quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Minha vida em quadrinhos

Fui inventar de falar sobre o jornalismo em quadrinhos de Joe Sacco (“Palestina: uma nação ocupada” e “Palestina: na faixa de Gaza”), ant’ontem, e me lembrei que de quadrinhos tenho muito mais a falar.
Cresci num mundo cheio de personagens de Walt Disney – poderia até dizer que minha infância se passou em Patópolis. Deve ser por isso que nunca levei a sério o livro de Ariel Dorfman e Armand Mattelart, “Para ler o Pato Donald”. Aliás, nem terminei de ler.
Foram anos e anos em que, quase literalmente, devorava quadrinhos, em especial os de Disney – as edições especiais, “Os caçadores”, “Os cineastas” etc, por exemplo, eram especialmente apreciadas: traziam uma série de histórias voltadas ao tema que as intitulava e eu chegava ao cúmulo de ler cada mínimo detalhe, incluindo aí a lombada. Era um troço meio esquizofrênico, reconheço.
Depois, salvo engano pela primeira vez pela L&PM de Porto Alegre, conheci Hugo Pratt e Guido Crepax. Lá se vão umas três décadas e os dois italianos continuam fazendo parte da minha tríade preferida no setor (o outro é o também italiano Milo Manara). Pra contrabalançar a centena de personagens femininas de Crepax e Manara (com Valentina e Miele – uau, uau – na cabeça), o viajante Corto Maltese, alguém sem emprego fixo, sem lar definido, viajando pelo mundo.
Ainda hoje me arrependo não ter ido a uma exposição de desenhos de Hugo Pratt numa galeria romana: fiquei com medo de vender o pouco que tinha para comprar um original, ou, pior, de cometer qualquer loucura tipo roubar um quadro da parede. Pratt faleceu pouco depois.
Mas, bem antes (e bem antes do livro de Dorfman), quando do meu primeiro emprego assalariado como estagiário concursado no hospital de Severino Lopes, minha primeira paga teve destino nobre: uma série de serigrafias numeradas e assinadas pelo autor, ninguém menos que Albert Breccia. Era uma releitura visual em quadrinhos para “O coração denunciador”, de Edgar Alan Poe. Não sei como, o mimo apareceu numa livraria ali pela Deodoro, e eu não hesitei em pagar o equivalente a um salário mínimo, ou até mais, pra levar as pranchas pra casa. Ainda estão comigo, esperando o dia em que eu tenha uma sala gigantesca para pendurá-las numa parede enorme.
Dos perdidos, não sei onde foi parar minha edição espanhola, capa dura, lux de luxo, para a versão de Crepax para “Historia de O”. Tampouco sei como minha coleção de “Tex” – e posteriormente “Ken Parker” – foi sumindo, sumindo, paulatinamente sumindo, até não restar nada. Crescer e mudar de residência implica nestas perdas, reais e simbólicas.
Mas ainda tenho quase tudo que comprei na segunda metade da década de 80, um período editorial bastante fértil neste Brasil brasileiro. É da época as primeiras edições de “V de vingança”, de “Elektra assassina”, de “Orquídea Negra”, de “Sandman”, de “Asilo Arkham” (e de muitas versões para Batman, o homem-morcego, o personagem, talvez, mais quadrinizado desde sempre).
No início dos 90, impossível não citar os “Classic Illustrated” da editora Abril – que abriam com “Moby Dick” adaptado por Bill Sienkiewicz.
E as “Grandes Aventuras”, publicadas pela revista Animal? E a série “Graphic Novel” publicada pela Abril? Não eram edições luxuosas, mas tampouco faziam feio graficamente e custavam bem menos que as atuais da Conrad, Devir etc. Mas o leitor brasileiro podia ler pela primeira vez e conhecer personagens alternativos como “Ranxerox” e “Necron”, e autores idem como Miguelanxo Prado e Jaime Martin.
Recentemente (recentemente para mim são os últimos dez anos) tive dinheiro suficiente pra comprar muitas edições de “Sandman” (80 paus em média) – edições bem cuidadas, capa dura etc. Mas as que eu gosto mesmo, como bagagem sentimental, e por que não dizer literária, são essas citadas, retratos de uma época, retratos de várias épocas, com preços esdrúxulos para os dias de hoje (em cruzados novos, em cruzeiros, em muitos ou poucos zeros). Impagáveis, enfim.
*
CLARA CROCODILO
Arrigo Barnabé anda fazendo uns shows em Sampa, releituras do seu clássico “Clara Crocodilo” – que, vinte anos depois, continua sempre atual.
Já Rogério Flausino e a turma indigesta do Jota Quest resolveram profanar – logo quem? – Serge Gainsbourg. Valei-me deus.
MATERIAL ESCOLAR
Não, não é merchandaizín, mas até agora os únicos descontos – dignos – para a compra do fatídico material escolar que o sobrescrito viu são os da Casa Sarmento: 30% à vista e 20% no cartão de crédito. (Isso, num “feirão” realizado fim-de-semana passado – resta saber se continuam e conferir os preços.)
PROVÍNCIA
Dia desses, Mônica Bergamo, na Folha, noticiou a abertura de um novo restaurante do chef Alex Atala. Onde? Nos Jardins, claro. Detalhe? Mais de 300 marcas de cachaça.
Enquanto isso na Capital Espacial do Brazil.
H 2 O
É hoje, Midway, 19h, que João Bosco Sousa lança “Um gole d’água para refrescar a memória”.



PROSA
“Habitamos uma enorme revista Disneylândia, devemos aceitar com otimismo esta fantasia, e não nos envenenaremos com a retórica de que é urgente voltar à realidade.”
Dorfman e Mattelart
Para ler o Pato Donald
VERSO
“Ardemos todos: ninguém escapa.
Viver é queimar-se.”
Vozniessiênski
“Incêndio na...”

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