! Eventuais intenções de se fazer um programa musical na TV promovendo nossos artistas e o próprio Rio Grande do Norte para os potiguares sempre esbarram em descrédito e preconceito inculto. E não podemos contar apenas com a sorte de termos um artista sensível como Cesar Revorêdo na Funcarte. (Ou como vocês acham que a música baiana, só para citar um exemplo, se tornou tão conhecida senão primeiro dando visibilidade aos seus artistas lá mesmo?)
Enquanto isso, artistas gaúchos, cearenses, pernambucanos, mineiros, cariocas, paraenses, goianos, e lá vai fumaça, sobrevivem dignamente – mesmo que com esforço e suor – em seus próprios estados, graças à exposição na mídia local, que acaba atraindo a atenção do resto do país. A partir dali o que vier é lucro. Como disse o já citado jornalista Laurence Bittencourt, os Beatles já eram fenômeno de popularidade na pequena Liverpool antes de conquistarem Londres e depois o mundo. E por quê? Porque nos anos 60 os “liverpoolienses” já tinham uma auto-estima musical sem se sentirem inferiores aos artistas americanos. E acabaram conquistando os States com a famosa “invasão britânica”.
Talentos diversos à parte, tenho ouvido tanta gente talentosa por aqui (como ouvi nos anos 70 e 80, e tive a oportunidade de levá-los para gravadoras do “sul-maravilha”) que seria uma injustiça citar nomes e esquecer outros, novos ou nem tanto, com trabalho autoral próprio e dos mais variados gêneros. (Ao contrário do que disse o ex-diretor da Funcarte: “No Rio Grande do Norte não temos grandes intérpretes”. E digo: “Por que no te callas?” (copyright by Rei Don Juan da Espanha, em resposta ao bufão Hugo Chavez).
E o distinto público potiguar, não vai se tocar? Que tal uma autocrítica? Vamos apenas descansar no berço esplendido das dunas, mãe e sol, ou vamos exportar nossa música?
(Se isso fosse tão impossível, este que vos escreve agora não teria lançado um CD há poucos dias nos Estados Unidos e Europa.)
Muitos artistas potiguares já têm seus fãs e merecem mais exposição nas rádios e TVs do estado, sem favores e sem jabás. Pois a imprensa escrita bem que dá uma força, espontaneamente. Quem sabe poderemos reverter a famosa e ainda atual frase do genial Mestre Câmara Cascudo, que dizia que “Natal não consagra ninguém”? Ele iria gostar dessa reversão! Até para que não tenhamos que achar que é mais fácil a agulha entrar no c... do camelo (não do Marcelo, é claro!) do que o artista potiguar entrar no reino dos céus dos super-astros. Amém! [Leno Azevedo]



PROSA
“Musa, canta os poetas e escritores de todos os tempos, idades e temperamentos.
Câmara Cascudo
História da cidade do Natal
VERSO
“E tudo é sombra quando
a volta não é o que já foi”
Carlos de Souza
“Cachorro magro”

sexta-feira, 20 de março de 2009

Memórias de um velho com memória

É hoje o lançamento das “Memórias” de Eloy de Souza.
Do tempo em que político local sabia ler e escrever.
(Que ninguém vista a carapuça, pelamor de deus.)
Na mesma onda e fornada, seguem as segundas edições de mais três livros de Octacílio Alecrim – “Ensaios de literatura e filosofia”, “Fundamentos do standard jurídico” e “O sistema de veto nos EUA”.
Há quem diga que, ao contrário de “Província submersa”, esses três não assim nenhuma Brastemp.
Essencial, sem dúvida alguma, é o “Província submersa”. Que teve a segunda edição lançada num evento semelhante, coisa de ano atrás, na mesma província de hoje: Macaíba City. Terra de Alecrim. E de Auta de Souza e Henrique Castriciano. Eloy de Souza foi o único dos irmãos a nascer no Recife. Lembram? Publiquei por aqui o início do seu memorial: “Nasci a 4 de março de 1873 no velho sobrado de azulejos, situado entre a Tamarineira e Mangabeira de Baixo...” Etc. etc.
Como conta Cascudo na apresentação, Eloy de Souza era já um – com o perdão da palavra para os ouvidos e olhos dos que rezam pela cartilha do politicamente correto – “velho”, quando se decidiu a escrever o que viveu. Besteira. Ele mesmo, salvo engano, queria botar no título: “Memórias de um velho”. Parcialmente ditado por um Eloy já octogenário e datilografado por um Cascudo ainda cinqüentão, “Memórias” teve seu lançamento somente no ano de 1975, pela Fundação José Augusto.
Pois é. A Fundação.
Cascudo conta que as últimas páginas narradas pelo velho Eloy estavam “molhadas de angústia” – “Pelas cicatrizes sentimos o alcance do sofrimento ao receber os golpes inesperados na velhice errante e pobre, buscando a saúde fugitiva.”
Pobre? Como assim, Cascudo?
Afinal, Eloy de Souza foi deputado estadual e federal, líder do governo, senador aos 41 anos. Ah! E jornalista, também, ainda por cima (ou por baixo). Enquanto político manteve relações com Afrânio de Melo Franco, Olegário Maciel, Rodrigues Alves, Afonso Pena, Getúlio Vargas.
Quando Vargas esteve em Natal, durante a interventoria de Mário Câmara, Eloy, como oposicionista, escreveu no jornal A Razão que “nunca havíamos subido as escadas do Palácio e nem jamais subiríamos, nós do Partido Popular, para lhe pedirmos qualquer favor de natureza política ou administrativa. Dele só queríamos e reclamávamos o respeito aos nossos direitos e liberdades.”
Pois, morreu pobre.
*
IMPRESSÃO
Os quatro livros serão lançados hoje à noite, 20h, na Casa de Cultura de Macaíba. O senador Garibaldi Alves Filho deve estar presente, dividindo as honras da casa com o Dr. Olímpio Maciel, grande figura interessada na preservação das memórias de todos nós, potyguares.
Ah. Os livros saem em parceria com a Gráfica do Senado. Tempos de Agaciel.
BICHOS & ETC.
O fim-de-semana no Orla Sul promete eventos para agradar gregos e baianos: domingo, pois, tem o “Domingo Animal”, no estacionamento do shopping, das 11h às 16h, reunindo amantes de animais e profissionais da área – a jovem e a velha guardas podem levar seus bichinhos e trocar umas idéias com criadores, adestradores, veterinários, fabricantes de produtos etc.
Mas passem longe da “Expo Tuba” – vai que os tubarões e peixes exóticos da mostra se agradem de vossa estimação em quatro patas e rabinho balouçante.
Já os exóticos esotéricos podem dar uma espiada na “Feira Mística” – além de consultar os búzios e as cartas, as mocinhas podem embarcar na moda indiana.
Se nada disso lhe agradar, tem a clássica exposição de artes plásticas, com telas de 24 pintoras deste Ryo Grande – na Galeria de Artes.
ÍNDIA
Falando em Índia, depois de “Caminho das Índias” (Globo), “Quem quer ser um milionário?” (Cinemark e Moviecom), a terra de Gandhi é tema de evento da Casa do Bem – a se realizar dia 28, e que, claro, se chama “Índia do Bem”.
Tudo muito espiritual, mas nem por isso desprovido de “lucro” – que será destinado às obras da própria Casa.
O ingresso custa R$ 15, e dá direito à feijoada (vegetariana), saladas, sucos e sobremesas, além de apresentação de capoeira e exibição de filme. No final, rola uma “cantoria de mantras”.
O evento acontece no paradisíaco Vale do Pium, pertinho desta Capital, e mais informações vocês obtêm no local – a Casa de Yoga Sãdhana Pãda. Que, sim, tem celular: 8899.0619.
ÍNDIA II
Mudando de Índia para índia, sei lá por que, me veio em mente Perla.
E Perla cantando: “Índia seus cabelos nos ombros caídos/ negros como a noite que não tem luar”.
Perla, salvo engano, vez por outra aparece nos blogs locais, dançando com os políticos. Locais.
PÊ-BÊ-CO
Bem que Julio Cesar Pimenta poderia convidar a cantora paraguaya para os shows especiais que rolam durante a quarta edição do Festival MPBeco (segunda quinzena de maio).
As inscrições começam hoje.
Não vai ser por falta de com quem falar que vocês não conseguirão mais informações: 8842.7101, 9177.1713, 9416.8016 e 9906.8740.



