segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Bruzundanga Fashion Week

Começo a segunda-feira já assumindo minha ignorância: não li “Os Bruzundangas” de Lima Barreto. E não vou nem pedir desculpas porque imagino que a maioria de vocês também não.
Mas a tal da cultura, ou pseudocultura, é que nem novela das oito: basta você assistir um capítulo e já fica inteirado que fulano ama beltrano que gosta de sicrano que finda com outro fulano etc.
Qualquer coisa, pois, sei do livro – o resto vou procurar na internet. Escrito em 1917, fala de um país imaginário, a Bruzundanga (na verdade “República dos Estados Unidos da Bruzundanga”), que – começa esclarecendo o autor nas primeiras linhas do primeiro capítulo – “tinha, como todas as repúblicas que se prezam, além do presidente e juízes de várias categorias, um Senado e uma Câmara de Deputados, ambos eleitos por sufrágio direto e temporários ambos, com certa diferença na duração do mandato: o dos senadores, mais longo; o dos deputados, mais curto.”
E por aí vai, não carece aqui falar muito mais, vocês já são grandinhos e podem muito bem dar suas googleadas ou ir na banca de livros mais próxima (bem mais rápido a primeira opção, né não?).
Mas vale ainda descrever minha aventura no mundo virtual, em busca da Bruzundanga perdida: experimentei digitar “limabarreto” depois do twitter.com: imaginei que, como a nova febre é resposta a todos os males, eu receberia qualquer iluminação, e cairia do meu cavalo como Saulo a caminho de Damasco. Pois. Me apareceu uma página quase vazia, assinada por uma tal Julia Maria, seguindo um único tuiteiro, um tal 30SECONDSTOMARS, assim, em caixa alta mesmo. Pois, os rapazes (assim é, se me parece) que estão a 30 segundos de Marte têm, olha só, 35.923 seguidores. Bem mais que Zé Agripino e Fábio Faria, os campeões locais, no senado e na câmara, pelo que me informam diariamente os tuiteiros nativos. Que, por sua vez, também estão sempre a 30 segundos de Marte, digo, a 30 segundos da notícia mais importante.
Como o negócio pode não ter fim se eu insistir em seguir os seguidores dos seguidores, vou parando por aqui e explicando logo o porquê da lembrança do país que “vivia de expedientes” imaginado por Barreto.
É que semana passada, a professora-heroína Cyntia Menezes me enviou o seguinte email que reproduzo quase na íntegra e que se auto-explica:

“Aproxima-se o III Festival Literário de Natal. Quer saber? Estou com ótimas expectativas em relação a este. Gosto desse tipo de evento e por conta disso vou esquecer o anterior por acreditar, inocentemente, que as pessoas aprendem com os erros. E talvez nem tenha havido erros, ou se houve veio de minha parte que fui, como diz o dito popular, ‘com muita sede ao pote’... E, por conta disso, não me saciei.
“Eu li que o evento, entre outras coisas, busca aproximar escritores e leitores. O grande problema é que muitos dos autores locais são tais quais os ‘literatos’ formados na Escola Samoieda da República dos Estados Unidos da Bruzundanga.
“Magistralmente, Lima Barreto faz críticas pesadas a certos tipos de escritores que enveredam nesse caminhar literário, segundo ele ‘pela glória que as letras dão, sem querer arcar com as dores, com o esforço excepcional, que elas exigem em troca (...) contentam-se com as aparências literárias e a banal simulação de notoriedade’.
“Em um dos muitos dias que li sua coluna você falava sobre essa quantidade exorbitante de livros sendo lançados na capital do RN, lembra? Quase toda semana há lançamento na Siciliano, é basicamente uma festa!
“Meu medo ou receio, não sei bem explicar, é que esse Festival Literário vire uma verdadeira ‘Fashion Week’ para os tais ‘literatos’ com mais plumas e maquiagens do que posso suportar.
“Conheci em outubro do ano passado dois ícones da literatura infanto-juvenil, Ângela Lago e Ricardo Azevedo, que dispensam apresentação. Nos olhamos, nos falamos, sorrimos como velhos conhecidos. Eles não usavam seus livros como couraça protetora para se distanciarem daqueles que estavam presentes a fim de lhes prestigiar. Para você ter uma idéia desse desprendimento, Ângela Lago, a convite meu, visitou a escola em que trabalho. Sem alaridos, sem holofotes, sem nenhum tipo de merchan, ciente de que o público encontrado nada poderia dar-lhe em troca senão beijos, abraços e olhares, ah! os olhares de agradecimento que me fizeram chorar.
“Nossos ‘literatos’ potiguares (e não generalizo, obviamente) precisam aprender como se despir da suposta glória que a edição de um livro lhes traz e se revestirem do que é essencial para um verdadeiro autor: a comunicação na sua inteireza com o leitor.”

Essa Cyntia Menezes é uma danada. Nem uma palavra sobre as eleições de 2010, nem sobre a Festa de Sant’ana, nem sobre as camisas pólo que os políticos usaram durante a quermesse. Só podia ser professora, mesmo. E da rede pública de ensino. Minha querida, Cyntia, em que mundo você vive, minha senhora?
Tá bom. Não precisa responder.
*
PROSA
“Colorir o mundo é sempre um meio de negá-lo.”
Roland Barthes
Mitologias
VERSO
“Vejo que estão afundando lentamente, as pessoas, e lhes grito / as seguintes palavras: vejo que vocês estão afundando lentamente.”
Enzensberger
“O naufrágio do Titanic”

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