sábado, 31 de outubro de 2009

Adivinhe quem vem para o café-da-manhã: Marize Castro



Abrir alas para a poeta Marize Castro me faz, inevitável, o mais suspeito entre os suspeitos de sempre – aliás, de ontem, hoje e sempre, pois é claro que sempre tive uma queda pela moça (e ainda tenho que empurrar a cotoveladas o Sr. Woden Madruga, que tem barbas mais brancas e volumosas que a minha, e se arvora – com todo direito, admito – em ser fã número 1 da moça – e da sua poesia, claro). É muito bom, também, que um dos últimos cafés-da-manhã desta coluna (que se despede dos seus leitores provavelmente em meados de novembro – ao menos neste jornal) tenha a presença de Marize Castro. Ainda mais agora, faltando poucos dias para o lançamento de “Lábios-espelhos”, recente produção da poeta de “Marrons crepons marfins”, que 25 anos atrás causou furor (por que não dizer?) na Província. “Lábios-espelhos” será lançado dia 5 de novembro, quinta-feira, no terceiro piso do Midway. A ilustração que acompanha a coluna é do convite, arte de Wellington Dantas Cavalcanti, convite este extensivo a todos vocês. E o título abaixo é de Ana Cristina Cesar, poeta, que nem Marize, que o escolheu.

“Por afrontamento do desejo insisto na maldade de escrever”

Por que escrevo? Porque já não mais estaria aqui se não o fizesse. Porque o horror seria maior. Já não dormiria, não comeria, não amaria. Tudo permaneceria deserto. Lágrima. Por que a poesia? Porque ela é salvação. Regresso à infância. Retorno à vida – para o mais primitivo e mais refinado.

“Lábios-espelhos”: uma senha; um alumbramento; outro mundo criado; o mesmo mundo revelado. Poesia que se veste e se despe. Exibe-se e recolhe-se, aninha-se, desobedece, ascende e cai.

Aqui o móvel de tudo é o desejo. Cratera pura. Inextinguível. Irrepetível. Que o leitor entregue-se. Extravie-se. Complete o que falta. Retire. Acrescente. Ouça esses lábios que falam e esses espelhos que escutam – há apenas revelação, nenhuma explicação.

“Lábios-espelhos”: recompensa por intensa vigília. Operação mágica. Nada se tornou tudo. O leitor escutará esse silêncio? Afasto-me. Minhas leis são lírios – lírio-amarelo, lírio-branco, lírio-dágua, lírio d’alma. O instante de vida e morte chegou. Lábios reconciliam-se. Espelhos refletem-se. Aqui tudo é perda. Tudo é flor. Os olhos do abismo erguem-se, amantes insepultos clamam por inocência.

“Lábios-espelhos”: invenção de mim mesma; salto mortal; renascimento; outridade. O que há de mais breve e eterno. Túnel transparente. Intenso desejo de ser. Intenso desejo de voltar a ser. Ávidas marcas da alma. Rasantes pelo teto. Nostalgia do alheio. Pequenos delitos apontam para a noite. A vida e sua completude. Banhada de vida e morte, sempre estrangeira, torno-me o que sempre fui: ritmo e incêndio.

Por isto, estes versos:

Espere-me lá fora.

Ainda não estou pronta.

Esqueci meu colar de estrelas

meu kimono

minha zori

meus adereços de gueixa

Minha língua te recompensará.

Ela (esfomeada) saciará tua fome.

Ela (sedenta) te levará ao leito

mais próximo.

Ela (saliva e cristal) revelará o enforcado:

– seu destino, seu nome.

Espere-me lá fora.

Aqui há um naufrágio púrpura,

um rio de mel que corre entre lábios-espelhos.

Dele, sou filha.

[Marize Castro]

Prosa

“Cresce também uma boca onde a fome a reclama, e surgem as asas que o sonho deseja...”

Miguel Torga

Bichos

Verso

“Naquele / sábado / a música / daquele / sábado.”

José Bezerra Gomes

“Sempre sábado”

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

De burrices e canalhices


“Posso ser burro e meio canalha, mas uma coisa eu aprendi: gato ou gata não entendem ironia ou sarcasmo.”