PROSA
“Natal ainda naquele tempo era uma cidade aldeã em que o prazer de todo mundo era receber e dar ‘bom dia’ e boa noite’ reciprocamente.”
Eloy de Souza
Memórias
VERSO
“Senhor! Por que me fizeste
Com esta dor que me assombra?”
Henrique Castriciano
“O cipreste”

quinta-feira, 19 de março de 2009

Mais notas de quinta

ESSES MOÇOS
Num dia 19 como esse (como esse é modo de dizer, claro, vai saber se chovia e fazia sol quase que ao mesmo tempo), nascia Joaquim Fagundes. Faz um bocado de tempo: 153 anos. Fundou a revista Echo Miguelino.
Folheando “A imprensa periódica no Rio Grande do Norte”, de Luiz Fernandes, sabemos que era uma revista de oito páginas, “literária, filosófica e instrutiva”. Saiu em 1874. Fagundes tinha, então, 18 anos. E escrevia assim:
“A mocidade natalense dormia e aferrada de tal modo que o maior estrondo não podia despertá-la; sepultada no remanso da indolência, ninguém podia arrancá-la do letargo, chamá-la a si; e, presa pelas algemas da ignorância, era difícil fazê-la compreender o verbo da liberdade.”
Quase século e meio depois a moçada potyguar continua deitada em berço esplêndido, sono eterno. O estrondo do forró embalando todos.
Não por desejo do visionário Fagundes. Lá pela segunda metade do século 19, juntou sua tropa e fundou a Sociedade Miguelina. E o Echo. Os jovens de antão, “romeiros do porvir”, acreditaram que estavam acordando, por fim, do letargo, libertando-se da indolência, quebrando as algemas da ignorância.
A revista não durou cinco meses. Mas os meninos conseguiram publicar oito edições.
Hoje as revistas duram até mais tempo, às expensas do erário, mas com uma periodicidade rara, rala, e fraca.
PERIGO
A propósito de revistas – e com o perdão do trocadalho –, é iminente a publicação da edição única da Perigo Iminente, comemorativa dos 100 anos da célebre conferência de Manoel Dantas, “Natal daqui a cinqüenta anos”.
Mas, ao contrário do que noticiou a imprensa ontem, o perigo da revista não sair não é exatamente por falta de grana pro coquetel – mas para a impressão, mesmo.
Ricamente ilustrada por artistas como Afonso Martins, J. Medeiros e Joca Soares, os custos da gráfica são, no momento, o calcanhar de Aquiles dos editores Flávia Assaf e Adriano de Sousa.
MISÉRIA
Vivendo e aprendendo: para quem – como o sobrescrito – pensava que Amaury Jr. era único e indivisível – especialmente pelos lados de Dubai – tem um outro Amaury Jr. na City.
Só que assina por extenso, o nosso Amaury Júnior – que é, inclusive, o novo coordenador do Espaço Cultural Francisco das Chagas Bezerra de Araújo, o “Chico Miséria”, Zona Norte desta Capital.
Novo, forma de dizer: desde janeiro na função, Amaury Júnior já identificou a necessidade de algumas reformas estruturais – na pista de skate, na quadra de basquete e no campo de futebol. Prometeu realizar todas. Vamos cobrar. Os moços de hoje deviam cobrar.
O Espaço fica aberto de segunda a domingo, das cinco da manhã às dez da noite.
ABS.
As exposições “Da permeabilidade do belo”, e “Cartografias do afeto”, seguem abertas até amanhã, 20 de março.
Enquanto da primeira participam 29 artistas, a segunda é obra de um artista só: Wendel Gabriel, que provocou a interação de pedintes nas ruas da City – em vez de pedir esmola, os esmoleres davam uma flor em troca de abraços. Wendel fotografou os câmbios e intercâmbios sociais e humanos.
(Eu jurava que a palavra correta era “esmolé” – daí que fui ao Houaiss e aprendi: esmoler.)
NEWS
Apesar dos pesares a lista dos 29 artistas permeáveis ao belo tem lá seus méritos: mais da metade deles surgiu nesta última década.
A renovação – feito a fila – tarda, mas anda.
VIOLINO, VIOLÃO, PIANO
Como a Cidade dos Reis Magos é diferente e moderna do restante do Brazil e do mundo, o projeto Música nos Museus – itinerante, nacional – acontece, amanhã, 20h, no Teatro Alberto Maranhão.
A apresentação principal fica com o Duo Milewski, formado pelo casal Jerzy Milewski-Aleida Schweitzer, ele violinista polonês, ela pianista brasileira.
A abertura corre nos dedos do violonista Alexandre Atmarama, criador da técnica Imalt e professor da Escola de Música da UFRN.
Os ingressos, grátis, podem ser retirados a partir de hoje na bilheteria do TAM.
PARA QUEM PRECISA
Os vereadores desta Capital andaram discutindo esta semana a saúde (física e mental) dos policiais militares.
Em boa hora. Policiais e professores são duas categorias especialmente relegadas a um plano bem inferior ao que se deve. Ou deveria. (Os médicos também, mas estes parecem gritar mais e, portanto, são mais freqüentemente ouvidos – se não atendidos, ao menos ouvidos.)
A começar pelos salários, mas não apenas. Muito baixos para quem empunha uma arma ou uma caneta.
A elite branca – na qual me incluo – acostumou-se tanto a “pagar por fora” (saúde, educação, segurança), que acha que o problema não é dela (nosso).
BLOG
João Batista de Morais Neto deve embarcar, logo, logo, na blogosfera: Blog de bordo é o nome, por enquanto.
KIDS
A Martim Fontes vai publicar “Forever young”, livrinho para crianças escrito por Mr. Robert Zimmermam, aka Bob Dylan.
(Eu disse “livrinho”?)
DREADLOCKS
Charada da vez: o reggae está em alta.
Raaaas-tafarí.



PROSA
“A vida é só isso. A merda é que quando a gente começa a compreender as coisas, já não tá entendendo mais nada.
Alex Nascimento
Quarta-feira de um país...
VERSO
“É mais fácil esconder um crime
Do que uma paixão.”
Alex Nascimento
“Eternamente inverno”

quarta-feira, 18 de março de 2009

Alegrias e tristezas das cidades

Sexta-feira passada não foi apenas uma sexta qualquer. Não foi apenas uma sexta, 13. Não foi, tão pouco e tão somente, véspera do Dia da Poesia, com suas desmedidas comemorações.
Sexta-feira passada foi também aniversário de Moacy Cirne. Que se mandou para a sua Caicó, comemorar como se deve. No início da semana ele já anunciava (à jornalista Sheyla Azevedo, ao poetelétrico Carito, ao sobrescrito, enfim), que tinha esse desejo. Proclamado numa mesa da Confeitaria Atheneu surrealisticamente coalhada de latinhas refrigerantes, poema concreto do absurdo.
Ainda mais porque antevia chuva. E a sua Caicó sob chuva era uma atração ainda mais irresistível para esse sertanejo carioca.
Daí que, no domingo passado, ainda na antiga Vila Nova do Príncipe, já deitava no seu blog, o Balaio Porreta, a emoção do reencontro. E a tristeza do reencontro. Alegria, tristeza e reencontro que valem para qualquer um que ame sua cidade. Não é preciso nem partir, nem voltar – embora para os exilados mais ou menos temporários os olhos alcancem lonjuras além do hábito de quem fica e acostuma-se ao ritmo vertiginoso ou não das transformações urbanas.
Troque o nome de Caicó pelo da sua cidade que o texto de Moacy é universal. Pois:

