terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Uma nação de poetas

Eu poderia dizer que adoro poesia russa, mas estou mentindo: o que eu adoro mesmo são alguns livros editados no Brasil que trazem traduções de poetas russos ou pequenas biografias. O primeiro deles – e não por ordem de leitura temporal – “Poesia russa moderna”, de Augusto e Haroldo de Campos, mais Boris Schnaiderman. Corriam os anos 80 e as edições da Brasiliense faziam a cabeça de muita gente, de norte ao sul do Brasil, e neste Ryo Grande não poderia ser diferente.
Naquela época, a Brasiliense lançou Marcelo Rubens Paiva, lançou Jack Kerouac, lançou Leminski, lançou um monte de gente, destes Tristes Trópicos ou em traduções pioneiras – como o citado Kerouac de “On the road”. E lá ali pelos meados da década, vinte anos atrás, lançaria uma segunda edição da antologia russa, que tinha sido sintomaticamente lançada pela primeira vez em 68.
À época me restou impresso um poema de Khlébnikov – e vai-se saber por quê: “Quando morrem, os cavalos – respiram,/ Quando morrem, as ervas – secam,/ Quando morrem, os sóis – se apagam,/ Quando morrem, os homens – cantam.”
Mas o primeiro lido sobre o tema, na verdade, foi um livrinho de capa amarela, editado pela Paz e Terra, “Maiakóvski, vida e obra”, emprestado de dentro de casa quando ainda toda a família morava sob o mesmo teto e meu irmão mais velho se aventurava entre as hostes comunistas da velha Ufrn. Era uma maravilha: uma opção política permeada por poesia e poetas revolucionários que bebiam vodka e amavam muitas mulheres! Nenhum outro regime carregava em si tanto romantismo (ingênuo, hoje, vá lá) quanto o velho comunismo – e quanto mais velho e extinto for, mais será. Duvidê-o-dó, por exemplo, que das hordas Democratas dos dias que correm (falo do ex-PFL) saia alguma poesia, nem verso rasteiro, nem cordel de meia pataca.
“Maiakóvski, vida e obra”, de Fernando Peixoto, era um bom livro para conhecer um pouco do poeta, ícone dos seus conterrâneos e de uma poesia não apenas engajada. (Os dois versos mínimos de “Come ananás” resumindo a revolução: “Come ananás, mastiga perdiz./ Teu dia está prestes, burguês.”)
Daí para conhecer e deixar na cabeceira da cama o essencial “Maiakóvski – poemas”, dos já citados irmãos Campos e Schnaiderman, um pulo, salto, mergulho numa poesia. (E a lembrança, numa velha revista pop muito bem intitulada de Pipoca Moderna, duma entrevista de Arrigo Barnabé ilustrada com as fotos do músico folheando o belo livro da editora Perspectiva – na contracapa o vermelho e o negro do poema-anel “Liu bliú” (“amo”) e os versos “A poesia/ – toda –/ é uma viagem ao desconhecido.”)
Pois, agora, aparece nas prateleiras potyguares “Poesia soviética”, seleção, tradução e notas de Lauro Machado Coelho. Aparece com um atraso considerável, diga-se de passagem – tinha procurado o volume (656 páginas) há tempos, movido por um comentário de um blogueiro da Folha (salvo engano, Marcelo Coelho). A Poty não tinha, a Poty agora o tem (comprei o meu no início do mês, restaram uns três ou quatro exemplares).
A edição é de maio de 2007, a editora – Algol – para mim desconhecida. Abro o volume ao acaso – e onde quer que se abra o livro tem coisas belas a mostrar. Faço o teste, a página meia-nove exibe os versos finais de Stepán Shtchipatchóv: “O tempo sempre nos julga sem subterfúgios:/ fico pensando no que acontecerá,/ daqui a uns cem anos, quando,/ ao encontrarem nossa palavra,/ a expuserem à luz do dia.”
São 24 poetas soviéticos, apenas cinco deles mulheres – mas, com a força que naturalmente têm, parecem até mais, esse falar feminino, e revolucionário. Tomo por exemplo Olga Fiódorona Bierggolts (1910-1975): separada e casada novamente antes de completar vinte anos, teve duas filhas, mortas durante o período stalinista, que lhe provocou, também, um filho natimorto. Os versos de “Antes da separação” são de uma generosidade ímpar na sempre conflituosa relação conjugal:
“Antes de partir, deixo-te tudo:/ tudo o que há de melhor/ em cada ano transcorrido./ [...]/ Levo comigo todas as nossas lágrimas,/ todas as nossa privações,/ fracassos,/ perigos,/ todos os nossos desesperos,/ nossas decisões apressadas,/ [...]/ Adeus, querido. Amei-te com todas as forças./ E no momento da partilha, quero deixar-te rico.”
*
FUTURO
“É um bom país para as pessoas mais idosas que já viram muita coisa neste mundo e que agora desejam silêncio e o recolhimento em uma paisagem bonita e pacífica a fim de refletir sobre tudo o que viveram.” – de Stefan Zweig, em “Brasil, um país do futuro”.
O escritor austríaco acreditava que estes Tristes Trópicos podiam bem acolher estrangeiros aposentados. Uma idéia que foi resgatada nos últimos anos com a idéia do turismo de segunda residência (e não apenas para idosos).
Mas com a violência que ronda os alpendres o negócio vai, já foi ou irá, pras cucuias.
Zweig, aliás, interrompeu seu próprio futuro, ao suicidar-se em 1942.



PROSA
“A princípio, Stálin cortejou os artistas, chamando os escritores de ‘engenheiros da alma’.”
Lauro Machado Coelho
Poesia soviética
VERSO
“Sei, agora, que o amor mata,
não espera piedade, não compartilha o poder.”
Olga Bierggolts
“Nunca poupei...”

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