A frase foi pinçada de um texto de Ivan Lessa, publicado no sítio da BBC Brasil, direto de Londres, ant’ontem.

Fora do contexto (vão lá e leiam), que sentido tem?

Nenhum, ou todos, que o leitor é voz ativa nesse processo de comunicação.

Há dias em que a gente escreve alhos e alguns leitores entendem bugalhos. Noutros a gente escreve bugalhos e uns, mais burros, entendem aquela palavrinha feia no plural.

Tem leitor burro? Tem, sim senhor. Tem ainda os que, além de burros, são mal-intencionados – o hífen de mal-intencionados pode até ter sumido mas as más intenções continuam. E quando são boas, claro, são más também.

É claro que o distinto senhor, a aprazível senhora, que me lêem agora, não vestiram a carapuça. Nem motivos têm. Ou não. A burrice do vizinho é como a grama: verdejante e sincera.

Enfim, ando meio confuso enquanto traço essas bem-traçadas linhas, sem régua ou compasso. Desenho à mão livre, mesmo, sacam?

É que ando, mais que confuso, cansado da canalhice alheia. Da burrice, não, porque a burrice é intrínseca. Já a canalhice é adquirida. Trabalhada. Lapidada. Estudada. Tem gente que tem até PhD em Canalhice. Este Ryo Grande tem uma ruma deles. E delas, também, que eu sou um defensor incondicional da igualdade dos sexos.

Por exemplo, quando Lessa se declara “burro e meio canalha”, ele na verdade está ironizando e sacaneando com outro tipo de burro e outro tipo de canalha que não conseguem entender como alguém se declara burro e canalha. Mesmo que pela metade, no caso do segundo adjetivo.

Porque os verdadeiros burros e canalhas nunca estufarão e peito e se assumirão como tal e por inteiro. Até que encontram alguém diante deles com a ousadia inesperada de chamá-los tal qual são:

– Burros.

– Canalhas.

*

Pop art

As obras do artista plástico (e publicitário) Chico Quevedo chegam a esta City diretamente de Pelotas (onde nasceu) e Criciúma (onde trabalha) no formato de pôsteres – comercializados com exclusividade pela Fast Frame (Dão Silveira Mall).

Pop art II

Enquanto isso, muito além da corrente, a www.artnet.com dá início a um leilão on line de arte moderna e contemporânea. Os ricos desta Capital bem que podiam fazer seus lances – tem obras de Andy Warhol (lance inicial de 40 mil dólares), Keith Haring (95 mil), Nam June Paik (160 mil), e uma belezura de Man Ray por apenas US$ 11,5 mil. Mais barato só um Duchamp (2,8 mil) e um objeto estranho de Yoko Ono (1,8 mil) intitulado “Mend piece for John”.

Carrapetas

DJ Macacco volta às ativas amanhã, sábado, no Bule Café (Av. Airton Sena do Brazil), acompanhado de Os Bonnies – e avisa: “destruindo toda forma de dançar”.

SOM

A Camarones Orquestra Guitarrística é a atração do Som da Mata no próximo domingo, primeiros de novembro, no Parque das Dunas, 16h30, ingressos – sempre é bom lembrar – pela merreca de R$ 1.

Men sana

Marcada para o próximo 9 de novembro uma audiência pública para debater os serviços de saúde mental deste distinto Município. Na luta e na cobrança pelos ajustes de conduta da Prefeitura, os vereadores Franklin Capistrano e Hermano Morais, mais a promotora Elaine Cardoso. Ao menos dois CAPS (Centros de Atenção Psicossocial) deveriam ter sido instalados este ano – que, como se sabe, se encerra dentro de dois meses.

mente insana

“Sou um crítico contundente dos Autos [de Natal] anteriores. Fizeram coisas que fugiram à essência: um Auto contado por [Newton] Navarro... Como jornalista quis apoiar, tentei levar para o SBT nacional, mas ninguém queria porque era um espetáculo circense, sem compromisso com a história de Natal.” – a melhor coisa que o Diário de Natal publicou nos últimos meses: a fala do neo-presidente da Funcarte e sua idéia de compromisso com a “história de Natal”.

