terça-feira, 3 de março de 2009

De sonhos, de pesadelos

Difícil decidir por onde começar qualquer comentário sobre “Foi tudo um sonho”, último filme de Sam Mendes, que estreou recentemente nesta Capital.
Talvez, pra início de conversa, pela escolha mais que dúbia da tradução do título.
Afinal, o filme (“Revolutionary Road”, no original) tem tudo a ver com pesadelo. De sonho, pouco – apenas um certo clima onírico de expectativa pairando no ar, em torno de personagens que parecem eternamente mergulhados no torpor de vidas banais, ávidas de sonhos distantes que nunca se realizarão.
Fez por outra os personagens se movimentam, parecem acenar que dali pra pouco quebrarão o gelo em que se encontram, romperão as cordas que os aprisionam, sairão dos trilhos da normalidade, para, ao fim, se darem conta que já se encontram às margens deles mesmos.
Assim sendo, o espectador que for ao cinema engabelado pela doçura edulcorada do título, vai levar um soco no estômago que dura bem mais que seus 119 minutos.
“– Uma porrada.”
“– Punk.”
Eu poderia usar as duas expressões, mesmo sabendo que os termos não combinam muito com uma pretensa crítica cinematográfica.
Mas foi a descrição mais adequada que encontrei ao sair do cinema e mergulhei na multidão que hiperlotava o shopping.
É porrada, é punk, a começar pelo resumo, síntese superficial do tema e cenário, ponto de partida e de chegada nesta Revolutionary Road: a velha relação homem-mulher, que remonta aos tempos de Adão, Eva, Paraíso, Serpente, Espada Flamejante – enfim, Pão, Suor, Lágrimas. Embora não há muito espaço para o pranto no filme – todo ele muito seco, duro, árido, e, por isso mesmo, mais impactante, não me canso em repetir.
Para quem conhece, a associação com “Quem tem medo de Virginia Woolf?”, a clássica estréia de Mike Nichols, safra 1966, é inevitável. O tom teatral adotado por Nichols se renova na direção competente de Mendes, um dos mais originais autores dos últimos anos, desde que estreou, botando o dedo na ferida da consciência da classe média ocidental, com “Beleza americana”, 1999.
ESPERANÇA
Mendes não faz concessões, não joga com a platéia, não brinca de moderno com a câmera, não usa nenhum efeito especial, não choca com o óbvio. Reparem, por exemplo, na cena em que Kate Winslet fecha a porta do banheiro, nos negando a visão do que acontecerá logo depois ali dentro.
Mas o que faz Mendes na maior parte do tempo não é apenas esconder cenas, ou se ancorar nos silêncios e entrelinhas: sua direção nos puxa violentamente para dentro da ação, para nos tornar testemunhas silenciosas de um relacionamento que, muitas vezes, descamba para a típica violência verbal entre as duas partes que constituem um casal. A tela torna-se palco de um teatro vivo, inspirado na realidade, os espectadores parecem estar a dois passos do que acontece em cena. Não apenas pela interpretação realista, mas pela identificação com o tema.
Mendes opera outro milagre: coloca em cena o mesmo casal que protagonizou o banal “Titanic” e em nenhum momento nos recordamos que são os mesmos atores. Se Winslet (casada na vida real com o diretor) não é mais nenhuma surpresa – vide o recente “O leitor”, que lhe rendeu o Oscar de melhor atriz –, Leonardo DiCaprio mais que surpreende e entra de vez para o rol dos grandes atores do cinema. Está perdoado por toda baboseira que fez no passado e, arriscaria dizer, de qualquer outra que possa fazer no futuro.
No final das contas “Foi tudo um sonho” responde a uma pergunta não formulada – O que vem depois que o amor acaba?
Uma pergunta que ninguém gosta de fazer, simplesmente porque a resposta, inevitavelmente, ao se incluir na própria interrogação, exclui qualquer esperança.
*
LIVRO
Ao sair da sala do cinema e entrar na livraria do shopping, o sobrescrito, ainda com a mão no estômago, não pôde evitar levar pra casa o livro em que o roteiro se baseia, “Rua da Revolução”, de Richard Yates.
MARRETA
Foi Eliana Lima quem definiu este Ryo Grande como uma “ribalta de marionetes” – pois, serão os mesmos títeres que acham que existe uma torcida contra esta Capital ser sede da Copa do Mundo de Football.
Não, não existe.
O que há é uma parcela considerável da população contra a derrubada do Machadão.
Simples.
PISTOLA
Enquanto isso é necessário que um súdito da Rainha Silvia da Suécia seja morto para que o Governo faça algo pela segurança.
Isto é, se fará.
O sobrescrito falou, domingo, com uma amiga residente em Pipa, sugeriu que saísse de sua casa e fosse para uma pousada de uma outra amiga – “Tá doido? Lá é que é pior: as pousadas são o alvo preferencial dos bandidos.”
E acrescentou: “Muitas notícias de assaltos são abafadas em nome do turismo, mas quem se importa com quem vive aqui e não depende do turismo?”
COLEÇÃO
Diógenes da Cunha Lima abraça mais duas lutas: a compra, pelo Governo de Todos, das coleções de Grácio Barbalho e Carlos Lyra.
A primeira inclui long plays em 78 rpm. A segunda, fotografias, filmes e gravações.
O sobrescrito sugeriu que o acervo podia ser exibido no Presépio de Natal, ali pelos lados do Machadão, o que poderia originar uma espécie de museu da imagem e do som deste Ryo Grande, para afastar a pecha de “Elefante Sem Memória”.



PROSA
“A revolução é como Saturno, devora os próprios filhos.”
Georg Büchner
A morte de Danton
VERSO
“Tu não me amas mais:
A verdade em cinco palavras.”
Marina Tsvetáieva
“Tu me amaste...”

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