segunda-feira, 2 de março de 2009

Cachorrada

Chegamos a março junto às águas do céu.
Do mês passado é a – boa, muito boa – comparação do prefeito, aliás, ex-prefeito, Carlos Eduardo Alves, sobre a gestão da atual prefeita, Micarla de Sousa Weber: “Dá a impressão que assumiu e tá igual ao cachorro que caiu do caminhão da mudança: não sabe pra aonde vai.”
Mas, pano rápido, não quero falar de cachorradas políticas, nem do vôo paradisíaco das borboletas: por estes terreiros e tabuleiros, a cara de um focinho do outro, como diz o dito. No entra-e-sai não mudam nem mesmo as promessas.
Mas, quero, sim, falar de outras cachorradas, estas, literais.
Pois, com o fim de fevereiro, veio a notícia: o mundo inteiro já sabe que Barack Obama (& Family) já escolheu o cão para a Casa Branca. Dois terços do mundo também sabem que a Casa Branca sem cachorro é como meia sem pé. E, meio mundo (não sei de onde tiro estas estatísticas), que a lista de cães presidenciais norte-americanos é tão importante quanto à lista de ex-presidentes, norte-americanos, pois.
Vejamos: Roosevelt tinha Fala, um scottish terrier. Him e Her, casal de beagles, e Yuki, um vira-lata, eram os três cães de Lyndon Johnson. Checkers, o cocker spaniel, de Nixon. Liberty, golden retriever, de Gerald Ford. O casal Reagan tinha Rex, um spaniel. Já Millie, a springer spaniel de Bush, pai, teve até biografia publicada, e ficou famosa também por ter gerado Spot Fetcher Bush, o bichinho de George Junior – o que prova que até a sucessão americana pode ser uma grande cachorrada familiar.
Cães presidenciais (norte-americanos) também podem ajudar nas relações diplomáticas: a filha de Theodore Roosevelt ganhou Manchu, uma pequinês, presente da última imperadora da China; e a filha de Kennedy ganhou de Khruschev, o imperador soviético de então, uma cadelinha, também esta batizada com um nome que denuncia a origem, Pushinka.
Nunca é demais lembrar que o presidente que ficou mais famoso como um ardoroso fã de charutos, Bill Clinton, mesmo gostando de uma cachorrada, caçou votos durante muito tempo com Socks, um gato preto & branco, democrata até no pêlo. Mas teve que se render à expectativa natural dos americanos de ver cães na Casa Branca e comprou o labrador Buddy – que morreu atropelado no início de 2004. Desconheço onde andavam os seguranças do presidente na ocasião.
(Aqui, abro um parêntesis para uma sugestão de leitura para os cinófilos: estas e muitas outras informações podem ser encontradas em “Amor de cão”, editado no Brasil pela Record em 2000. A autora é Marjorie Garber – que, curiosamente, nasceu homem, ingressou como professor na famosa Harvard, escreveu muitos livros, a maioria estudos críticos sobre Shakespeare, e, após diversas operações, mudou de sexo.)
AU AU
Indo pros lados do cinema, e mantendo o foco na Casa Branca, o diretor Andrew Fleming fez uma interessante paródia de “Todos os homens do presidente” (o clássico filme sobre o escândalo Watergate): Fleming usa Checkers como o estopim para o caso que resultou na renúncia de Nixon. Em “Todas as garotas do presidente” (1999) duas adolescentes, moradoras do edifício Watergate, são contratadas por Nixon como “babás oficiais do cachorro da Casa Branca”. Terminam descobrindo, ouvindo as gravações que o presidente guarda em sua mesa de trabalho, que ele não gosta realmente do seu cão. Indignadas, denunciam tudo aos repórteres Bob Woodward e Carl Bernstein.
Desconfio que Fleming usa o cão certo com o nome errado – na época do escândalo do Watergate, Nixon tinha King Timahoe, um pointer.
Enquanto isso, nos Tristes Trópicos, cães presidenciais não fazem muito sucesso. O casal Luís Inácio-Marisa, por exemplo, tem – ou tinham – Michele. Em 2003, a cadelinha, coitada, foi acusada de desperdício do dinheiro público ao ser levada numa Kombi do Palácio da Alvorada à Granja do Torto. Um luxo terceiro-mundista, lixo, quando comparado às acusações imputadas a Fala, o cachorrinho de Roosevelt.
Em 1944, durante a campanha eleitoral, o presidente fez um discurso emocionado de quase 40 minutos na TV em defesa de Fala: a oposição acusou o dono de esquecer o cão nas Ilhas Aleutas, arquipélago do Havaí. Não se sabe qual o pior crime, para o padrão americano de amor aos cães: se aquele de ter esquecido o bicho, ou de, esquecendo-o, para corrigir o erro, tê-lo repatriado a bordo de um destróier a um custo de milhões de dólares.
“Esses republicanos” – disse Roosevelt, numa tradução livre do sobrescrito – “não estão contentes apenas em me atacar, ou à minha mulher, ou aos meus filhos. Não, eles agora incluem meu pequeno cãozinho, Fala, em seus insultos. Eu não me defendo de críticas, minha família não se defende de críticas – mas Fala não pode se defender.”
A americanada foi aos prantos. Roosevelt foi reeleito.
Se por aqui, margens do Putigy, o amor pelos cães rendesse votos, não faltariam coleiras platinadas. E os herdeiros dos políticos exibiriam nos blogs de plantão seus amados e ternos bichinhos. Nenhum vira-lata, claro.






PROSA
“Vês? Logo, o homem que disputa o osso a um cão tem sobre este a grande vantagem de saber que tem fome; e é isto que torna grandiosa a luta”
Machado de Assis
Memórias póstumas...
VERSO
“Trabalha duro só quando a missão
É esvaziar seu prato de ração.”
Ted Hughes
“Cachorro”

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