Quer dizer que agora a cultura potyguar vai ser pautada pelo padrão Silvio Santos de qualidade?

Segurem esse rapaz, senão é capaz de ele cuspir no túmulo de Navarro e outros mortos. Ou fazer coisa pior.

Aquele abraço

Diógenes da Cunha Lima liga, todo animado e feliz, contagiante. Me lê uns versos de Hilda Hilst. Ri. Sorri. Ri novamente. Fica de mandar os versos por email, para publicação. Não manda. Que importa? Ser poeta da alegria é muito mais importante.

Prosa

“O teatro do mundo tem palco e bastidores. As palmas da platéia festejam somente os dramas encenados.”

Miguel Torga

Bichos

Verso

“Senhor, mercantilizaram a vida, / com escassez geral da alegria.”

José Bezerra Gomes

“Com a melancolia...”

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Notas floridas de quinta(-feira)

Máxima

“Jornalista é bicho danado. Quer sempre adivinhar primeiro pra divulgar depois.” – bela definição de alguém que não é, mas circula pelo meio.

Botânica

Por falar em jornalistas, o Sindicato dos Jornalistas Profissionais deste Ryo Grande (existem os amadores?), aderiu à onda de reinaugurações: anuncia – para não sei quando – coquetel de reinauguração da sede e inauguração da Galeria de Fotos dos ex-presidentes, batizada “Jornalista Rogério Cadengue”. Bravo!

A reinauguração tem seus motivos: o Viveiro Marina (vale o merchan, que somos corporativistas), doou plantas e vasos, “que deixaram a nossa sede mais bonita”, como bem informou a presidente Nelly Carlos – que, segundo a opinião da coluna, já embelezava, e muito, a instituição.

Botânica II

A turma anti-tabagista pode até chiar – mas nem deveria: o Shopping Cidade Jardim contratou o arquiteto Eric Perman para projetar uma “praça contemplativa”, com plantas e banquinhos para os amantes do tabaco se sentirem menos excluídos da manada. Palmas.

Botânica III

E como nesses dias, vésperas de Finados, o comércio das flores se intensifica, jornalistas desempregados podem tirar um troco na porta dos cemitérios (antes que entrem e não saiam mais) – mas atenção, nada de trabalhar na ilegalidade: compareça a Semsur e cadastre-se – o prazo final é hoje.

Seis ou meia-dúzia

Desta vez o Sinjorn não tem o que reclamar: na Funcarte, Capitania das Artes, sai César Revorêdo, entra Rodrigues Neto. Ambos jornalistas.

De lambuja, da autoria do Auto de Natal 09, sai Clotilde Tavares, entra Edson Soares. A primeira é médica, mas como blogueira atua melhor do que muito jornalista. O segundo vem dos quadros da TV Ponta Negra. Como Rodrigues Neto – que, aliás, começou mal ou ao menos maleducadamente: Clotilde Tavares soube da mudança através dos jornais.

Ora pro nobis

Enquanto, fósforos na mão, ensaia acender a vela dos santos ou a do demo, Garibaldi (Alves) Filho aproveita, mais uma vez, sua quota como senador e dá um empurrãozinho na publicação do livro “Dom Marcolino Dantas, por ele mesmo”, editado pelo Senado Federal e com lançamento hoje, 19h, no Midway.

O Cônego José Mário de Medeiros autografa a antologia, que reúne, além da produção poética de Dom Marcolino, homilias, discursos, bênçãos, pregações etc. etc.

Ave sangria

Mais pro profano do que pro sagrado – aliás, sangrado – é o outro lançamento da noite: dez anos depois, Civone Medeiros (ex-Enovic) relança suas “Escrituras sangradas – toscas fatias de escrevinhaduras” (safra 99), e aproveita para lançar o Livro 2 – “Ave de arribaçã ou a propósito de Viena e outros ondes”, que começou a ser escrito na virada do século, quando – confidencia o release – “voa para a capital austríaca e vive uma nova fase de sua vida, com a filha Bianca (hoje uma linda moça) e um amor”.