“Caicó sempre emociona. Reencontrá-la sob um céu cinza-chumbo-alumbramento prenunciando a chuva (que viria à noite), alegria maior do sertanejo, não é para qualquer (sobre)vivente. Sim, é verdade, ainda sou capaz de ver a Caicó de hoje com os olhos da criança – e do adolescente – que fui nos anos 50. Suas pedras, seus serrotes, seu casario, suas águas, suas ruas, seus becos, seus mistérios, suas alumbrações. E suas mulheres. E seus doidos. E suas cercas de pedras. E seu seridoísmo. Ainda existirá a Caicó do meu tempo? Cadê o Cinema Pax? Acabaram com ele. Cadê a Praça Dr. José Augusto. Acabaram com ela. Cadê a Festa dos Negros do Rosário? Ao que consta, sumiu do mapa. E curto é o caminho que vai da alegria à tristeza.
“A destruição do nosso espaço visual urbano não começou hoje, é preciso reconhecer. O poder público em Caicó (assim como a sua elite econômica) é criminosamente insensível em se tratando do patrimônio histórico-arquitetônico da cidade. Nos anos 80 do século passado, permitiu a destruição do belo casarão que, na Praça da Liberdade, abrigara, no final do século XIX, a redação d'O Povo, primeiro jornal republicano do Estado. E agora, para completar, está reformando de maneira absurda o Mercado Público, inaugurado em 1918, desfigurando quase por completo a sua tradicional fachada. Assim como está desfigurando a Praça Dr. José Augusto, que de praça não tem mais nada. Em nome de um discutível ‘progresso’, já há vários espigões que enfeiam a nossa Queicuó. Será que, mais cedo ou mais tarde, o poder público ousará destruir a Praça da Matriz? Ou o coreto da Praça da Liberdade?
“Pobre Caicó! E pobre da cidade que não preza (e não conhece) sua própria história. É o caso de se perguntar: cadê a “caicocidade” de sua gente?”

*
VAMPIRE
Depois de derrotar George Bush Jr., o black Barack Obama enfrenta páreo mais duro: a escritora Sthephanie Meyer (“Crepúsculo”, sobre vampiros adolescentes) concorre com o presidente afroamericano na categoria melhor autor de 2008 no British Book Awards.
RECORD
Os potyguares que estrearam Las Vegas como destino chic este ano, tirem o cavalinho da chuva: o eterno ex-beatle Paul McCartney inaugura uma casa de espetáculos num cassino local, em abril. Mas os ingressos já se esgotaram. Gastaram mais ou menos o tempo de ler esta nota: sete segundos.
DOWN
Que Lauro Jardim que nada! Enquanto o jornalista da seção Radar da revista Veja criticou a senadora Rosalba (por ter pedido um voto de aplauso à Rede Globo), a The Economist publicou um artigo elogiando as novelas da emissora como influência positiva na vida nacional.
Para a revista inglesa, entre os efeitos das novelas estão a diminuição no número de filhos e o aumento no número mulheres que buscam o divórcio – que, por tabela, e segundo estatísticas, resultariam em menos casos de violência doméstica.
Além do exemplo prático de ascensão social.
A Rosa Mossoroense justificou ao blog de Thaisa Galvão seu voto de louvor: através da novela “Páginas da vida”, a Globo ajudou a combater a discriminação aos portadores de síndrome de Down.
LIQUIDIFICADOR & CALOTE
Dois adendos aos Dias da Poesia versão Zero-Nove: destaque para Michele Régis (Os Poetas Elétricos) incorporando uma versão de “Simpathy for the devil” (Stones) numa mistura pra lá de original – no corpo e voz da mocinha baixaram Freddie Mercury, Amy Winehouse e Frank Zappa. (E olha que eu tava na segunda cerveja.)
O outro adendo é que o poeta Falves Silva está pê da vida: ainda não recebeu a grana de um seminário do projeto “Acervo em movimento”. Quem deve, não nega e paga quando puder é o Cedoc – Centro de Documentação Cultural Eloy de Souza. Ou seja: Fundação Zé Augusto.




PROSA
“Isto – quem é que não sabe? – é o Progresso. Mas que desolação, que confusão! Quando é que viveremos numa cidade pronta?”
Mario Quintana
Da preguiça como...
VERSO
“argamassa mutante
que institui a construção do agora.”
Paulo de Tarso Correia de Melo
“Prefácio lírico...”

terça-feira, 17 de março de 2009

Dias de poesia

Foi uma verdadeira odisséia o Dia da Poesia neste dois mil e nove, que conste nos autos.
Nem o seu maior homenageado, o poeta Volonté, cuja fama de peripatético já conquistou até as colunas sociais, agüentaria bater a City nestes dois, três dias de festa (estranha), circo (mambembe), pão (dormido).
Pois, por absoluta e profícua proliferação de poetas neste Ryo Grande, as comemorações tiveram de ser divididas em bem mais que as clássicas vinte e quatro horas – Jack Bauer não daria conta do recado.
Quanto a mim, conto apenas o que vi.
Mas, por que não? também o que não vi. A começar pelo café-da-manhã, tradicional forra-barriga por estes terreiros e tabuleiros de famintos. Soube que o da Funcarte, municipal, marcado para as 7h30 da madrugada, lá pelas 9h ainda não tinha sido servido. Da “Alvorada Poética” [sic], estadual, ambientada no fantástico cenário da Fortaleza dos Três Magos, de nada ouvi falar.
Também no pouco que vi, não vi nenhum político. Por onde passei não enxerguei sombra, nem de ex-prefeitos, nem de prefeitos, nem governadores, nem governadoráveis.
Vi, é certo, a figura miúda do deputado Fernando Mineiro. Me pareceu mais franzino que de costume. Lá pelo Beco da Lama. Onde também flanava o ex-vereador Hugo Manso. O deputado Mmineiro (com maiúsculas e minúsculas, como se verá, súbito) saiu cedo, muito mineiramente, aliás, pois. Disse que voltaria pro show (literalmente show, em inglês mesmo) do arremedo de matuto, Jessier Quirino.
Eu desconfio que Mineiro não estava muito à vontade com o entrudo apoiado pela Fundação Zé Augusto na lama do beco. Mas isso é só uma impressão. Saca aqueles palhaços que ficam pastorando os carros nos semáforos e nas faixas de pedestres? Pois, arrumaram um magote deles, botaram-lhes um microfone nas mãos e haja falação travestida de versos e homenagens aos poetas e à poesia.
Eu sabia que cultura & letras nesta terra eram e são motivos de piadas. Agora o negócio tá oficializado.
E entronizado pela Fundação Zé Augusto, que ainda por cima e por baixo, na carência de projetos próprios, pegou carona na Samba – Sociedade dos Amigos do Beco da Lama e Adjacências. Num evento, aliás, há muito bancado, gerido e gerenciado pela Samba. Há anos, séculos, milênios. Em que consiste o evento? Em nada, apenas em se reunir ali pelos arredores de Nazaré, bar, restaurante, transversal do tempo, encher a cara, falar mal de um, bem do outro, bradar alguns versos retumbantes e acender mais umas velinhas ao velho culto à marginalidade, um tico de rebeldia, outro tanto de autocomiseração.
Pois, ficou a FJA – a vaca sagrada das instituições culturais deste Ryo Grande – com as Adjacências.
PREÁS NA CADÊNCIA DO SAMBA
Descobri, também, que lá pra maio, mês das noivas e das mães, vai ter eleição pra Samba. Uma das chapas tem como vice-presidente Abimael Silva, presidente Augusto Lula, marqueteira Daniele Brito. O sebista e editor encarnado não tá nem aí pra política de boas-vizinhanças às vésperas da campanha eleitoral. Campanha, esta, aparentemente mui sintonizada com este Brazil-brazileiro: se não é exatamente um mar de lama, que seja um beco, com o perdão do trocadilho.
Reclamou, o Silva, de um bocado de coisas sobre a gestão da FJA, aliás, FZA, com as quais, quase todas, concordou o sobrescrito. A revista Préa, por exemplo, lançada ao meio-dia, sol inclemente, já tinha acabado lá pelas duas da tarde. Reclamou ele. Reclamei eu. Reclamamos nós. Tantos exemplares em policromia e quede a distribuição? Lá pelas quatro, Mary Land Brito, editora, arrumou umas cópias. Para poucos e bons, como reza um colunista, o que contraria o espírito democrático da coisa.
Não vou dizer que seria melhor que não arrumasse, que gosto de Mary Land por demais. Mas, vamos e convenhamos: a edição de número 21, janeiro e fevereiro deste ano, é uma vergonha.
Antes, uma mergulhada no túnel do tempo, pra ninguém se enganar com os números altos: a atual gestão da FZA publicou, em dois anos, três preás: a primeira em maio de 2008, as outras duas, agora, 14 de março de 2009.
Da número 20 me abstenho de falar muita coisa, que tá marrom: marromeno. E segue a cartilha pautada pelo antigo editor, Tácito Costa.
A número 21, insisto, é uma vergonha. Ainda mais porque se diz “edição especial”. Ainda mais porque chama na capa para supostos “avanços da cultura” neste Ryo Grande.
São 76 páginas (contra 90 das edições anteriores) de auto-louvações, explicações, desculpas de amarelo. Lá pras tantas um artista plástico, poeta e produtor cultural, faz coro com o coro dos contentes: “Não se arruma uma casa num estalar de dedos, é preciso tempo para se pôr cada objeto em seu lugar. Penso que dois anos é muito pouco para se colher os frutos desejados.”
Ora, mas que essa: dois anos é metade de um mandato governamental ou muito me engano?
Tem mais, muito mais. Mas fico com a página dedicada à Gráfica Manimbu: o texto diz que foram impressos 20 mil cordéis, publicados dois (!) livros e seis (!) “estão em fase de conclusão”. Só não informa, nem diz, nem bota uma fotinha da capa de nenhum deles. Que dois livros foram esses? Quais e quantos exemplares de cada um dos cordéis? Mais: diz que o número de impressos da gráfica chega aos 750 mil – botou na conta bilhetes do TAM, do TCP, cartazes e folders para grupos artísticos. Tirando os 20 mil cordéis, os dois mil exemplares dos livros (calculando uma grande edição, para os padrões locais, de mil, cada), restam 728 mil – ingressos? Cartazes? Opúsculos?
Como bem lembrou Abimael Silva (por sinal ele me confirmou que todos os livros que aparecem na foto da página dedicada à Manimbu são editados pelo Sebo Vermelho), por muito menos os artistas nativos promoveram a lendária “Passeata do Bode”, durante a gestão Woden Madruga – “Só porque ele remanchou um pouco”, lembra Abimael, acrescentando, “e hoje ninguém faz nada para protestar?”
Fica a pergunta no ar. E as Preás impressas. Para a posteridade da vergonha.



