Aqui me tens de regresso

Sentiram minha falta?
Eu não.
Quero dizer: não, não senti minha falta. Quero dizer: não, não senti a falta de vocês.
Brincadeirinha. Mas como toda fumaça tem seu fogo gerador, explica-se.
Não deu pra vocês sentirem minha falta porque Sheyla Azevedo melhorou o espaço nos últimos quinze dias. Tipo: escancarou as janelas, abriu os armários, estendeu os lençóis, arejou o ambiente, enfim, tirando aquele velho cheiro de mofo, de bolor acorrentado.
Nestes tempos plúmbeos, recomendo fazer o mesmo na casa e na alma de vosmicês.
Pintou um solzinho na varanda, corram e estendam os gambitos e as gâmbias ao astro-rei. Banho de sol é tudo de bom.
Também não senti a falta de vocês. Férias é tudo de bom. Tão pensando que é fácil escrevinhar dia após dia, noite após noite, mal ou bem traçadas linhas? Não, cidadão, cidadã: o buraco é mais embaixo.
(Não, não vou dizer que o buraco mais embaixo é tudo de bom.)
Então, eis-me aqui de regresso, e, embora essa coluna não seja nenhuma desventura, tampouco Ítaca é.
Ítaca, como todos devem saber, é a ilha de Ulisses, para aonde ele tenta voltar depois do fim da Guerra de Tróia.
Daí pra manter minha aura de letrado, pespego-lhes uns versinhos de Kaváfis:
“Se partires um dia rumo a Ítaca,/ faz votos que o caminho seja longo,/ repleto de aventuras, repleto de saber.”
PERFUMES SENSUAIS
E continua o grego de Alexandria (a do Egito, não a da Serra da Barriguda), recomendando ao leitor não se preocupar com o encontro com monstros e deuses coléricos: eles só existem quando os levamos dentro d’alma, quando não mantemos a altivez do pensamento, quando não nos deixamos tocar pela emoção do corpo e do espírito.
E continua o grego de Alexandria (1863-1933), augurando ao leitor-viajante o prazer e a alegria do shopping nos portos de antanho: madrepérolas, corais, âmbares, ébanos, perfumes sensuais “de toda espécie”.
(E nem adianta procurar que essas coisas não se encontram no Midway, não, que nos desculpe o senhor Nevaldo Rocha e trupe.)
E continua o grego de Alexandria (a da biblioteca), sempre reforçando o mote inicial da ausência de pressa para em Ítaca chegar:
“Mas não apresses a viagem nunca./ Melhor muitos anos levares de jornada/ e fundeares na ilha velho enfim,/ rico de quanto ganhaste no caminho,/ sem esperar riquezas que Ítaca te desse.”
E conclui o grego de Alexandria (a do farol): “Ítaca não te iludiu, se a achas pobre./ Tu te tornaste sábio, um homem de experiência,/ e agora sabes o que significam Ítacas.”
Bueno, bueno, bueno, e por que diacho eu citei Kaváfis, mesmo?
Porque, talvez, contrariando a mim mesmo, esta coluna seja minha Ítaca pessoal. Ou minha boêmia que me toma de regresso de outras Ítacas, para esse dia-a-dia comezinho, bobinho, tolinho, pequeninho. Porque, talvez, sim, estou contente de aqui voltar. Porque, com certeza, só tenho a agradecer a Sheyla Azevedo por manter acesa a chama do farol que indica a todos vocês, viajantes-leitores, a exata localização de Ítaca – aqui, ali, em vocês mesmos.
*
QUINZENA
O que danado aconteceu na minha ausência? A Miss São Gonçalo do Amarante se tornou Miss Brasil (mas eu continuo fiel à Julinha Arruda); a Viva Produções anunciou a vinda do Rei do Tropicalismo, o preferido de Almodóvar, Cê Veloso (para o 25 de julho, ainda); a Câmara Municipal foi alvo de um golpe, bem estilo deus-salve-a-américa-do-sul (e valeu o boi); o vice Iberê Ferreira de Souza se lançou no twitter (nada a ver com sua altura) ; a prefeita Micarla de Sousa arrumou um problemão com os intelectuais do Mercado de Petrópolis por ter – pasmem – proibido o forró das sextas (ah, a intelligentzia pé-de-serra)...
GIROBUSINESS
Mas o que mais chamou a atenção do sobrescrito foi a atenção dada aos 19 aninhos de uma loja de móveis: de repente, não mais que de repente, o evento foi anunciado em 11 entre 10 colunas – sociais, políticas, empresariais – e blogs – idem –, só perdendo pra Copa do Mundo (que, sim, vem pra cá).
Uma festa, o Arraial!
VIRA-LATAS
Teve mais, teve mais: levando em conta o nosso clássico complexo de vira-latas, o que o colega Ancelmo Gois disser agora é lei.
Os nativos que anunciaram a escolha de Natal não foram ouvidos, mas bastou o jornalista de O Globo fazer sua listinha e o santo de fora fez o milagre.
Da minha parte, eu só espero que ele divulgue os números da loto.
BUONA GENTE
Hoje comemora-se a proclamação da República Italiana. Mas a festa, mesmo, será na sexta, 5, no restaurante Da Roberto.
No cardápio, lasanha de peixe com filé de badejo ou lasanha de carne com filé ao vinho tinto. Já a entrada é a mesma: bruschetta.
Bruschetta é tudo de bom.

PROSA
“Eu, as coisas e as pessoas que me cercam somos o verdadeiro presente.”
Italo Svevo
Argo e seu dono
VERSO
“ausência e / espera.”
Napoleão de Paiva
“a paixão soterrada”