quinta-feira, 13 de agosto de 2009

O som e a fúria

É o fim do mundo, dos tempos, da civilização, educação e bom senso. É o fim, inclusive, da minha paciência. Que, verdade seja dita, nunca foi lá essas coisas, mas a cada dia piora, míngua, escasseia, em franco processo de extinção, feito o mico-leão-dourado, a tartaruga-de-pente, a camada de ozônio e a vergonha em Brasília, Distrito Federal, entranhas do Brazil.

Depois do nariz-de-cera do parágrafo anterior, dois pontos explicativos: em menos de 24 horas o sobrescrito se viu envolvido em três eventos, os mais díspares e aparentemente distantes, mas todos tendo algo em comum – o excesso de ruído, de barulho, de desrespeito aos tímpanos alheios.

O primeiro – em ordem não de importância mas de ocorrência – se deu por volta do pingo do meio-dia numa escola particular desta Capital Espacial do Brazil & Ar Mais Puro das Américas. Entre a saída do turno matutino e a chegada dos alunos vespertinos, uma banda de adolescentes tocava para um bando de adolescentes e crianças e quem mais estivesse a um raio de um quilômetro. Em alto e péssimo som.

Não vou transcrever aqui, mais uma vez, a letra pobre e dúbia, que já enchi o saco disso – de reverberar o mau gosto alheio. Mas basta dizer que a palavra mais repetida era “calcinha”. Isso mesmo: calcinha. Eu pensava que a calcinha era aquilo que ainda me parece ser: uma peça íntima do vestuário feminino. E como tal, mantida na intimidade – inclusive nas conversas públicas, quanto mais num show com platéia e amplificação (e numa instituição de ensino!). Mas devo ser um sujeito muito retrógrado, mesmo, já que a escola, que tem fama de ser rigorosa e até careta, não apenas admitia como fazia questão de aumentar o volume. Enfim, ainda fiquei com vergonha de ver um coordenador cercado por duas adolescentes que ensaiaram uns passinhos, digamos assim, sensuais. Ou lúbricos. Ou nada pudicos.

Estética

O segundo evento se deu à noite: inauguração de uma dessas clínicas de estética que começam a abundar na City. A turma dos eventos está se profissionalizando – se montam tendas, se alugam florestas de plantas, montam-se torres de luzes pirotécnicas, e, claro, se perfilam diante do espaço uma legião de manobristas. Parêntesis: manobristas e seguranças particulares de paletó e gravata e óculos escuros devem ser as duas profissões que mais cresceram nos últimos tempos no Arraial de Palumbo.

Pois bem, estava o sobrescrito voltando para o aconchego do lar quando dou de cara no meio do caminho não com a clássica pedra drummondiana, mas com a tal da festa: a tenda invadia a via pública, os manobristas encheram (a via pública, insisto) com aqueles cones amarelo-e-preto e um deles, mui simpático, se postou diante de mim, pronto pra estacionar meu carro.

– Como assim, cara-pálida? Eu quero apenas entrar no meu prédio, faz favor.

Pois. A festa não estava mal. O som era baixinho, meio clichê, com aqueles sambas eletrônicos e um ou outro Caetano-remixado, como agrada aos do andar de cima. Através do zunzum e das risadas das mulheres eu quase que adivinhava a cor do vestido e pra qual lado estava repartido o cabelo (escovado e pintado, como de direito). Não terminou tarde, mas eu ainda pude ouvir a classe operária desmontando o circo.

Grito

Querem ainda saber do terceiro evento? Ah, esse foi na manhã seguinte, sol cantando e pássaros brilhando – ou o contrário, ok. Começou lá pelas 9h, se não me engano. Microfones sendo ligados, microfonia a todo vapor e dezenas de vozes se alternando diante deles, todas elas gritando além do necessário.

Falaram, falaram, falaram – como se ninguém trabalhasse ou estudasse pela manhã e fosse obrigado a ouvir o barulho da manifestação (muito justa e democrática, com certeza). Depois, saíram em passeata pela cidade.

E, se no primeiro eram os estudantes classe média, no segundo a elite fashion week, neste terceiro eram os sem-terra, sem-emprego, sem-renda.

O que prova que o inferno desconhece classe social.

*

no country for old men

“Chegou a hora de apagar a velinha...” – no caso, a 83a: o comandante Fidel Castro “cumpleaños”. Hoje.

pega na mentira

O senador Zé Agripino Maia foi o primeiro a questionar se a ministra Dilma tinha mentido – no caso, há mais de um ano.

E, na época, o tiro saiu pela culatra.

“Eu me orgulho muito de ter mentido, porque mentir na tortura não é fácil. Agora, na democracia se fala a verdade. Diante da tortura quem tem coragem e dignidade fala mentira.” – lembrou a ministra, que usa uma bolsa tão fake quanto a cor do cabelo do senador.

A propósito, Agripino é o entrevistado do “Memória Viva”, hoje, 19h, na TVU, com reapresentação domingo, 11h.

WALKER

Sandra Bullock continua rendendo nas duas cadeias de pipoca dos shoppings, em “A proposta”; estréia amanhã (também em ambas) o terror de “Arraste-me para o inferno” e o drama político de “W.”, de Oliver Stone sobre George W. Bush (apenas no Cinemark – que, desta vez, além do horário das 14h, oferece uma sessão extra às 23h30).

PROSA

“Você diz que está perdido. Você diz que você não sabe onde, dentro de que você está perdido.”

Marguerite Duras

A doença da morte

VERSO

“Prosseguir mentindo / é o jeito que encontrei / de viver aproximado da realidade.”

Carpinejar

“Prosseguir mentindo”

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