Nossa. Viajar pra Viena d’Áustria com a filha e um amor é tudo na vida, né não?

Os prefaciadores sangrados são Bianor Paulino (book one) e João Batista de Morais Neto (book two).

No Nalva Melo Café Salão, 18h.

Ó

Começa hoje a Feira do Livro do Seridó. Em Caicó. Agora, com o perdão dos organizadores (a quem respeito e estimo tanto), dizer que Gabriel, O Pensador, é um “grande nome da literatura nacional” é quase um atestado de ignorância. Ou de mau gosto.

Senilidade

Você não tem nenhuma dúvida que está ficando velho quando começa a achar esquisito nomes de bandas como “Dionne e UpFront” e “Acoustic and Grooved” – pois, as duas se apresentam hoje e amanhã, respectivamente, no Seis em Ponto Bar & Petiscaria. Sempre a partir das nove da noite.

Estado das coisas

Hoje, pra quem gosta – e como tem gente que gosta, fazer o quê? – tem lançamento do DVD “Um estado de espírito”, do grande, fenomenal, imbatível Ricardo Chaves. Na Central do Carnatal, 19h.

apócrifos

Para os amantes da rede mundial de computadores – tuiteiros, blogueiros, facebookeiros, orkuteiros e demais eiros – recomenda-se passar na banca de revistas mais próxima e adquirir “Caiu na rede”, da jornalista Cora Rónai (de O Globo), sobre textos falsos da internet que se tornaram clássicos. É bem velhinho, data de 2005 (o que nos tempos do twitter é uma eternidade), mas está pela merreca de R$ 9,90, ou coisa assim.

Então, quatro anos atrás dona Cora já escrevia: “O meio-de-campo da internet está tão embolado, e os apócrifos se espalham com tal velocidade, que qualquer tentativa de descobrir ou estabelecer autorias é, praticamente, uma batalha perdida.”

Prosa

“Naquela grande aridez, só a vida que pulsava sem ruído conseguia triunfar.”

Miguel Torga

Bichos

Verso

“Que mais / te vulnera / infante?”

José Bezerra Gomes

“Adivinhação”

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Para viver um grande amor


Para viver um grande amor é necessário antes de tudo estar apaixonado. A premissa parece redundante, inútil, banal, até mesmo pueril, e por conseguinte desnecessária, de tão lógica que é. Mas é imprescindível. Não se vive um grande amor sem paixão. Pode-se viver um médio, pequeno, micro-amor. O que – quem sabe (e provavelmente é, mesmo) – é até mais desejável, enquanto racional e tranqüilo. A placidez, nos grandes amores, só existe em breves momentos. Naqueles onde (e quando e como e por que), cansados de uma entrega integral e íntegra, os corpos se abandonam num abraço frouxo mas firme, os olhos se deixam navegar à deriva nos olhos do outro e vice-versa, jogo de espelhos sem começo, meio ou fim.

Para viver um grande amor deve-se ignorar solenemente o tempo. Deve-se recusar o passado e imaginar que o futuro não existe além daquele momento presente. Deve-se acreditar piamente que será eterno (mesmo com o chato do Vinicius de Moraes martelando na cabeça a terrível conclusão – “enquanto dure”). Sim, porque todo Grande Amor é Eterno. E durável. E duradouro. E infinito (mudança de versos: “que seja eterno, enquanto infinito”). Deve-se confiar – cegamente, como um fiel rejeita a ciência e abraça a fervura quente do milagre – que é possível parar o tempo, os ponteiros e todos os relógios do mundo. Que o mundo, a propósito, não existe além do refúgio criado pelos amantes, para viver seu Grande Amor.

Para viver um grande amor faz-se necessário a mudança para uma ilha deserta. Sem pegadas na areia além das suas. E nem é tão importante que esses passos se repitam na areia lado a lado – eles podem caminhar às vezes mais à frente, às vezes mais atrás, outras trilhando a mesma vereda, que nada mais é senão seus próprios passos. (“Olha! Aqui se confundem. Não se sabe mais qual a marca de quem. Se sobrepuseram. Tornaram-se um.”)