PROSA
“Dizem que ‘quem não tem vergonha todo o mundo é seu’; a verdade, porém, é que quem não tem vergonha é que é de todo o mundo.”
Barão de Cotegipe
O Brasil anedótico
VERSO
“Cansei de abrir a caixa de milagres
e não haver poesia lá.”
Adriano de Sousa
“Ofício”

segunda-feira, 16 de março de 2009

Endereços

Houve um tempo em que morei numa fazenda.
Houve um tempo em que morei à beira-mar.
Houve um tempo em que morei vizinho a uma fábrica abandonada.
Houve um tempo em que morei bem próximo a uma estação de trem.
Na fazenda havia cães, gatos, vacas, cavalos.
À beira-mar havia peixes. Conchas. Estrelas-do-mar.
Na fábrica não havia nada, abandonada e fechada que estava.
Na estação chegavam trens, e dela partiam trens.
Os trilhos se cruzavam aqui e ali e quanto mais próximos do prédio principal estavam, mais se multiplicavam. Quanto mais se afastavam, mais diminuíam em número e ilusão geométrica, até que só restavam dois.
O pátio da fábrica restava vazio a qualquer hora do dia. Das enormes portas esperávamos que uma multidão, uma turma, alguém, entrasse ou saísse. Mas ninguém entrava. Ou saía.
Além dos peixes e das conchas e das estrelas-do-mar, na praia havia gente, crianças brincando. Quando a maré era alta, as pessoas se concentravam, os pés batidos pelas ondas. Quando baixa a maré, a gente se dispersava na faixa larga de areia úmida, como formigas e migalhas num tapete líquido.
Muitos caminhos levavam à fazenda. Algumas veredas. Terra batida e pó de estrada. Vez ou outra o silêncio era quebrado pelo motor de um caminhão, a boléia sacudindo rumores metálicos.
Um dia, a gata mais peluda correu atrás de um rato grande: era um timbu.
Um dia veio dar à praia uma lata de detefon, com escritas japonesas.
Um dia, na fábrica abandonada, nada aconteceu, como em qualquer dia.
Um dia eu me despedi de alguém na estação de trens e foi uma dor tão grande e insuportável que me acompanhou até a última estação, duas horas depois. Tão grande e insuportável que nem sei dizer.
Houve um tempo em que morei numa casa com jardim nos fundos.
Houve um tempo em que morei numa casa com jardim no alto.
Houve um tempo em que morei numa casa com jardim por todos os lados. E um quintal nos fundos.
Houve um tempo em que morei numa casa sem jardim algum.
No jardim dos fundos, na parede do canto, estavam duas velhas bicicletas, do tempo da guerra. Uma, modelo masculino. A outra, modelo feminino.
Ainda me lembro do meu cão de raça, preto e pelo curto, saltando os dois níveis do jardim, na casa com jardim por todos os lados.
Não me lembro de nada que possa ser associado a plantas, animais, ou bicicletas, na casa sem jardim algum. Minto: havia uma praça em frente, e ainda posso vê-la buscando o equilíbrio sobre as duas rodinhas, os dentes da frente perdidos. Mas posso estar inventando, esta memória que é ficção.
Houve um tempo em que morei numa casa com mais cinco pessoas. Até que elas foram sumindo, uma a uma. Até restarem somente duas.
Houve um tempo em que morei numa casa com mais duas pessoas. Uma delas se dividiu numa terceira e então éramos quatro.
Houve um tempo em que morei numa casa com mais uma pessoa. A outra, que não era eu, se dividiu numa segunda pessoinha e então éramos três.
Houve também um tempo em que morei num apartamento com mais quatro pessoas. Eu era a quinta, o último a chegar, o visitante. O meu quarto era pequeno e na parede colei um pôster de Roberto Benigni abraçando e beijando furiosamente Nicoletta Braschi.
Houve um tempo em que comíamos numa mesa com as extremidades abobadadas.
Houve um tempo em que comíamos numa mesa reta.
Houve um tempo em que comíamos numa minúscula mesa próxima à janela.
Houve um tempo em que comíamos numa mesa de vidro, sempre marcada de pó.
Quando uma das vacas pariu lhe deram à filha o nome de Caçula.
Quando eu ficava a sós, na casa do alto, próxima ao céu, eu gostava de cuidar das plantas nos vasos. Eu me preocupava se sentiam frio. Mais que o calor, era o frio que me angustiava os olhos, refletindo folhas, raízes, adubo.
Quando eu voltei para uma das casas, muitos anos depois, não encontrei mais meu quarto de dormir.
Quando entramos no apartamento abandonado, encontramos um mural retratando a Praça Vermelha de Moscou numa das paredes. Permanecemos juntos, por algum tempo, olhando o mural. Depois, o cobrimos de tinta branca, e ele desapareceu.
Houve um tempo também que eu já não sabia onde morava. Nem com quem morava. Até que me descobri só. Eu poderia acrescentar um “tristemente só”, mas não estaria contando tudo. Eu poderia acrescentar um “felizmente só”, mas estaria mentindo também.



PROSA
“Jai Singh sabe que somente sendo a água deixará de ter sede.”
Julio Cortázar
Prosa do observatório
VERSO
“Fechai a casa toda vós todos que estais dentro de casa.”
João Lins Caldas
“A casa nos conta...”

domingo, 15 de março de 2009

Adivinhe quem vem para o café-da-manhã: Carlos e Fred Sizenando

[Cultura 140309 sábado]

Os irmãos natalenses Carlos e Fred Sizenando Rossiter Pinheiro ao relembrarem as histórias contadas pelo pai, encontraram a fonte de inspiração para escreverem, juntos, o primeiro livro, que deve ser lançado até maio de 2009. Quem quiser maiores informações pode ligar para o 3201.0111, preferencialmente à noite.

