terça-feira, 10 de novembro de 2009

Um poeta à toa


Alguém lembrou ontem o aniversário de nascimento de Antonio Pinto de Medeiros? Noventa anos, para ser exato.

Aliás: alguém ainda lembra da figura de Antonio Pinto de Medeiros?

Atendo-se aos dados biográficos tradicionais, nada de muito relevante: nasceu em Manaus, em 1919, onde entra para o seminário, que continua em Pernambuco e abandona, logo depois, aos 17 anos, quando parte para Mossoró. Estuda ainda em Natal e forma-se em Direito no Recife. Foi diretor da Imprensa Oficial no governo de Sílvio Pedrosa, e colunista de O Poti. Nos anos 50, mudou-se para o Rio de Janeiro, onde trabalhou nos Diários Associados e onde viria a falecer, em 1970.

Uma vidinha à toa?

Nada.

Basta mergulhar um pouquinho nos detalhes: em julho de 1943, em plena Segunda Guerra, participou do famoso Curso de Conferências do Atheneu, ao lado dos então estudantes João Wilson Mendes Melo, Rivaldo Pinheiro e Luiz Maranhão. “O pensamento de Anatole France” foi o tema abordado por Pinto – o jornal A Ordem caiu de pau em cima do ciclo de conferências, se a expressão for válida para um jornal católico. Câmara Cascudo, Américo de Oliveira Costa e Raimundo Nonato Fernandes, por sua vez, elogiaram e defenderam os conferencistas.

Como professor – segundo Veríssimo de Melo – era querido pelos alunos, mas como “dava aulas de sandálias e camisa esporte, escandalizava os colegas mais velhos”.

A moda não era bem a praia de Antonio Pinto de Medeiros – ou seria melhor dizer que a não-moda era a praia de Antonio Pinto de Medeiros? Eleito para a Academia Norte-rio-grandense de Letras, chegava frequentemente atrasado às sessões mas não apenas: vestindo camisa de meia com listras finas de azul e vermelho e calçando alpercatas abertas.

A Academia fará 100, 200 anos, e Pinto mui provavelmente terá sido o único imortal a renunciar à pretensa imortalidade. Pois foi o que fez declarando-se “anti-acadêmico”.

Suas colunas de crítica literária na imprensa potyguar (Santo Ofício, onde usava o pseudônimo de Torquemada, e Mirantes, ambas no Diário de Natal), eram um terror para poetas e poetastros. Tarcísio Gurgel, em “Informação da literatura potiguar”, conta episódio emblemático na vida de Zila Mamede: após ter um poema seu arrasado pelo crítico, a poeta encontra seu algoz em baile do Aero Clube. Desquitado, com fama de Don Juan, Pinto a tira para dançar, quando, entre um passo e outro, lhe empresta conselhos válidos – e sabe-se lá o que mais.

A atividade crítica de Antonio Pinto de Medeiros foi muito bem resumida por frase lapidar de Veríssimo de Melo: “foi incendiário, numa época em que todos eram bombeiros”.

Antes de partir para a Guanabara, na década de 50, era personagem recorrente nas crônicas de Djalma Maranhão no Diário de Natal (reunidas e anotadas por Cláudio Galvão no fantástico “Esquina da Tavares de Lira com a Dr. Barata, centro convergente e irradiador da vida natalense”, edições Sebo Vermelho, 2004). Em 17 de abril de 1949, Maranhão descreve, ironicamente a roda dos intelectuais na esquina famosa:

“Intelectual no Rio Grande do Norte, [...] não é somente o sujeito que perpetua sonetos, escreve croniquetas, publica um livro de contos, se larga pela estrada do romance, ou queima as pestanas nos massudos estudos econômicos e sociológicos. Não, irmão, intelectual é na maioria o indivíduo que anda com um livro enfiado no sovaco e com um suplemento literário todo amarrotado na mão e com uma autêntica cultura de almanaque.”

Não pára por aí:

“No Café Globo, os intelectuais tomam de preferência cafezinho pingado, isto é, misturado com leite... E as rodadas se sucedem, evitando sempre o café puro, que em demasia ataca os nervos...”

Maranhão continua, descrevendo a turma “do pró” e aquela “do contra”. Adivinhem um dos líderes contrários? Pois:

“Antonio Pinto não é, mas muita gente o considera existencialista. Graças à sua influência, dois jovens de menos de 20 anos, o poeta Joanilo de Paula Rego e o sociólogo (a classificação vai por conta do deputado José Augusto) Walflan de Queiroz, fizeram um serenata no cemitério, declamando versos ‘a la Castro Alves’ aos austeros mausoléus e diante das tumbas rasas, sendo por isso ameaçados de processo como profanadores de lugares sagrados...”

E não esquece nem as preferências exóticas da turma ao redor do clássico cafezinho nem a velha mania de Pinto de inovar no vestiário:

“Pinto e seus pupilos andaram inventando modas. Não botam açúcar no café com a colher, derramando desleixadamente o açucareiro na xícara. O laço da gravata deles é diferente e mais um mundo de outras coisas semelhantes. Finalmente Pinto bancou o Graça Aranha da jerimunlândia, rompendo espetacularmente com a Academia de Letras, pedindo ‘baixa’ da cadeira para a qual fora eleito, dando um shut na imortalidade.”

E que chute! Ao chutar o pau da barraca da mediocridade, Antonio Pinto de Medeiros tornou-se, verdadeiramente, imortal.

*

Prosa

“todo o trabalho útil consiste no renovamento, na remoção do entulho da ancestralidade”

Oswald de Andrade

Ponta de lança

Verso

“Morta estarei mais viva / Sem fomes, sem fezes, sem sangue, sem vítimas.”

Marize Castro

“Réquiem”

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