Mas, para viver um grande amor, mesmo numa ilha deserta, é importante saber que não existem ilhas desertas. Então, é imprescindível manter a força dos músculos para outras atividades que não apenas o ato mágico e único do amor. É imperioso dedicar-se à construção de fortes, de paliçadas, de fossos de proteção, de trincheiras, de casamatas. É necessário vestir couraças, armaduras, peitorais, coletes. Até para desvesti-los depois. Ainda que a nudez nos torne frágeis. Vulneráveis, somente um para o outro.

Para viver um grande amor é preciso reconhecer que só esse mesmo grande amor pode decretar seu fim. E, ainda assim, eterno, enquanto infinito.

*

“Vertigem”

Começou domingo passado e segue até dezembro a nova mostra de osgemeos (grafado assim mesmo), Gustavo e Otávio Pandolfo. Consagrados como grafiteiros, há muito romperam os limites dos muros urbanos e freqüentam o interior e o exterior dos melhores museus do mundo.

Em Sampa, claro, no Museu de Arte Brasileira da Faap.

Groove

Dentro do terreiro das programações “imperdíveis”, logo mais à noite, 20h, no TAM, o secular Teatro Alberto Maranhão, Serginho Groove faz jus ao apelido e reúne convidados, todos ilustres como o anfitrião. Chico César, Dorgival Dantas e Khrystal – entre outros – se apresentam ao lado do baixista e participam da gravação de novo DVD.

Lar

O Centro Acadêmico Amaro Cavalcanti, do curso de direito da UFRN, promove logo mais à noite debate sobre “Direito à Moradia” – na mesa, a arquiteta Dulce Bentes, o procurador-geral do estado Francisco Sales e o coordenador do Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas, Wellington Felipe.

No NEPSA (Goiabinha), 19h.

Cadeiras

A si-la-bAs Cia. de dança é a única representante destas ribeyras no Festival Internacional de Dança do Recife e se apresenta, hoje, 17h, no Teatro Barreto Júnior. “Sente-se” é dirigido por Mauricio Motta, que divide o palco com Anízia Marques.

Dois em um

Contagem regressiva para dois próximos lançamentos literários. A proximidade em questão não se refere somente ao tempo: dia 5 de novembro, Alex Medeiros e Marize Castro dão à luz fluorescente do Midway suas últimas crias – o primeiro no foyer do Cinemark, com direito a pipoca e guaraná; a segunda, quase em frente, na livraria.

Dangerous

“Filmar é perigoso. Escrever é perigoso. Viver é perigoso. São demais os perigos desta vida – e não vêm somente de balas perdidas e governos demagógicos, os artistas demagógicos podem ser perigosíssimos!” – do professor-doutor (e ainda por cima uspiano) Marcos Silva, no Substantivo Plural, ontem.

Prosa

“Inteiramente esquecido da altura a que estava, procedera como se viver ali, perto do céu, fosse viver na terra, sem precisão dos braços cautelosos agarrados a nada.”

Miguel Torga

Bichos

Verso

“Confesso-me / de assim / ter sido // Ainda que não fosse mais”

José Bezerra Gomes

“Lápis”

terça-feira, 27 de outubro de 2009

Destinos traçados

Passei grande parte da minha vida ouvindo essa história. A de como Estevam José Ribeiro Dantas deixou a carreira médica para abraçar a batina, contrariando – ou não – o seu destino.

Sua mãe, Joana Evangelista dos Prazeres escreveu para um parente consultando onde enviar três dos quatro filhos varões que tinha – o restante da prole era constituída de seis mulheres, que, naquela época não tinham por que estudar.

A resposta foi que seria mais em conta enviá-los a Roma – que o mundo, naquele tempo, tinha já seus suspiros de globalização. E assim foi: embarcados em 1877, seguiram João Damasceno, destinado a ser padre, Estevam, que deveria ser médico, e Miguel Antônio, que deveria concluir apenas os estudos básicos, destinado que já era para cuidar das terras da família.