DOS BONDES AO HIPPIE DRIVE IN
A idéia inicial, que nos conduziu à concepção deste livro, surgiu do nosso desejo simples de registrar e compartilhar, com amigos e parentes, as histórias e fatos pitorescos envolvendo o cotidiano de pessoas da cidade do Natal, narradas pelo nosso pai, João Sizenando Pinheiro Filho. Papai era funcionário público e foi auxiliar direto do então tenente Ernesto Geisel quando este atuou como secretário geral e chefe da polícia do estado em 1931. Foi remador do Centro Náutico Potengi e viveu quase um século na capital do Rio Grande do Norte, convivendo com figuras humanas que caracterizaram a alma da nossa província. Papai era um apaixonado por Natal, sempre circulava na Ribeira e no Grande Ponto para conversar com velhos amigos. Tinha um bom acervo de jornais e fotografias antigas. Ainda crianças, nós o acompanhávamos, com especial interesse, embora nossa maior motivação, à época, fosse mesmo a passagem pela Agência Pernambucana de seu Luiz Romão, localizada na Ribeira, onde papai era obrigado a comprar nossos gibis.
Naturalmente, o projeto inicial evoluiu e passamos a enveredar também pelos períodos em que nós mesmos vivenciamos ou participamos da história.
Como na música de Oswaldo Montenegro, fizemos um esforço de memória para fazer uma lista de nossos amigos mais próximos, desde a infância até o período inicial na universidade. A partir desta lista, reencontramos alguns deles e passamos a recapitular detalhes da nossa infância e juventude. Também pesquisamos nos jornais, livros e revistas e entrevistamos pessoas que viveram em Natal em períodos marcantes.
O resultado disso tudo é o livro “Dos bondes ao Hippie Drive In”, onde tentamos abordar de forma leve e curiosa a evolução do cotidiano da nossa cidade cobrindo o período de 1915 até 1975. As mais de 350 fotografias inseridas – com contribuição de diversos colaboradores – consolidam o diferencial da publicação. Gostamos de repetir para nossos amigos que será um “livro pop”, quase um almanaque.
São sete capítulos, cada um contendo uma média de dez textos distintos: “Natal dos Bondes”, “Natal dos vôos transatlânticos e dos primeiros cinemas”, “Natal dos comunistas e dos americanos”, “Natal dos nossos pais”, “Natal da nossa infância”, “Natal dos gibis e do cinema Rex” e “Natal Pop”.
Na parte inicial é abordada a cidade no início do Século XX quando os bondes puxados a burros começavam a ser substituídos pelos bondes elétricos.
Figuras populares que caracterizavam o dia a dia dos anos 20 e 30 são descritas com apresentação de causos. As inaugurações do Estádio Juvenal Lamartine, do Cais do Porto e do primeiro sinal de trânsito na cidade são descritas e documentadas com fotografias.
Um capítulo especial cobre a história do cinema em Natal, desde a primeira exibição em um depósito de açúcar na Ribeira, no final do século XIX, passando pelas exibições do Polytheama e Royal Cinema.
Na sequência, os vôos transatlânticos dos hidroaviões provenientes da Europa e Estados Unidos, a recepção, os aviadores pioneiros. O incrível “raid” Natal-Rio numa pequena iole, os antigos carnavais, o surgimento da telefonia e as primeiras obras de saneamento da cidade, também são relatados.
Segue ainda o Levante Comunista de 1935, a vida em Natal durante a II Guerra Mundial, a Natal de Djalma Maranhão, o programa “De pé no Chão também se aprende a ler”, a participação da “Aliança para o Progresso” no governo Aluísio Alves, a revolução de 64, com destaque para as agitações dos estudantes do Atheneu.
Quem viveu os anos 50 e 60 em Natal vai se deliciar ainda com as crônicas envolvendo nossas recordações sobre a infância na Cidade Alta, Praça Pedro Velho e Jardim de Infância Modelo. Destaque especial para os jovens “cientistas” da Rua Felipe Camarão, que montavam pequenos foguetes para serem lançados na Praia do Forte e em Mãe Luíza.
No capítulo “Natal Pop” cobrimos principalmente os efervescentes anos 60 e 70, a geração “paz e amor”, o primeiro biquíni, a Sociedade Cultural Brasil-Estados Unidos (SCBEU), os primeiros surfistas, a agitação dos festivais de música Popular. Destaque maior para a história do Rock em Natal, com muitas curiosidades – como o Irmão Marista que financiou a primeira banda da cidade – e os principais conjuntos que fizeram a trilha musical de toda uma geração.
Aqueles que conheceram Jerônimo o Herói do Sertão, o Cinema Poti, as tartarugas da Praça Pedro Velho, o Sebo de Cazuza, as matinês no ABC, as “Anastomoses” no América e o “Hippie Drive In”, certamente não deixarão de se emocionar. E irão relembrar não apenas os fatos narrados, como também inúmeros outros momentos que facilmente se acenderão em suas mentes como um simples duplo clique para acessar algum arquivo de computador. [Carlos e Fred Sizenando]



PROSA
“Do passado, é minha infância que mais me fascina; somente ela, quando a olho, não me traz o pesar do tempo abolido.”
Roland Barthes
VERSO
“E sou do tempo
em que os seres riam”
João Gualberto
“E sou do tempo”

sexta-feira, 13 de março de 2009

Notas com e sem poesia nas vésperas do seu dia

PRÊMIO
Se eu fosse um caba chato e metido estaria escrevendo por aqui: “Foi só aparecer nesta coluna [sábado passado] que Renan Rêgo logo foi indicado ao Prêmio Abril de Fotojornalismo”.
Besteira, tudo mérito do rapaz, que viajou para Roraima, com o então cunhado Rodrigo Levino, e juntos publicaram uma matéria na Playboy (junho do ano passado), sobre o conflito na reserva Raposa Serra do Sol.
É o primeiro passo para entrar no rol dos mais premiados da editora Abril – que inclui muitos fotógrafos, entre eles J. R. Duran, Pedro Martinelli e Orlando Brito.
Enquanto isso, vale o registro: mais de um ano depois de ceder este espaço ao sobrescrito, não são poucas as leitoras que continuam saudosas de Levino.
TOUR
Com músicas de Villa-Lobos, o grupo musical carioca Quadro Antiquo faz apresentação amanhã, às 20h30, na Igreja do Galo, a mais bonita da City.
Quem não conhece a Igreja do Galo e o Convento Santo Antônio, corra que vale à pena. Amanhã ou qualquer outro dia.
Depois de rezar, acender uma vela, deitar fora uma confissão básica, aproveite e vá dar uma flanada pelo Beco da Lama.
Ao passar pela estátua do Padre João Maria, na praça homônima, acenda uma velinha pro santo, também. Eita: nem sei se o homem é santo. Mas já me disseram que faz milagre, sim senhor.
Ah! E se forem ao show do Quadro Antiquo não se esqueçam de levar o clássico um-quilo-de-alimento-não-perecível.
INSTANTE
Os embalos do sábado à noite no Praia Shopping (amanhã, claro) homenageiam as mulheres e fazem um mix com o Dia da Poesia: além de Michelle Lima, às 21h, tem Ivando Monte cantando alguns poemas musicados por Fagner.
Há de cantar, indubitavelmente, “Motivo”, que já se inicia definitiva: “Eu canto porque o instante existe”.
E que finda ainda mais objetiva: “E um dia sei que estarei mudo/ – mais nada.”
Cecília Meireles, claro.
AC/DC
Os Poetas Elétricos, acompanhados de Gabriel Souto e do VJ Júlio Castro, fazem show no Largo da Ribeira nesta véspera do Dia da Poesia, dentro da programação da Funcarte, às 18h. Uma hora antes, sobe ao palco Mirabô. Depois, Carcará na Viagem, Agregados do Rap, repentistas etc.
Antes, bem antes, 7h30 da madrugada, tem o tradicional café com poesia. Na Capitania.
E amanhã tem uma “alvorada poética”, bem tardinha pra ser uma alvorecer, mas, tudo bem, coisas da Fundação Zé Augusto: 8h, sol já alto, esquentando as paredes do Forte dos Reis Magos.
Tem tanta coisa rolando em nome da Poesia que os senhores e as senhoras vão me desculpando, mas imagino que nesta e em outras folhas a programação completa há de ser mui bem divulgada.
Mas, impossível não perceber uma disputa(zinha) entre Governo e Município: se hoje a Funcarte promove “Feijão e Poesia”, no Sesc da Rio Branco, 12h30, a FJA segue o cardápio com uma feijoada no Bar de Nazaré, Beco da Lama, meio-dia em ponto.
E enquanto a Brouhaha ficou a ver navios na Capitania dos Portos, digo, das Artes, a Preá renasce pela FJA qual fênix das cinzas.
CALOUROS
A banda de forró Tua Mãe é Minha Boy é uma das atrações confirmadas na Calourada Geral 2009-ponto-um da cinqüentenária UFRN.
Não é a única de nome incomum: o “pagode de mesa” Eita Danou-se, e a Orquestra Boca Seca, também confirmaram presença.
Diante delas a Seu Zé – também na programação – parece bem normalzinha.
A calourada acontece hoje, a partir das seis da tarde, na Praça Cívica do Campus.
MÁFIA
Notícia das melhores: estréia “Gomorra”, hoje, no Praia Shopping.
Em novembro do ano passado o sobrescrito citava Roberto Saviano, o autor do livro que inspirou o filme: foi logo após um concerto em homenagem ao escritor, na Itália, que Miriam Makeba sentiu-se mal e veio a falecer.
Na época, mesmo diante das milhões de cópias vendidas pelo mundo, em mais de 40 países, ainda não tinha sido traduzido no Brasil. Agora, é.
Pois, comprem o livro, assistam o filme. Depois vão comer uma pizza.
VÍDEO
Hoje tem exibição do vídeo “Motricidade” no auditório da Capitania, 9h.
PULGAS
A Feira de Artes e Antiguidades do Cidade Jardim promete artigos de R$ 1 a R$ 1 mil. Começa hoje e vai até domingo. O visitante pode comprar cédulas, moedas, rádios, vitrolas, LPs, livros, e, claro, um bocado de quinquilharia – mas tudo das antigas. Funciona no horário normal de abertura do shopping.
SENSO
“Enquanto lia seu artigo ‘Quando o céu cai sobre nossas cabeças’ eu me perguntava: o que haverá por trás dessa (conforme batizada por você mesmo) filosofia de beira de calçada? O que você quis dizer para você mesmo enquanto escritor/leitor de seus artigos eu não tenho a menor idéia, o que quis me dizer por sua vez enquanto leitora assídua fez todo sentido para mim.” – de uma leitora, na opção pelo anonimato, fazendo crer ao sobrescrito que vale à pena escrevinhar algumas palavras neste espaço.



