terça-feira, 25 de novembro de 2008

As normais, as neuróticas, e as loucas de pedra e batom

Marquem na folhinha, anotem na agenda, sinalizem no calendário do celular: hoje é o Dia Internacional de Combate à Violência contra as Mulheres.
O que me faz lembrar o velho Nelson Rodrigues: “Evidentemente, quando eu digo que a mulher gosta de apanhar, eu não quero dizer apanhar a toda hora, a todo instante e de todo mundo. Ela gosta de apanhar do ser amado.”
A fala é de uma entrevista à jornalista Christina Autran, realizada na virada dos anos 60 pros 70 (e publicada ano passado pela Nova Fronteira num livrinho imperdível intitulado, pois, “’Por que a mulher gosta de apanhar’ e outras reportagens dos anos 1960 e 1970” – e que inclui mais 27 entrevistas, quase a metade com mulheres, entre as quais Clarice Lispector, Fernanda Montenegro e Helô Pinheiro, todas, imagino, sem pendor para apanhar e gostar de).
Christina era – e ainda é – uma jornalista competente: não haveria de bater boca com o mais que famoso colega e dramaturgo. Pergunta, pergunta, pergunta e deixa o entrevistado falar. (Não diz a ele, por exemplo, que muitas das perguntas que faz são frases de Jung; e é irônica na medida certa quando intercala perguntas e respostas com comentários: “Nelson nasceu no dia 23 de agosto de 1912. É Virgem. Isto é, seu signo é Virgem.”) O virginiano continua sua controversa tese:
“Mas é claro que, quando eu digo que a mulher gosta de apanhar, eu tô falando – isso é preciso repetir, especificar para evitar confusão –, eu me refiro não a todas as mulheres, somente às normais. Eu digo, e mais uma vez repito, que a neurótica reage.”
Pois.
Inspiradas no preconceito geral que ainda resiste quatro décadas depois de Autran entrevistar Rodrigues, uma turma de atrizes e ativistas feministas de Recife, Pernambuco, apropriou-se com ironia do lugar-comum que taxa de loucura qualquer atitude contracorrente: As Loucas de Pedra Lilás não atiram pedras – fazem performances na rua e “acreditam na força da arte para reverter os danos causados pela sociedade patriarcal, que gera homens possessivos e ciumentos capazes de matar suas companheiras”.
As Loucas de Pedra se exibem hoje, num cortejo que parte do Baldo por volta das três da tarde e chega na Praça André de Albuquerque lá pelas cinco e meia, ainda tempo de entrever o sol se pôr do outro lado do Putigy.
O cortejo faz parte da I Jornada de Contracultura Revirando as Estruturas da Violência, promovida pelo Coletivo Leila Diniz, ONG feminista, que recebeu para o evento apoio da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres.
Pra deixar os santos de casa realizarem também seus milagres, as Loucas de Pedra abrem alas e espaço para o grupo potiguar Facetas, Mutretas e Outras Histórias, que vão se amarrar ao antigo pelourinho da Praça André de Albuquerque.
O que bem pode ser uma alusão à música de Yoko Ono e John Lennon, “A mulher é o negro do mundo”. Não é, claro. Nem gosta de apanhar, muito menos.
Mas aprenderam que podem ser loucas o suficiente para, mesmo sãs, “normais” ou “neuróticas”, se assumirem como tal para alertar a população que bater ou matar mulheres em nome de um suposto “amor” é crime e dá cadeia.
*
ROSACHOQUE
Aliás, bem que a neo-prefeita-eleita desta Capital Espacial podia bater suas asinhas multicoloridas e desembarcar, hoje, na Baía da Guanabara: o 3º Congresso Mundial de Enfrentamento da Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes segue até a próxima sexta, reunindo representantes de 150 países.
Afinal, a Borboleta já avoou pelo Sul Maravilha, vai pra Mossoró City, assistiu o jogo do ABC x Ponte Preta, foi à missa e tietou e foi tietada no show do Padre Fabio Melo: exploração sexual infanto-juvenil é problema e interesse direto deste Arraial e da “exuberante” indústria do turismo local.
EM NOME DO PAI
Laélio Ferreira animado com um verdadeiro achado: os originais de “Canção da montanha”, de Othoniel Menezes, seu pai, safra 1955.
Animado, mas ainda em dívida: quando saem as obras completas, Laélio? O tempo urge. E “Sertão de espinho e de flor” merece a mais bem cuidada das edições, capa dura, luxo, tal.
LETRAS & JAZZ
Começa quinta, 27, o Ene, Encontro Nacional de Escritores, ribeyras do Putigy.
Mesmo dia do JazzPorto, Festival Internacional de Jazz e Blues de Porto de Galinhas, no vizinho estado de Pernambuco.
Ambos, grátis.
EME
A moçada vai chiar com a presença de José “Maribondo de Fogo” Sarney – mas tem Arnaldo “Titã” Antunes pra contrabalançar, em prosa e música: é dele o primeiro dia de show.
Música, aliás, não falta nesta 3ª edição do Ene, que bem poderia ser Eme – encontro musical de escritores: tem Abel Silva (compositor), Arthur Nestroviski (crítico musical), Paula Morelenbaum (cantora), Roberto Menescal (músico), Zé Miguel Wisnik (músico) e Zuza Homem de Mello (musicólogo), distribuídos em várias mesas. Mais os nativos Carlos Piru (músico) e Zé Dias (produtor).
RÁDIO
Quer ouvir versos de poetas deste Ryo Grande? A Rádio Muderna (www.mudernage.com.br) convidou Tarcísio Gurgel, para recitar os poemas, e Manoca Barreto, para a trilha musical.


PROSA
“Nós nem sempre gostamos das pessoas que amamos: nem sempre temos essa escolha.”
Anne Enright
O encontro
VERSO
“Só uma coisa me entristece
O beijo de amor que não roubei”
Abel Silva
“Jura secreta”

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