domingo, 29 de novembro de 2009

Os Manelões, os Migués


José Bezerra Gomes nasceu em Currais Novos, em 1911. Filho de tradicional família seridoense, formou-se em Direito em Belo Horizonte, foi vereador em sua cidade natal, escreveu alguns romances (“Os brutos”, “Por que não se casa, doutor”, “A porta e o vento”), e, foi poeta dos melhores.

No que se refere à sua vida, Anchieta Fernandes resumiu, em poucas palavras, definitivas: “viveu simples, produtiva e esquisitamente”.

Esquisitice que Luís Carlos Guimarães traduz como “temperamento arredio”, o que contribuiu, junto à obstinação no trato dos versos, em demorar a tornar o poeta conhecido do público.

Zé Bezerra Gomes buscava a concisão, o comedimento, a concreção. Cirúrgico, reescrevia seus poemas mutilando versos inteiros – “Com a melancolia da minha rua” vai da primeira versão, com 25 versos, à última, com apenas três.

Eis a integral:


Senhor, cotidianizaram a vida,

com escassez geral da alegria.

Senhor, mercantilizaram a vida,

com integral renuncia da poesia.


As ruas estão repletas, Senhor,

repletas de Manelões,

seres cotidianos,

criaturas pluralizadas,

com total embrutecimento,

absoluta carência de verve


Os cafés estão completos, Senhor,

completos de Manelões,

seres habituais,

criaturas comercializadas,

com grande dano para a discussão,

sensível falta de assunto.


As praças estão cheias, Senhor,

cheias de Manelões,

seres melancólicos,

criaturas cotidianizadas,

com notório prejuízo para o discurso,

rigorosa proibição do aparte.


Senhor, amanuealaram o mundo,

compadecei-vos, Senhor, do vate,

de João, Pedro e Paulo, Senhor.


E a versão mínima:

Senhor,

amanuealaram

o mundo


Hoje, os Manelões de Zé Bezerra poderiam ser substituídos pelo termo Miguelões, ou Migués.

E, apesar das tentativas de “rigorosa proibição do aparte”, sem prejuízo algum para o discurso – ao menos daqueles que acreditam na própria opinião e não têm nada a dever, nem a perder, muito menos a temer.

Engraçado, o Houaiss, tão moderno, não tem verbete para “Manelão”, nem “Miguelão”, “Migué”, “migué”, tampouco “miguelar” ou “amanuelar”.


2 comentários:

  1. Apesar da ausência de um sujeito nos versos de José Bezerra, a nós é bem fácil dar um nome aos que "amanuelam" o mundo.

    Esse conterrâneo meu, poeta belíssimo, revelava em prosa e verso a sabedoria e a fina ironia dos grandes homens, que sempre, cada um a seu modo, são bem esquisitos.

    Abraços dos Currais.

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  2. Parabéns pelo seu blog!!!!!!!!

    ediamantino.blogspot.com

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