PROSA
“Principalmente porque num mundo de doutos, e não sendo eletricista ou encanador, consigo trocar palavras por margarina, feijão e pão.”
Vicente Serejo
Da arte de escrever...
VERSO
“Escrever para abrir o leque.
Eis minha meta.”
Marize Castro
“Escrever”

quinta-feira, 12 de março de 2009

Em busca do disco perdido

A notícia do relançamento do primeiro disco de Ritchie, retransmitida por aqui, refrescou as memórias de Kolberg Freire. Quase como as madeleines no nariz de Proust. O leitor assíduo começa relembrando a arte do famoso LP, pra seguir viagem em busca do tempo perdido e reencontrado:
“Na contracapa duas fotos em pé, em pose de delegacia de polícia, pronto para o devido fichamento, envergando uma jaqueta cafonérrima, vermelha, de gosto duvidoso. Mas duvidoso não é o som. Diversos hits que embalaram uma época em que ir a Ponta Negra era quase uma viagem. Aliás, era lá, em Ponta Negra, na mais badalada de todas as boates de Natal dos anos 80 – a Apple – que a musiquinha de Ritchie tocava enquanto nós fazíamos nossas viagens particulares. Era som carimbado nas sextas e sábados à noite. Também tocava nas domingueiras (para não chamar matinê) do Clube Set ou da Royal Salute. Me lembro que frequentei esses points. Liso, é verdade, mas estava lá. A grana bastava para, talvez, umas duas vodcas Kovac com Sukita. Era a época de uma propaganda que dizia assim: “– Vamos kovaquiar?”
Kolberg conta que freqüentava as boates “para ver e sentir o cheiro de Giovanna Baby das belas adolescentes de então”.
Vai saber se existe ainda o Giovanna Baby, um dos perfumes da moda. (O sobrescrito lembra particularmente do Free – do Boticário – e, bem mais antiga, a English Lavander Atkinson.)
Deixando os odores de lado, vamos às oiças – segundo Kolberg:
“O disco era legal. Começava com ‘No olhar’, meio dançante (sabe-se lá o que ele quis dizer com ‘Teu olhar vai brilhar na luz do néon/ Teu olhar vai negar a luz negra do não’). Então vem ‘A vida tem dessas coisas’ (‘Perdi a hora mas encontrei você aqui’), seguida da canção título, que é um lamento choroso, e de ‘Casanova’ (um hino ao Dia Internacional da Mulher). A música 5 é o grande hit dos anos 80 – ‘Menina Veneno’ –, enquanto ‘Preço do prazer’ tem uma letra que é uma pérola. Logo segue ‘Pelo interfone’ (‘Não quero te prender/ Mas não posso te perder/ Esse é um dilema/ que nem o cinema pode resolver’). Segue com a inexpressiva ‘A carta’, e ‘Parabéns a você’ – que poderia ter sido tema de ‘O curioso caso de Benjamin Button’ (‘Parabéns a você/ Hoje é seu aniversário/ Vamos festejar ao contrário/ Contar de trás para frente/ Seu centenário/ As estrelas do planetário [!]/ As corcovas do dromedário [?])’. Encerrando com ‘Tudo o que eu quero’, uma baladinha básico-romântica.”
E conclui, relembrado que há 25 anos ainda podíamos nos dar ao luxo de esquecer o que era responsabilidade.
Enquanto eu, um quarto de século depois, fico remoendo como é que foi que todos esses anos passaram tão rápidos.
*
FLEX
Dando uma espiada no menu Transparência do Portal da Câmara dos Deputados é possível comparar quanto cada deputado federal gastou com despesas que podem ser ressarcidas pela tal “verba indenizatória” (até um limite de R$ 15 mil mensais – quem gastar menos, fica com crédito pro mês seguinte, num prazo de seis meses).
Entre os deputados deste Ryo Grande – pra ficar no quesito “combustíveis e lubrificantes – tipo de equipamento: veículos automotores” – chama atenção que, enquanto a maioria gastou entre R$ 3,5 mil e R$ 4,5 mil, dois deputados fugiram da média, ao menos no mês de fevereiro: João Maia, com R$ 2.903,42 e Rogério Marinho, que deve usar uma moto de baixíssima cilindrada, pois resolveu seu problema com apenas R$ 80.
SEGREDOS
A posse da nova diretoria do Conacan – Conselho de Moradores da Candelária – amanhã promete surpresas. O Ministério Público foi convidado. Para investigar por que uma TV comunitária, montada no prédio do conselho, continua lacrada a sete chaves. E para entender melhor os detalhes que envolvem um terreno ao lado, também de propriedade do Conacan, que teria sido arrendado por 15 anos a um deputado federal.
MUITO ALÉM DO JARDIM
“Essa história de sexo oral, guardar sêmen, gravidez pós sei lá o quê, processos etc., isso é o que entendemos como subterfúgios que as mulheres, ao longo dos séculos, desenvolveram e de alguma forma resistiram e ainda resistem ao patriarcado.” – de uma leitora que prefere não se identificar, sobre a nota de ontem que comentava o caso da americana que guardou o sêmen do amante após terem feito sexo oral.
E completa: “O poder que nós feministas falamos e queremos não é este poder negociado com o sexo, com a pensão, com o ciúme, com o controle e dependência emocional, os tais micro-poderes de âmbito doméstico – o poder que queremos ultrapassa as paredes da cozinha, da cama.”
LIFE
A Sociedade dos Poetas Vivos e Afins realiza oficina poética hoje, às 8h e às 14h, no auditório da Capitania, metade da ladeira da Junqueyra Ayres.
Devem ensinar a difícil arte de sobreviver através dos versos.
PÊ-EFE
Quem pensava em forrar a barriga hoje, durante o lançamento do Prêmio Cosern Literatura de Cordel, trate de arrumar uma quentinha: foi adiado, “em virtude das greves nas redes estadual e municipal de educação”.



