quinta-feira, 15 de outubro de 2009

O antitudo


Graças a deus – força de expressão, claro – evitei ler qualquer crítica sobre “Anticristo”, último filme do dinamarquês Lars von Trier, já citado por aqui em outras ocasiões. Mas findou que ainda li dois ou três comentários, salvo engano todos desabonadores sobre.

Muito fácil entender por que as pessoas não gostem de um filme todo centrado sobre os abismos da mente humana e concentrado em, praticamente, dois únicos atores, o bravo Willem Dafoe, com seus rosto cavado e duro, e Charlotte Gainsbourg, com seu rosto igualmente reto, desprovido de suavidades.

Todo escuro e sombrio, “Anticristo” não alisa, não acaricia, não pisca o olho para o espectador. E cada porrada – visual e no roteiro muito bem construído e pensado –, acreditem, não é, não são, nem um pouco gratuitas.

A maior delas vocês já devem saber (e se não sabem, melhor ficarem logo sabendo, assim não precisam nem sair de casa): quando a protagonista corta o próprio clitóris com uma tesoura.

Algumas linhas atrás usei uma expressão diante da qual eu mesmo torceria o nariz se desse com ela em texto alheio: “abismos da mente humana”. Nossa. Bote chavão nisso. Mas não dá pra edulcorar nem a pílula tentando escrever uma crítica bonitinha pra um filme assim: “Anticristo” é abissal – e basta. Um “Coração das trevas” íntimo e perverso. A fotografia comunga a cada quadro a idéia de que, muito mais que um jardim das delícias, o Éden é a ante-sala do Inferno. E Éden, aqui, é nome do refúgio na floresta aonde buscam esconderijo e salvação o casal cujo filho acabou de morrer num acidente doméstico.

“Anticristo” lembra em muito – ao menos ao sobrescrito – “O iluminado”, de Stanley Kubrick, que inaugurou a década de 80 e foi um sucesso de público. No filme, baseado em conto de Stephen King, Jack Nicholson viaja com a mulher (Shelley Duvall) e o filho pequeno para um hotel nas montanhas, em meio a uma floresta ainda colorida e vibrante, numa longa e magnífica seqüência inicial, que merece ser revista (e que parece com a, mais breve, de Von Trier). Os muitos cenários do hotel de inverno eram construídos com minúcias e detalhes que remetiam a imaginários da cultura pop dos anos 70, especialmente no que diz respeito à decoração. Tudo era muito, exageradamente, colorido e – perdão – iluminado.

Já neste insucesso de público (estamos no século 21, onde o cinema é muito king size e combo), Dafoe e Gainsbourg viajam, já sem o filho deles, morto, ao coração das trevas – o Éden – não para serem recebidos e perdoados, mas para serem definitivamente expulsos. Não para uma redenção, mas para uma danação. Se deus está nos detalhes, os detalhes aqui são a natureza como um todo. E em vez de um hotel enorme e multicolorido, resta ao casal uma velha e rústica cabana e a natureza sempre ameaçadora em tintas sombrias.

Enquanto o casal de Von Trier se une para enterrar psicologicamente o filho morto, o casal de Kubrick se separa porque papai quer matar o pequeno Danny Boy e mamãe, claro, quer salvá-lo.

Por contrariar essa regra clássica, muita mariana, aliás, o dinamarquês teve renovadas suas acusações de misógino. Papai agora quer matar mamãe, porque mamãe antes quis matar papai.

“Anticristo” remete também para alguns filmes de Bergman (não “Persona”, mas “Morangos silvestres” e “Cenas de um casamento”).

Noves fora esses enlaces, é difícil não conceder ao diretor o título de mestre, ao perceber que quase ninguém sai da sala antes de encerrada a sessão e ouvir minguarem, pouco a pouco, o som irritante dos sacos de pipocas e outras guloseimas, sumindo, desaparecendo, sendo abafados pelo silêncio ensudercedor (mais um chavão) que impera em todo o filme.

Filmaço. Como diz um colunista social, para poucos e bons.

*

para quem precisa

A situação da Polícia Civil neste Ryo Grande será discutida em Audiência Pública na Assembleia Legislativa – logo mais, 9h30.

Sapatilha

Quem quiser participar da seleção anual para as aulas de balé clássico da Escola de Dança do Teatro Alberto Maranhão (Rua Chile, Ribeyra-velha-de-guerra) tem até hoje para fazer sua inscrição. A idade mínima é 5 anos – já para a máxima não há limite – e as aulas começam ano que vem, em fevereiro.

As aulas de dança de rua, danças populares e dança contemporânea não exigem seleção. Vão lá na Rua Chile, 106, Ribeyra-velha-de-guerra, e botem pra quebrar – ou requebrar. É grátis.

Instrumental

Hoje, no palco da Book Shop da Pipa, 21h30, tem show da banda Chaskys, dentro da programação do Festival Gastronômico – que inclui, também, o primeiro dia do concurso “Novos talentos”, às 17h30, com os participantes e seus respectivos ajudantes: Wellington Câmara-Raquel Silva (“Camarão com chutney de jerimum”), e Jonatã Canela-Pedro Kummer (“Passaporte à Pipa”).

Já deu pra perceber que o tema do concurso, este ano, é o jerimum, né?

Prosa

“Sólo la arena puede acompañar una palabra muda hasta el horizonte.”

Edmond Jabès

Un extranjero con, bajo el brazo…

Verso

“Eu crio em pensamentos, onde por pouco / Não treme o coração.”

Vinicius de Moraes

“O infinito de Leopardi”

2 comentários:

  1. Uma análise perfeita, meu caro. Em poucas palavras, você conseguiu dizer muigto sobre o filme. Vou usá-la parcialmente no Balaio. Na verdade, apenas um parágrafo;

    ResponderExcluir
  2. vindo de vc, moacy, um reconhecimento agradável, abs

    ResponderExcluir