sábado, 16 de maio de 2009

Adivinhe quem vem para o café-da-manhã: Abimael Silva

Abimael Silva, um sábado depois de Augusto Lula? As más línguas vão falar em arrumadinho, esquema, coisa e tal – aliás, samba esquema noise, já que os dois venceram as última eleições da Samba, Sociedade dos Amigos do Beco da Lama etc. Mas as más línguas a isso servem, então, maravilha.
Silva aparece – pela segunda vez neste café-da-manhã (a primeira em julho do ano passado num texto sobre “A arte de comer caranguejo”) – por razão mais-que-justa: morreu Helmut, como parte da City soube, e Abimael era sua sombra, ou ele, a sombra de Abimael. Tipo: Dom Quixote e Sancho Pança, embora os dois sejam magros feito a lança do Quijote. Helmut, a propósito, era magro, e estava quase sempre nas brenhas do Sebo da Avenida Rio Branco, entre espirais de tabaco e loiras geladas.
Mas aí acontece o inusitado, como era de se esperar quando o assunto é Abimael e Helmut: o editor-sebista fica de mandar seu texto em arquivo digital – o que é uma façanha, já que só escreve batucando em sua máquina portátil. Os dias passam, as horas passam, os minutos aproximam-se do deadline. E nada.
Oswaldo Ribeiro, codinome Ørf, envia a primeira página datilografada do texto de Abimael em formato jpg. Via email. E nada de chegar a segunda. Terá sido Helmut que abortou o envio? Vai saber.
Ah! e a foto de Helmut foi surrupiada do blog de Hugo Macedo (www.fotohugo.blogspot.com), com autorização de Abimael (!).
Ouçam, pois, com atenção, e tirem suas conclusões de como termina o relato sobre Helmut:

QUANDO UM AMIGO PARTE
Quando um amigo parte para o país das sombras fica aquela melancolia e o velho filme mental, sem cortes em todas as cenas.
Tudo isso é para dizer que José Helmut Cândido, o ex-carteiro de Câmara Cascudo, um potiguar que lia Nietzsche em alemão, fez a última viagem no primeiro sábado de maio, deixando saudades e histórias maravilhosas.
Helmut amava cigarro, cinema, Nelson Gonçalves, boêmia e fotografia. Se orgulhava ao dizer que fumava seis carteiras diariamente, sabia tudo de cinema, conhecia quase todas as interpretações de Nelson e o Brasil de ponta a ponta.
Detestava cachorro, menino, velho e assovio. Não dividia fotografia. Quem quisesse que tirasse com fulano, sicrano ou beltrano, mas a dele era só ele, caso contrário não tinha fotografia.
Velho funcionário dos Correios leu todos os filósofos. Há poucos anos viajou de ônibus para o Rio de Janeiro com a roupa do corpo e vinte reais no bolso: ainda chegou com um e cinqüenta para comprar a última carteira de cigarros. Namorou Francisca, ex-empregada de Cascudo, e freqüentou a zona da Rua São Pedro até o ano passado.
Foi um William Burroughs, um beatnik sem ter conhecido Kerouac, Bukowski e companhia. Era um velho que gostava de viajar!
Quando lancei seu segundo livro, “O carteiro de Cascudinho”, deixei vinte exemplares na livraria Siciliano, esperando uma boa venda, que nunca aconteceu. Depois de quinze dias sem vender nada, Helmut disse que iria levar os livros, que tinha onde vender mais rápido. Foi aquela confusão, mas ele acabou levando metade dos livros. Só Helmut para fazer essas coisas.
Helmut foi Bartleby, o Escriturário, que conheci. Era quem mandava e desmandava no Sebo Vermelho. Diariamente me esperava na porta, mais fiel que o melhor felino. Não dá para esquecer o dia em que ele quis ser funcionário do Sebo:
– Abimael, como você vive saindo para resolver coisas na rua, me contrate para ser seu gerente. Eu sou barato, o salário é 300,00 mas você só precisa me pagar 150,00. Agora, eu só aceito ser o gerente.
Eu dei aquela gargalhada e ele disse que falava sério. Eu falei:
– Helmut, não dá por dois motivos: primeiro, você já quer começar sendo gerente, depois, a próxima promoção é dono!
[...] [Abimael Silva]



PROSA
“Não era eu mesmo, nunca fora aquele sujeito com sua felicidade sinNegritoistra, sua estranha bravura.”
John Fante
Pergunte ao pó
VERSO
“morreu quem sou, mas quem não fui existe”
Miguel Cirilo
“tendência”

2 comentários:

  1. Oi, o Balaio de hoje foi embrulhado por uma de suas colunas.

    Um abraço.

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  2. Olá!

    Vi tua crônica lá no Balaio e achei interessante e me fez perceber que a beleza despretenciosa da mulher, já está extinta, (salvo algumas excessões).
    A vulgaridade impera dominante e a simples beleza de uma mulher parece ser impossível de ser resgatada. Tempos modernos, tempos estranhos!

    Prazer e um abraço!

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