PROSA
“A magia das palavras num poeta deve ser tão sutil que a gente esqueça que ele está usando palavras.”
Mario Quintana
Da preguiça como...
VERSO
“É que hoje cheirei de manhãzinha
A flor vermelha do teu coração”
Palmyra Wanderley
“Que cheiro bom!”

quarta-feira, 11 de março de 2009

Os católicos ladram, a caravana da Constituição passa

Sejamos justos, nos esforcemos em ser racionais mesmo em meio à irracionalidade: não apenas estão certos os doutores da Medicina em realizar o aborto na menina pernambucana de 9 anos, estuprada pelo padrasto, como estão certos os doutores da Igreja Católica em excomungá-los.
Se os primeiros se pautaram dentro do espírito das leis que regem esse país, os segundos seguem os preceitos em que acreditam, piamente, cegamente. Preceitos estes claramente definidos há tempos.
O que seria inconcebível é que a grita católica tivesse impedido o aborto. Não impediu.
Pretender mudar a opinião do Vaticano e Cia, empresa multinacional pluricentenária, é tarefa para quem dela faz parte. Se os médicos condenados comungam com a religião, se sentiram-se agredidos em seus direitos dentro do clube católico, que recorram lá pelos púlpitos de sua paróquia, no arcebispado, na Praça de São Pedro. Reclamem não apenas ao bispo, mas ao pároco da aldeia, ao sacristão, ao coroinha, ao báculo do papa, aos fiéis, incluindo aí as beatas em luto e louvor eternos.
Façam uma revolução, queimem bíblias, crucifixos, os papéis de batismo.
Enquanto não se mudam as regras, é pegar ou largar. Ou se dá ou se desce do bonde do catolicismo.
Afinal, já se foi o tempo em que o Vaticano governava o mundo e suas idéias com o poder ditatorial dos mais violentos regimes (não à toa, antes mesmo de a Folha de Sampa criar o neologismo “ditabranda”, já o vulgo usava o adjetivo “inquisitorial”, numa alusão impossível de ser dissociada dos famigerados tribunais do Santo Ofício – que condenavam os supostos hereges enquanto o Estado era o responsável por sentenciá-los).
Condenar os católicos por acreditarem na excomunhão e do seu mecanismo fazerem uso é o mesmo que condenar os budistas por acreditarem em Buda, os muçulmanos num paraíso coalhado de virgens, ou o Kaká por depositar não apenas fé mas um monte de dinheiro na Igreja Renascer da Bispa Sonia Hernandes.
Se essa relação entre crença e modus vivendi, pois, ocorre pelos meios legais, viva a diferença. Excomunhão, no final das contas, é que nem mau-olhado.
*
PÊ-ENE
Falando em aborto, que obviamente pressupõe uma fecundação anterior, vejam só o que aconteceu numa Corte de Apelação em Chicago, EUA, envolvendo um casal (não legal, nos termos da Lei) de médicos: o homem tentou provar que uma colega com quem teve um filho, teria engravidado sem seu conhecimento e consentimento, e o fez numa “traição calculada, pessoal e profunda”, ao fim de um relacionamento que haviam mantido há seis anos. E processou-a por danos morais, roubo e fraude.
Explica-se: a mulher teria guardado o sêmen do médico após terem feito sexo oral.
A médica alegou que o sêmen foi como um presente. A Corte concordou, entendendo que houve “uma transferência absoluta e irrevogável de título de propriedade, já que não houve acordo para que o esperma fosse devolvido”. O comentário que circula pela internet é de que “Agora é oficial: os homens não mandam mesmo em p. nenhuma!”
BEM NA FOTO
Entre os 24 fotógrafos da 17ª edição da Coleção Pirelli/Masp de Fotografia existe um talento quase potyguar: José Frota, atualmente radicado nesta Capital Espacial.
Muito bem acompanhado de outros nomes, como os de Bob Wolfenson, Gui Paganini e Vânia Toledo.
A inauguração é hoje e a mostra segue até o 3 de maio. No Masp, Avenida Paulista.
PARNAMIRIM FIELDS
Enquanto isso, o parnamirinense da gema, Marcelo Gandhi é um dos 12 artistas presentes no catálogo Tripé 2008, com lançamento hoje, 20h, no Sesc Pompéia.
PALCO
Laboratório Vocal, Primeiro Módulo de Teatro, Montagem de Espetáculo, e Oficina de Iniciação Teatral para Crianças, são as quatro oficinas que a Fundação Zé Augusto, através do Centro Experimental de Formação e Pesquisa Teatral, oferece à população.
As aulas começam no dia 30 de março, as inscrições já estão abertas, cada curso custa R$ 30 por mês e se vocês ligarem para o 3232.7438 vão saber mais.
INVENÇÃO DA RODA
A Capitania continua festejando a mulher: hoje tem exibição do vídeo “Corpo, territórios e suas expressões”, seguido de roda de diálogo (uau) sobre “Novas Linguagens Estéticas”. A roda de diálogo (uau) vai ser mediada pelas meninas do Coletivo Leila Diniz. No auditório da Capitania, duas da tarde.
TAVOLA
É amanhã que os colegas desta tão combalida imprensa potyguar vão ao menos forrar a barriga: para o lançamento da 3ª edição do Prêmio Cosern de Literatura de Cordel, o Âncora Caipira abre suas portas para um almoço a partir das 11h30.



PROSA
“O aborto é perigoso, porque, se malogra, pode produzir uma criança.”
Sofocleto
Sinlogismos
VERSO
“Eu só sei é que quando a vejo
Me dá um desejo de morte ou de dor”
Lupicínio Rodrigues
“Nervos de aço”

terça-feira, 10 de março de 2009

Quando o céu cai sobre nossas cabeças

Ainda ontem eu citava de passagem a aldeia gaulesa de Asterix e sua turma. O único medo dos gauleses era que o céu caísse sobre suas cabeças.
Também o galinho Chicken Little, do desenho animado da Disney, provoca pânico em toda uma pequena cidade quando sai correndo dizendo que um pedaço do céu acabou de cair em sua crista.
“Nunca/ Nem que o mundo caia sobre mim/ Nem se Deus mandar/ Nem mesmo assim/ As pazes contigo eu farei” – versejava Lupicínio Rodrigues, o compositor que entre outras coisas inventou o termo dor-de-cotovelo.
Não tem lá muita diferença se é o céu ou o mundo inteiro a cair sobre nossas cabeças. Ou, por oposição, o chão, a sumir debaixo dos nossos pés.
Ou, ainda, não saber se a sensação é ter partido ou morrido, na roda viva, moenda do mundo.
Variação: estatelar a cara no chão – outro papo. Nesse caso, em outros tempos, priscas eras, o lance era mais simples – a gente caía e findava apenas com o joelho ralado. E não existia curtição maior que ralar o joelho, quando se é criança e o mundo é uma aventura sem riscos maiores que o merthiolate nas mãos da mamãe, seguido, claro, pelo sopro suave e maternal.
“Pronto, passou” – e o sorriso de mãe curava qualquer dor. Como quando balançava a rede e afungentava os pavões de cima do telhado.
Mas a metáfora do céu caindo é bem mais pungente que o chão sumindo ou dando com nossa cara. Cair o céu inteiro sobre nós é materializar o imaterializável. É emprestar peso e concretude a algo absolutamente abstrato. Fluido, etéreo. É viajar na maionese, como provavelmente estou fazendo agora, nesse papo de psicologia de botequim ou de filosofia de beira de calçada.
Cair o céu sobre a cabeça provoca, no mínimo, uma dor, imensa dor – e para certas dores e dores-de-cabeça não basta um tylenol.
O sabiam os gauleses, invencíveis com sua poção mágica, mas com um único temor: que o céu caísse sobre suas cabeças.
O sabia o galinho Chicken Little – ridicularizado pelo seu alarme, e reconhecido ao final: o céu estava realmente caindo sobre sua cidade.
O sabia ainda mais o velho Lupicínio Rodrigues. Que pedia aos moços que acreditassem nele – “Se eles julgam que há um lindo futuro/ Só o amor nesta vida conduz/ Saibam que deixam o céu por ser escuro/ E vão ao inferno à procura de luz”.
Quando o céu cai sobre as nossas cabeças ficamos assim: vagando pelas trevas, buscando, impacientes, um interruptor, um lampião, um toco de vela, um fósforo, pra acender tudo e nos alumiar o caminho incerto.
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AEROPLANO
Às vezes não é o céu que despenca, mas algo que despenca dos céus.
Um Cessna, por exemplo.
LIXO ESPACIAL
A propósito, a Base Aérea de Natal aderiu ao ao programa de coleta seletiva da Urbana. A ver se alguns dos destroços serão recicláveis.
SHOPPING
Para os leitores que me perguntam onde comprar discos neste Arraial, em se falando em lojas físicas as opções por estas ribeyras são escassas: alguns supermercados, uma livraria (no Praia Shopping), as Lojas Americanas e a Rio Center – a mais completa em CDs “diferentes”.
GAME
“The Beatles: Rock Band” é o título de um videogame para Playstation 3, Xbox 360 e Wii. Lançamento em 9 de setembro.
TOUR
A Arituba Turismo comemora duas décadas com uma, digamos, big festa, no Centro de Convenções, estilo volta ao mundo – no cardápio e na decoração. Hoje.
DIPLOMA VIRTUAL
A Faculdade Câmara Cascudo firmou convênio com a Universidade Estácio de Sá, Guanabara, para graduar alunos em cursos à distância, através de satélite ou da internet. Informe-se pelo 0800.282.3132.
É O BICHO
Sheyla Azevedo pediu demissão do Diário. Mas continua com sua coluna aos domingos no Poti. E, claro, com seu blog – http://bichoesquisito.blogspot.com/.
No primeiro, anotou, sobre ser mulher: “Nossa âncora não submerge, flutua.”
No segundo: “Também não consigo encontrar uma metáfora que pudesse descrever o que penso sobre a vagina, sem parecer que essa metáfora findaria em pormenorizar a vagina ou transformá-la em outra coisa que não seja uma vagina e sua incrível função secundária: a de carregar o mundo nas costas.”



