sexta-feira, 19 de junho de 2009

Gay, letras, diploma e resfriado

Gay Talese é o cara. Muito antes de Lula, de Obama, Gay Talese já era o cara. É dele o “Fama e anonimato”, antologia de reportagens dos anos 60 e que ajudou a disseminar pelo mundo, em especial nas escolas de jornalismo, o que se convencionou chamar de, no Brasil, “jornalismo literário”, e, em inglês, de “novo jornalismo”.
Qu’est-ce que c’est? What is this? – me perguntará o leitor incauto. Sem problema: ninguém nasce rodrigolevino na vida nem filho de Carlão de Souza, como o nosso Alex de, que tudo sabem e sabem tudo.
Bom, se há um novo com certeza houve um velho. O tal “new journalism” contraria as regras clássicas do jornalismo padrão (chavão), velho, decrépito, passado, para oferecer ao leitor um produto suposta, pretensa, ou realmente diferenciado. No sítio da Flip, por exemplo – a Festa Literária Internacional de Paraty, onde Talese é convidado de honra e pompa –, o novo jornalismo é descrito como “modalidade que utiliza técnicas da literatura no relato jornalístico”.
Mais que técnica eu diria que o tal “jornalismo literário” é questão de estilo.
Mais, a-li-ás: tem técnica nenhuma, não. É só estilo. E estilo se tem ou não se tem. Dá pra exercitar claro, mas não adianta anabolizantes nem edulcorantes nem injetar na veia a coleção completa de “jornalismo literário” da Companhia das Letras (da qual faz parte o já citado “Fama e anonimato”).
Charles Bukowski, por exemplo, que nada tem a ver com new ou old journalism (a não ser que jornalistas sempre foram chegados numa birita, ontem como hoje), tem uns versinhos pra esse lance de estilo. Se puderem assistam Ben Gazarra interpretando o alterego bukoswkiano em “Crônica de um amor louco”, safra 1981. Ele começava assim, num palco nu, segurando uma garrafa pelo colo:
“Estilo é a resposta para tudo.”
E continuava:
“O estilo faz a diferença, o jeito de fazer, o jeito de ser feito.”
E concluía, pausadamente:
“Seis garças permanecendo imóveis numa poça d'água – ou você saindo nua do banheiro – sem me ver.”
Pois é. As reportagens de Talese são marromeno assim. A diferença é que o esqueleto da matéria é todo real, fatos colhidos in loco, de preferência sem o gravador nem papel nem lápis. A galerinha do “new journalism” gosta de umas manhas como essas, tipo Dogma 95, saca?
Bom, também não vou ficar interrompendo pra explicar tudo. Se não souberem o que é Dogma 95 vão lá na wikipédia que eles informam. Errado, mas tudo bem.
CANUDO
Bueno, mas o que eu queria dizer enquanto encerava o nariz, a coluna, e esticava as pernas e o texto, é que Gay Talese é o cara.
Tudo pra chegar depois e completar assim:
Coitado do Gay Talese. Vem pro Brasil em julho, deu entrevista para as amarelas da Veja e vai ouvir muitas piadinhas infames como a da abertura desta coluna de hoje (“Gay Talese é o cara”, pois) e mais um porrilhão de outras.
Aposto meu “Fama e anonimato” que o Pânico na TV vai entrevistar o cara, que o CQC vai entrevistar o cara, e que todos vão perguntar algo do tipo “Você é Gay... Talese?”. Se brincar, até Luciana Gimenez é capaz de tirar uma onda e tal. E Hebe Camargo, e Jô Soares, e Faustão. (Hum. Também, não vamos exagerar.)
Mas, pode ser pior. Nestes tempos de gripe suína, bovina, caprina, de vírus H1N1, só falta Talese pegar uma gripe em Paraty. Aí a galera vai ao delírio – seu texto mais famoso, um perfil de Sinatra construído a partir de várias tentativas inúteis de entrevistar o cantor, tirava do final do segundo parágrafo seu famoso título – “Frank Sinatra está resfriado” – e começava o terceiro assim: “Sinatra resfriado é Picasso sem tinta, Ferrari sem combustível – só que pior.”
Talese resfriado, sim, pois não. No Brazil. Poucos dias depois de os juízes do STF dispensarem diploma para o fazer e o obrar jornalístico. Brazil. Onde, só de sacanagem e já de sacanagem, Rodrigo Levino se juntou a Edson Aran – seu diretor na Playboy – para organizarem a “I Parada Gay Talese pelo orgulho de ser jornalista literário”. Esperam juntar cinco pessoas na Avenida Paulista, sob o tema “Largue esse blog e vá fazer reportagem”. Sacaninhas, já pensaram até nas participações pra lá de especiais: a banda “Sinatra is Cold”, desfile da grife “Radical Chique”, exibição do filme “A sangue frio” e apresentação do balé “O reino e o poder”.
A cerejinha no bolo fica por conta de um carro alegórico da revista Piauí, servindo fartas doses de uísque.
Como a coluna não usa salto alto e concede aos leitores o perdão da ignorância – e ignora os chatos que vão pular e estrilar “eu já sabia, eu já sabia” – seguem as legendas: “Sinatra is Cold”, ou seja, “Sinatra está resfriado”, dispensa maiores explicações. “Radical chique e o novo jornalismo” é um livro de Thomas Wolf. “A sangue frio” é um livro-reportagem de Truman Capote do qual foi feito o filme homônimo. E, “O reino e o poder”, a história do The New York Times, assinada por Talese. Tudo, e todos, no balaio de gato do jornalismo literário.
Os jornalistas da City, que já têm experiência pra dar e vender na Parada original, vão comparecer, claro. Muito estilosos. Alguns, com o diploma entre as pernas.
*



PROSA
“Minhas palavras em sua mente: pedras frias polidas afundando num pântano.”
James Joyce
Giacomo Joyce
VERSO
“A cidade nos deixa elevar a cabeça / e pensar, mas sabendo que após baixaremos.”
Cesare Pavese
“Disciplina”

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