terça-feira, 31 de março de 2009

A noite de Natal

A noite de Natal, crianças, é uma festa. Nem me venham com Paris, cidade das luzes e do Moulin Rouge, Hemingway ou Jacques Prévert – “Trois allumettes une à une allumées dans la nuit...” Não há cidade no mundo que nem essa. Onde se pode encontrar, por exemplo – desculpem pelo por exemplo, eu deveria datilografar, pardon, digitar, par exemple – onde se pode encontrar, dizia eu, uma poeta como Marize Castro convidando vossa mercê para ir ao Buraco da Catita. Antes que eu continue, um parêntesis: (Marize Castro é a única poeta diante da qual eu titubeio em tascar um “poetisa” antes do nome, além dele.) Fechado o parêntese, pois, lá está Marize Castro diante de mim, bela como nunca mais, num pretinho básico em sintonia fina com o negro dos seus cabelos. Prêt-à-Porter. Noir. Noite de Natal.
Tudo isso no lançamento da antologia poética de Paulinho de Tarso Correia de Melo, reitoria da Universidade Federal e tal. E Tal.
Um monte de gente importante. As pirâmides do Egito perdem em séculos de importância pra galera que circulava por lá. Mas, vou falar só e somente das mulheres que estavam por lá – todas – ou quase todas, vá lá – lindas. E maravilhosas. Com o perdão do lugar-comum. A mais linda de todas, Lalinha Barros. Sem dúvida. E não o digo por que ela se declarou, além de minha leitora, parente ou contraparente e tal. O digo por que a elegância de Lalinha vai além das grifes que suponho ela endossar. Além do mais escreveu um livro de memórias que não li mas que Giovanni Sérgio – que além de fotografo é um excelente leitor – não cansa de elogiar.
Ali, encostando em Lalinha, cabeça-a-cabeça, elégance-a-elégance, Selma Bezerra não fica muito atrás. E Maria Emília Wanderley. E. Esses poetas de Natal City, ali pelos anos 50 e 60, eram uns felizardos. Quando inventarem uma máquina do tempo, juro que compro passagem. Vou ser poeta também.
Mas, que mal-educado: deixei a poeta e poetisa Marize Castro lá no primeiro parágrafo, sozinha. Sozinha, não, que Marize é uma multidão enfurecida numa dessas corridas de touro pelos becos de Pamplona. (Estou muito Hemingway, hoje, como o leitor e a leitora podem perceber.)
Mas, recapitulando: Marize Castro diante de mim, prêt-à-porter e tal, vamos à Calígula ou ao Buraco da Catita – Calígula, bem entendido, uma pizzeria na Ribeyra. Ou seja, é convite, ordem, intimação. Dá vontade de dizer: neném, por você e com você eu fico até jogando pedrinhas na escuridão erma do Beco da Quarentena, um pé encostado numa daquelas portas carcomidas, um cigarro eternamente aceso entre os dedos.
Mas não, não digo.
Muito animada, a poeta-poetisa, naquela noite, a música daquela noite, que não, não havia. Animada não apenas. – Disposta: quem falou foi o poeta Paulinho, a munheca cansada de tanto autógrafo. Enquanto dedica, Paulinho fala em voz alta o texto que escreve. A caligrafia entre o rupestre e o clássico. No meu escreveu, “Mário Ivo, amigo e parceiro da saudade de seu pai, meu amigo e orientador, o abraço de Paulo 27.03.09”
Assim você me comove, Paulinho. E eu preciso estar autêntico e forte, ter olhos firmes pra este sol, esta escuridão, esse claro enigma que é o convite de Marize para um mergulho no Buraco. Noite de Natal.
(Mais um parêntesis, desta feita pro garçom da reitoria – pra não dizerem que só falo das mulheres: o sujeito é um cara legal. Alto e distinto. Desconfio que noutra encarnação nasceu como um Manoel Onofre Jr., mas invés de ser gauche na vida foi servir os outros. O que dá no mesmo, pois não. Pois, serve uísque que é uma beleza. Todo lançamento de livro na reitoria e o cara lá. Fico até acanhado porque não sou nenhum bebedor inveterado, mas, a três por quatro ele aparece, o Johnny Walker rouge já em posição de inclino, as pedras geladas doidas pra fazerem tintim no copo baixo. Grande figura, garçom – e santé!)
Corte rápido no tempo pro cenário das ribeyras do Putigy.
Lá estou eu literalmente no Buraco. Choro. Com chapeuzinho, circunflexo, ô. A poeta não apareceu. Cruel. Fatal. Como uma boa poeta deve de ser.
Voltar pra casa, abrir página, ler: “Neste minuto cabe/ passado, futuro/ e fantasia./ Sonho, memória/ e profecia./ Neste minuto/ cabe a vida e a morte./ O ser, o devir/ e o poderia.”
Paulinho de Tarso é um bom poeta.
E Natal uma festa.
*



PROSA
“Assim foi. Sabe-se lá o que teria sido de minha vida se naquela noite eu não bebesse alguns copos.”
Martín Caparrós
Valfierno
VERSO
“Não nos atraem os Enigmas
Que pouco nos escondem –”
Emily Dickinson
“Não nos atraem...”

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