PROSA
“Os citadinos olham o céu por um funil.”
Mario Quintana
Da preguiça como...
VERSO
“Você sabe o que é ter um amor, meu senhor
E por ele quase morrer”
Lupicínio Rodrigues
“Nervos de aço”

segunda-feira, 9 de março de 2009

Águas e aniversários de março

O mês de março não é tão somente de águas assuntando no céu, às vezes blue, às vezes plúmbeo, mas sempre ameaçando cair sobre nossas cabeças, como naquela aldeia gaulesa.
Em março nascia por este Ryo Grande, além do clássico “um bocado de gente”, algumas figuras importantes para a nossa história cultural.
Não começo nem por Eloy de Souza (que nasceu em Recife) – mas bem poderia começar pois é impossível não citar o belo início de suas “Memórias”: “Nasci a 4 de março de 1873 no velho sobrado de azulejos, situado entre a Tamarineira e Mangabeira de Baixo, estação da Estrada de Ferro suburbana do Recife, que então terminava no Monteiro, ramo do Arraial.”
Quem mais hoje em dia nasce num sobrado de azulejos?
Amanhã Othoniel Menezes completaria 114 anos. Se não tivesse morrido na Guanabara, final dos anos 60. Autor de “Gérmen”, aos 23 anos, seguido por “Jardim tropical”, cinco anos depois, o “príncipe dos poetas norte-rio-grandenses” era também violinista e amante das serenatas.
Amanhã, nas repartições deste Ryo Grande, na Assembléia, na Câmara, na Fundação Zé Augusto, na Capitania, a turma aboletada no Poder Público deveria, não fazer um minuto de silêncio, mas botar pra tocar – no stereo, no três em um, no toca-fitas do carro, no iPod, no celular, enfim, quem sabe até assoviar – a “Serenata do pescador”.
Já disseram que os versos não são grande coisa, mas, sejamos românticos: uma canção que começa com “Praieira dos meus amores/ Encanto do meu olhar”, tangidos pela melodia nostálgica de Eduardo Medeiros, tem o sabor inigualável da maresia que o vento derramava sobre esta Cidade em dias de antanho.
Depois de amanhã, anotem, é o aniversário de Sebastião Fernandes, o irmão menos famoso e elogiado de Jorge. Nasceu – dou uma espiada em sua “Poesia inédita”, organizada por Cláudio Galvão – na Rua Santo Antônio, onde era o Hotel Jaraguá.
Agora, dou uma escapulida de vez no tema: o Hotel Jaraguá fechou. Faz um tempo. No lugar das portas e janelas, tijolos e cimento, naquele artifício de sepultar a céu aberto as casas e edifícios. Lá de cima do Jaraguá, tinha-se uma das mais belas vistas desta Cidade. O sobrescrito costumava ir lá, sempre que aparecia uma alma estrangeira. A cerveja era apenas razoável, a comida idem, mas a vista, a vista – “encanto do meu olhar”.
Voltando de carreira pros aniversários do mês: dia 12, Peregrino Júnior; Adauto da Câmara no dia 14; Henrique Castriciano, 15; e Seabra de Melo, 17. Parabéns para todos eles.
*
JOANA D’ARC
“CPI da fogueira” é o apelido que o movimento feminista deu a uma possível CPI a ser instalada no Congresso Nacional. Segundo as companheiras, esta comissão “significará uma perseguição às mulheres que abortam, as organizações que lutam pelos direitos sexuais e reprodutivos e às feministas por defenderem o direito de decidir”.
No Natal Shopping termina hoje a exposição sobre o tema polêmico do aborto.
PIPOCA
A moçada mais antenada, descolada e etc. já correu para assistir “Watchmen”. O trailer é bom. O filme, tenho minhas incertezas. Aliás, hoje em dia os razoáveis minutos que antecedem o filme principal quase sempre são preenchidos por trailers pra lá de exuberantes, superiores, até, à obra completa.
POP CORN
Já o arrasa-quarteirão “Quem quer ser um milionário?” atrai os adoradores do deus Oscar.
LION
Leno recebeu uma encomenda especial dos EUA: alguns exemplares do seu CD “Vida e obra de Johnny McCartney”, lançado recentemente por um selo americano, o Lion, de Chicago, especialista em obras roquenrroll fora do clássico eixo USA-UK.
A crítica Americana comparou o álbum a bandas como Sly & The Family Stone, os Beatles na fase pós-1967, Cream e Steppenwolf, resumindo: “One of the most singular records of the 1970's rock era in Brazil”.
Produzido por Raul Seixas, em 1970, o disco é um clássico. Lenda. Cult. Objeto de desejo de fãs e fanáticos.
A edição gringa vem muito bem cuidada, com um livreto de 24 páginas com fotos e letras das músicas.
VENENO
No paralelo quem viu por aí em alguma loja da City o relançamento do (hoje) também clássico disco de Ritchie, “Vôo do coração”?
Pra quem não lembra, um dos muitos hits era “Menina veneno”. Que começava assim, num clima de suspense sensual: “Meia-noite no meu quarto/ Ela vai subir/ Ouço passos na escada/ Vejo a porta abrir/ Um abajur cor de carne/ Um lençol azul/ Cortinas de seda/ O seu corpo nu”.
E o refrão, pegajoso de bom: “Menina veneno/ O mundo é pequeno demais pra nós dois/ Em toda cama que eu durmo/ Só dá você, só dá você,/ Só dá você, (yeah, yeah, yeah)”.
Kitsch, claro – mas o tempo perdido e reencontrado melhora tudo, até as lembranças.
“Vôo do coração” está sendo relançado numa edição especial, caprichada, comemorativa dos 25 anos.
No sítio internáutico do cantor, o CD autografado está sendo vendido por R$ 20, incluindo o frete.



PROSA
“Erguendo-se do silêncio da sua memória, as recordações mais remotas saltam-lhe, tristes, diante dos olhos apagados.”
Peregrino Júnior
Carimbó
VERSO
“– Uns morrem depois de mortos,
– Outros antes de morrer.”
Sebastião Fernandes
“Alma de toda a gente”