Certo dia, já em Roma, Estevam vê o irmão João mui preocupado escrevendo carta à mãe. Indaga daqui, indaga dacolá, o irmão confessa que não quer mais ser padre. “Pois”, respondeu-lhe Estevam, “não diga que não vai ser padre – diga apenas que houve um engano: quem tem vocação para ser padre sou eu.” E acrescentou: “Esse desgosto você não vai dar à nossa mãe.”

Dito e feito, estudou no Colégio Pio Americano e na Universidade Gregoriana, mas se ordenou padre em Fortaleza, em 1884. No dia da sua primeira missa – naquele tempo, literalmente “cantada” –, na sua São José de Mipibu natal, libertou dois de seus escravos. Três anos depois, com o abolicionismo tomando corpo, libertou os últimos que ainda tinha e pediu à família que fizesse o mesmo, no que foi atendido.

Daí seguiu sua carreira eclesiástica, passando por Assu, Paraíba, Mossoró (onde foi incumbido da fundação do Colégio Santa Luzia), Macaíba e Natal (onde também empenhou-se na construção da Igreja de São Pedro, no Alecrim).

Quis o destino, também, que sua irmã, tendo ficado viúva e com extensa prole, fosse acudida pelo Cônego Estevam, que pediu-lhe para cuidar do caçula, também chamado Estevam, e – olha só por que sei toda essa história – meu avô materno.

O Cônego Estevam queria para o sobrinho-filho o mesmo destino que ele mesmo tinha se imputado, naquele longínquo dia em Roma. Meu avô tinha já suas idéias radicais (entre elas o espiritismo) e não contou conversa – disse claramente que não, padre não queria ser.

O tio-pai tampouco se fez de rogado: “Então seus estudos terminaram, nada de medicina, nem qualquer outro curso superior – minha responsabilidade com você termina aqui.”

Por ironia do destino, o desgosto que o Cônego Estevam evitou que sua mãe tivesse, ele mesmo acabou tendo.

*

sina

Ser jornalista é muito bom – o danado é saber as más notícias antes dos outros.

Auto

Começou ontem, e vai até a próxima sexta, 30, as inscrições para quem quer participar do Auto de Natal 2009: compareçam na Funcarte (com César ou sem César), levando cópia do RG, CPF, comprovante de residência e foto 3x4.

Das 9h às 16, informações pelo telefone 3232.4948.

Cartaz

Começou ontem a III Semana Estadual de Políticas sobre Drogas – além dos esperados debates sobre o combate às drogas, o Conen/RN (Conselho Estadual de Entorpecentes) promove o III Concurso Estadual de Cartazes com o tema “Prevenção ao uso indevido e abusivo de drogas”. Para alunos do ensino fundamental das escolas públicas e privadas.

Informações pelo telefone 3232.7889.

Vida e Obra

Confirmada – para daqui a um mês – a palestra onde Josoniel Fonsêca da Silva abordará a “Vida e a Obra do Jurista Odilon Ribeiro Coutinho”. Dia 27, 10h, na Procuradoria Geral do Estado, Afonso Pena, 1155, Tirol.

Políticas públicas

Resultado dos estudos de professores e alunos do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFRN, será lançada hoje (19h, Midway) a coletânea “Desafios da gestão participativa no Nordeste”, organizada por Ilza Araújo Leão de Andrade.

Vinil

A dica é do cardiologista Cícero Almeida, interessado não apenas nas coisas do coração mas também naquelas que envolvem a áudio-fidelidade musical: quem ainda curte vinil não pode deixar de visitar três sítios na internet – www.elusivedisc.com, www.needledoctor.com e www.acousticsounds.com.

Pergunta

A quem interessa realmente saber que o deputado Fábio Faria está namorando com a apresentadora de TV Sabrina Sato?

Estilos

Os boxes Prosa e Verso desta semana acolhem o estilo discretamente elegante e explicitamente conciso de Miguel Torga, e o estilo, mais que elegante, sóbrio, e, mais que conciso, mínimo, dos versos de José Bezerra Gomes.

Prosa

“Simplesmente, quem brinca aos afogados, afoga-se.”

Miguel Torga

Bichos

Verso

“Quem em meu barco embarcar / em meu barco soçobrará”

José Bezerra Gomes

“Arca”