quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Merda de artista


Todo mundo sabe – ou quase todo mundo – que um artistas desses, tidos como porraloucas, um dia resolveu ironizar o mundo glamoroso das artes plásticas e resolveu defecar em latinhas e embalá-las: “Merda de artista” lia-se no rótulo. Pra ser exato, “Merda d’artista”, “Merde d’artiste”, “Artist’s shit” e “Kunstlerscheisse” – em italiano, francês, inglês e alemão, respectivamente, que a merda é uma só em qualquer lugar do mundo, mas as palavras que a representam, não.

O artista era Piero Manzoni, italiano, que morreu dois anos depois de sua – perdão – grande cagada, em 1963. Tinha apenas 30 anos e entrou para a história com a série de 90 latinhas.

Todo esse intróito apenas para comentar o recente episódio envolvendo o excelentíssimo presidente da Funcarte, Rodrigues Neto, que declarou ao Novo Jornal, domingo passado, que estava “cagando e andando pras coisas que dizem sobre mim” – acrescentou o rapaz: “Trabalho há 25 anos com jornalismo cultural”.

Pois.

Apreende-se da informação o porquê muita gente achar a área ambivalente da cultura uma grande merda.

Daí que Michelle Ferret – musa do sobrescrito de velhos carnavais e dias da poesia – resolveu estimular uma campanha para destituir o presidente da cadeira que ocupa (ou seria melhor dizer trono?). O negócio rolou pelo twitter, causando pouca empolgação, como observou Tácito Costa em seu Substantivo Plural.

A verdade é que se alguém da administração anterior cometesse tal desatino, usando expressão chula, grosseira e que evoca maus odores, imediatamente teria grande parte da mídia contra ele. A verdade é que se Ahmadinejad ousasse dizer semelhante despautério seria ainda mais apedrejado do que foi. A verdade é que se o equivalente estadual do indecoroso Rodrigues Neto, o senhor Crispiniano Neto, acenasse com tais palavras, também seria crucificado. Ou empalado. (Aliás, fica a pergunta: quem são os avós desses dois ilustres netos?)

A verdade, então, ou sua parecença, é que a administração municipal de Natal está blindada – ou assim é, se nos parece. As críticas vão e vem na doce cadência do embalo da rede mundial de computadores – blogs, twitters etc. – mas não encontram maiores repercussões.

Pelo cargo que ocupa, a pessoa imediatamente acima do presidente deveria imediatamente, sem pestanejar, demitir o desarranjado intestinal. Com a palavra, a prefeita da City.

Para os artistas, produtores culturais, poetas, magos, prestidigitadores, fica a sugestão: inspirem-se em Manzoni. Cada qual faça sua obra (de arte) numa latinha, marquem horário e levem à Capitania das Artes para uma grande coletiva. O presidente há de adorar.

4 comentários:

  1. caro mario ivo,
    quanta insensatez deste rapaz que hoje está na direção da principal fundação de cultura de natal!
    lastimo. a senhora micarla, prefeita da cidade, tb deveria lastimar.
    marize castro

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  2. boa sugestão. ou será que o presidente da fundação, que já foi bailarino (e, imagino, deve ter se apresentado em algum espetáculo) vai achar que as latinhas são um desejo coletivo de boa sorte? e, aproveitando a carona, um último comentário sobre as marmotas natalinas já tão faladas: já sei quem me lembram os bonequinhos cangaceiros. são uma mistura do sujismundo ( "povo desenvolvido é povo limpo") com o menino maluquinho do ziraldo.

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  3. em 2003 fui convidada por marcos bulhões para compor a equipe que faria com ele a edição do auto de natal daquele ano, juntamente com clotilde tavares, sávio araújo, ricardo veriano e outras pessoas. marcos estava em são paulo cursando o doutorado em teatro na usp e veio exclusivamente para fazer o projeto que iria dirigir. dias após, soubemos pela imprensa que o mesmo tinha sido substituído, sem aviso prévio, por outro diretor. mas o auto aconteceu da mesma forma, não faltaram artistas pra disputar as vagas e o baixo cachê que lhes ofereceram. poucos, é verdade, porque a maioria veio na mala do diretor, inclusive os figurinos mofados de morte e vida severina...
    esse ano fiquei sabendo pela mesma inprensa que clotilde tavares estava escrevendo o texto e que o auto seria dirigido pelo mesmo diretor de 2003, moacir de góis, e logo em seguida, antes do ponto final do texto, soube que a mesma havia sido substituída por outro cidadão, assim como o dito diretor,e que ficaram sabendo ao ler os jornais na manhã da véspera do lançamento. mas choveu gente pra fazer o espetáculo e não faltou quem o dirigisse... daí a chamarem os artistas de merda, la merde ou seja lá como for, foi um pulo. chega um grupo de fora, faz um festival e se auto premia com um total de 30 mil reais e as pessoas que questionam são tratadas como absurdas, loucas, já que todos estavam comprometidos em ganhar 500 reais por apresentação de um total de 160 mil reais das verbas públicas... que fazer, né? quem vai pagar as horas insones de clotilde nesses dois textos incompletos? quem pagou a marcos pelo projeto e pelas horas perdidas de estudo do seu doutorado? tem certeza que as leis de incentivo da nossa terra potiguar foi realmente criada para os artistas? ou virou mais um ganha-pão dos que estão no poder que consumem e desviam boa parte dessas verbas para os presentinhos de fim de ano, viagens a paris cidade luz no reveillon com suas comitivas ou show de roberto carlos em nova york? eu não poderia estar lá, ia me sentir ordinária demais, mas não falta quem se desculpe e ceda aos encantos do vil e mísero cachê que lhes sobra. múcia teixeira, atriz.

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  4. ótima ideia Mário, sou a favor de uma greve geral dos artistas (quero ver preencher vagas para o Auto, ter exposição ou poesia...). Garanto que em um mês a coisa se resolvia.

    abrass

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