segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Adivinhe quem vem para o café-da-manhã: Laélio Ferreira de Melo

Finda aqui o artigo de Laélio Ferreira de Melo sobre livro que virá, provavelmente no próximo 10 de março, aniversário de 114 anos do nascimento de “O príncipe plebeu”, como alcunha a biografia de Othoniel escrita por Cláudio Galvão.
E como no preâmbulo anterior a coluna tinha citado alguns fragmentos de “Sertão de espinho e de flor”, seguem outros:
“O curral enche-se, à cunha./ Um touro preto desunha, / escarvando no tauá. / A três rivais tomou contas: / levou-os, nos chuços das pontas, / desde os mourões ao jucá. // Dois cavalos bons-de-gado/ esperam, de cada lado/ da porteira, a sapatear, / o olho em brasa, a orelha fita... / – Acunha o azeitão! –, é a grita. / O monstro “espirra”, a espumar... // Com poucos metros de perda, / um à direita, outro à esquerda, / erguendo golfões de pó, / os dois centauros avançam. / Um minuto... dois... alcançam! / – vão no mesmo mocotó!”
Bons tempos em que as vaquejadas inspiravam versos assim – e não o assado dos forrós elétricos de hoje.


O PRÍNCIPE PLEBEU E EU (e II)
Augusto Carlos Galvão, pai de Cláudio, foi colega estimado, contemporâneo de Othoniel na Parnamirim Field dos tempos de guerra, onde, por sinal, o conheci antes de conhecer o filho – eu de calças curtas (tinha uns cinco anos, por aí) –, na inauguração, na própria base aérea, da fábrica de Coca-Cola dos galegos, a primeira da América Latina. “Seu” Galvão, soube depois, amigo e auxiliar de Juvenal Lamartine, calvagara ao lado de um curumiaçu do poderoso abaeté sertanejo, protegendo e ensinando coisas simples e definitivas ao rapazola magro e feioso, o fim-de-rama do Presidente do Estado e da primeira-dama, Dona Silvina. O menino desngonçado seria, depois, um dos grandes nomes da literatura da Potiguarânia: Oswaldo Lamartine de Faria.
Era, Oswaldo, um daqueles jovens da geração brilhante de Aderbal Morelli, Deífilo Gurgel, Lenine Pinto, Newton Navarro, Walflan de Queiroz, Helen Ingersol, João Batista Pinto, Miriam Coeli, Celso da Silveira, João Meira Lima, Gilberto Avelino, Moacyr de Góes e outros tantos que, quase todos os dias, uns mais, outros menos, sob o pálio do olhar acolhedor e o do sorriso brando de Maria de Othoniel – minha Mãe! –, circundavam o Poeta. Na casinha modesta, apertados, jungidos nas poltronas gastas, sentiam-lhe a largueza da inteligência, a abastança da erudição, a sinceridade do conselho, o equilíbrio da opinião. Esses “meninos” (era como os chamava) nunca levaram em conta a propalada casmurrice do chorão dos versos da “Praieira”, mentira grossa, cavilosa ficção, largamente espalhada, difundida no Grande Ponto e alhures, por meia dúzia de desafetos do Poeta – que não lhes perdoava a mediocridade, a matreirice, a desonestidade, a pose de “sapientíssimos” sandeus, desastrados fuãos, baitas perus de papo inflado, a arrebentar de vento, “rodando nos terreiros, arrotando redundância, o dia inteiro...”
Além dos “meninos” acima – todos vitoriosos mais tarde –, por outro lado (o Diabo atenta!), aparecia lá por casa, pululava em algumas temporadas, toda uma fauna de “literatos” das mais variadas nuances, calibres e setores. Dessa outra clientela de Othoniel, os mais renitentes, chatíssimos, eram os poetas medíocres, os de pé-quebrado. Irritavam meu Pai, indagando sobre coisas de metrificação. Caras-lisas, azucrinavam para lá da conta, pedindo remendo e remédio para sonetos, sextilhas, quadras, odes, matinas, madrigais, epopéias, longos poemas modernistas. Alguns outros, mais conservadores, mais emproados, declamavam, solenemente impostados, suas babaquices – uma porra-louquice total! Quase todos eram despachados, também solenemente, para outros azimutes, outros rumos, várias paróquias ou cantões. A indicação mais comum para essa clientela era a de estudar muito, ler bons autores e não retornar tão cedo ao endereço do editorialista do jornal “A Liberdade”. Já para os que tinham terminado os cursos do Atheneu Norte-rio-grandense, a receita do meu velho prescrevia um diploma de Direito na faculdade de Maceió – que não exigia freqüência e era jocosamente conhecida, à época, como a “Ponte da Aliança” (onde todo mundo passa!).
Ainda bem que, para a tranqüilidade do Príncipe da Rua das Laranjeiras, naqueles tempos idos, priscas eras, sequer tinham inventado – graças todas, hosanas mil aos Céus todos! – o poema-processo, os possessos e enfumaçados vates performáticos e os cordelistas “de bancada”...
Decorridos quarenta anos da sua viagem para o Azul, eu só queria adivinhar, se vivo fosse, quais seriam os conselhos e quais as receitas de Othoniel para, pelo menos, um jacá cheio (umas duas dezenas de unidades) de certos “intelectuais conterrâneos” (arre égua!). Alguns deles, por sinal – não fosse um aloprado esporro do Secretário de Segurança da época, um futuro general, filho de poeta –, tentaram, à moda nazi-fascista, queimar seus livros na Cidade Alta (os de Cascudo, também), taxando-o de “ultrapassado” e desimportante. Besteira minha, devaneio meu. Bobagem, bobeira, coisa besta, presunção, pabulagem, tolice, firula, fanfarrice: a águia não caça moscas, um espírito superior como ele foi – e é – não se ocuparia de coisas menores (“aquila non captat muscas”)...! [Laélio Ferreira de Melo]



PROSA
“Aos que ainda levam a sério a literatura, sirva-lhes de encarmento, para se corrigirem da pertinácia sedentária, o exemplo de Ferreira Itajubá.”
Othoniel Menezes
Revista da ANL No. 8
VERSO
“– Para viver de amor basta a saudade!”
Othoniel Menezes
“Viver de amor”

2 comentários:

  1. Mario Ivo.

    Salve!

    Vossa Mercê - fique bem certo! -,com muito engenho e arte, nos comentários e citações, botou moldura dourada, florentina, nos meus bisonhos rabiscos.
    Uma pena que a sua idade e juventude não tenham permitido ser um daqueles "meninos" de Othoniel. Sei que vosmeçê foi menino muito querido do Professor Jessé Dantas Cavalcanti, do mesmo chão formoso dos canaviais - terra de avoengos de Othoniel (Ribeiros Dantas).
    Abraço agradecido, do sempre leitor e admirador,
    Laélio

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  2. Mario Ivo.

    Salve!

    Vossa Mercê - fique bem certo! -,com muito engenho e arte, nos comentários e citações, botou moldura dourada, florentina, nos meus bisonhos rabiscos.
    Uma pena que a sua idade e juventude não tenham permitido ser um daqueles "meninos" de Othoniel. Sei que vosmeçê foi menino muito querido do Professor Jessé Dantas Cavalcanti, do mesmo chão formoso dos canaviais - terra de avoengos de Othoniel (Ribeiros Dantas).
    Abraço agradecido, do sempre leitor e admirador,
    Laélio

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