quinta-feira, 18 de junho de 2009

Muito siso, pouco riso

A coluna anda muito sisuda, muito seriazinha, muito chata, mesmo. Reconheço. Não vou nem botar a culpa no corno do Leopold Bloom, que monopolizou o espaço nos dois primeiros dias desta semana sem graça. A essa altura não preciso mais explicar quem danado é o senhor Bloom, né? O caba é mais famoso que o senhor Ricardo Teixeira, a quem Serejo maldosamente sugeriu entregar as chaves, os cofres e tudo mais neste Ryo Grande gloriosamente projetado para 2014.
Pois. O personagem inventado pelo irlandês James Joyce conseguiu superar até Saint-Exupéry – se o inventor do pequeno príncipe veio dar com os costados por estas ribeyras uma única vez, Leopoldinho entra ano, sai ano, nos dá o ar de sua graça.
Terça passada, creiam-me, foi visto estirado numa calçada do Beco da Lama, bêbo feito um gambá – ou como um bêbado mesmo, que eu nunca vi gambá bêbado.
Na segunda – e não vou insistir que em mim acreditem – foi visto na fila de autógrafos de “O homem óbvio”. Não vou dizer que foi um dos muitos que furaram, na maior cara-de-pau, a fila. Não. Pelas caridade. Mas que um dos 404 livros foi a ele dedicado, vos asseguro. Rubinho ainda chegou a perguntar – “Dedico a você e à Molly?” – mas o irlandês, bêbado como um irlandês bêbado, só fez coçar a testa e soltou um grunhido, obviamente ininteligível.
Daí que deixando pra lá o senhor Bloom – até o ano que vem – vou contar do que vi e ouvi na calçada da Fundação Zé Augusto. Nem tudo, que não sou doido, e na calçada, sim, porque o negócio lá dentro tava apinhado e eu esperei até a derradeira hora para entrar. Uma língua afiada começou por comentar que nunca Crispiniano Neto viu tanta gente no endereço da Jundiaí. É verdade. Ainda que essa gente toda tenha passado ao largo do prédio principal e ocupado a rampa e as poltronas do TCP. No prédio principal entraram tão somente o presidente (da Fundação) e o deputado Mineiro. O primeiro disse que ia varar a noite escrevendo. O que danado tanto escreve Crispiniano? Mais um cordel, com certeza, que o vate tem mais leitores que Joyce e Rubinho juntos. O segundo, Fernandinho, entrou lá para fazer não sei o quê. Perguntaram se era para encontrar a caixa-preta da Fundação. Na verdade, eu perguntei, mas só pra tirar uma onda, que a FZA não é nenhum airbus da Air France – embora tenha caído há muito tempo sem deixar vestígios culturais por estas dunas e ribeyras. Mas, pra deixar claro, eu não sei de nada, e as únicas cores de caixa que eu conheço são “verdemuco” e “azulargênteo” – na escala de cores joyceanas, claro.
Lá pras tantas desce a rampa o comandante Castilho. Uísque na mão. Desconfio que Castilho bebe derna de sempre. Berilo Wanderley se foi, Newton Navarro se foi, e Castilho, companheiro de boêmias dos dois e de mais uma penca de gente, segue incólume em sua farra sem fim. É a alma mais bonina da cidade, capaz de fazer sumir qualquer siso e imprimir sorrisos no interlocutor mais circunspecto. Especialmente quando imita a dublagem dos filmes gringos. A propósito, já gravaram um Memória Viva com Castilho?
Falando em siso, feliz mesmo estava o editor Adriano de Sousa, que desistiu de investir em autores sem futuro – como o sobrescrito – e só aposta agora nos best-sellers (depois de Rubinho, Cassiano Arruda Câmara – que Volonté abordou na entrada para dizer-lhe que nunca viu nenhum exemplar do seu primeiro livro circulando pelos sebos da província, prova, segundo o peripatético, do apreço dos leitores). Feliz é modo de dizer que o poeta de Alexandria é que nem Jorge Fernandes – às avessas: “Habitualmente vivo assim sorrindo, / O riso para mim exprime tudo! / E no ato mais sério estando rindo / Sou mais sério sorrindo que sisudo!” Fala o sujo do mal-lavado e o roto do esfarrapado e os amigos dos amigos do peito, pois.
Uma colunista social também chamou de lado o dito “mago das lentes potyguares”, prometendo-lhe doses de felicidade ou coisa que o valha, mas todos foram muitos discretos em perguntar se a promessa logrou êxito ou ficou pra mais tarde.
Mas, feliz mesmo, fiquei eu, quando a presença radiante de Julinha Arruda iluminou a noite com seus mil faróis. É verdade que tive que subir na calçada para dar os clássicos dois beijinhos e ficar um pouquinho mais próximo de sua altura e das nuvens onde normalmente paira a vereadora, mas a presença de Julinha traz consigo tantos e tão grandes sorrisos, daqueles de orelha a orelha, que não nos deixamos frustrar com a inatingibilidade dos sonhos.
A noite terminou sem muita graça – mas nem tanto grave assim – na obviedade clássica do Bella Napoli, onde Alex Nascimento se deixava acompanhar por duas não menos belas companhias. Me relembrou, Alex, o nome de uma atriz, que eu já me esqueci, de um filme, que eu também não lembro. Me lembrava só do nome de Tania Morales, mas isso é outra história. Me lembrava, apenas, de que, quase sempre, ao rir da desgraça alheia, estamos rindo é da nossa própria.
*



PROSA
“Sim: uma breve sílaba. Um breve riso. Um breve bater de pálpebras.”
James Joyce
Giacomo Joyce
VERSO
“Passando na rua, / ela ri solitária o seu meio sorriso.”
Cesare Pavese
“Uma recordação”

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