sexta-feira, 17 de julho de 2009

Os lusíadas

Não me levem a mal nossos irmãos, patrícios, paisanos, portugueses, que por aqui retornam vindos d’além-mar e por aqui aportaram derna de ontem e por aqui ainda permanecem nos próximos dias, me fazendo lembrar os versinhos de Gregório de Matos – “A mim foi-me trocando, e tem trocado, / Tanto negócio e tanto negociante.” Me desculpem, pois, patrícios lusitanos: mas sempre os achei uns babacas. E antes que isso aqui vire um incidente diplomático, vou tentar me explicar melhor, sem que seja preciso que os anfitriões careçam de comprar toda a edição deste jota-agá-primeira-edição para evitar que os gajos leiam o suposto acinte e, em lendo, sintam-se rejeitados.

Pois. E arrumo a cruz-de-malta no peito e limpo a goela com um pigarro sutil mas determinado:

- Falo dos primeiros portugueses que por aqui aportaram.

E lá vou, com a licença dos desafetos, me socorrer do Seu Luís da Câmara Cascudo (que adorava Portugal e os portugueses, aliás): está quase tudo lá, na sua “História da cidade do Natal”. Pois: na primeira metade do século 16, Dom João III achou por bem doar as terras deste Ryo Grande ao amigo João de Barros – ah, as amizades, ah, os arrumadinhos, ah, as Capitanias Hereditárias! O tempo passa, o tempo voa, e nada de Joãozinho de Barros levantar casa alguma por estes terreiros, tabuleiros e dunas. Muda o El-Rei – do terceiro João para o primeiro Sebastião – e o litoral continua apinhado de índios e franceses, que teoricamente não tinham direito algum, mas nem por isso deixavam de navegar por essas águas e flanar por essas terras. Os portugueses quando aparecem por aqui, vindos das capitanias vizinhas, vêm só pra roubar, pilhar, assaltar e fazer outras sacanagens. E os franceses? Ah, não, brother: os franceses freqüentavam esse pedaço como se estivessem numa prévia secular de Woodstock – confiram Cascudo:

“Centos de franceses eram desembarcados e ficavam entre a indiada, aprendendo a falar o nhegatu, pintando o corpo com urucu e jenipapo, furando o beiço pra o tambetá, casando com as cunhãs, ganhando prestígio soberano.”

E os portugueses? Cascudo again:

“O português queria tudo, a terra, árvores, diamantes, bichos, mulheres, o trabalho dos homens, as águas e os ares.”

TFP

Os franceses tomavam de cá mas davam de lá: “Dê cá esse pau-brasil, essas penas coloridas, esse papagaio exótico – e tome esse espelhinho, essas contas de vidro, anzóis, machados e espadas”. Tão espertos eram, que chegavam a acompanhar os selvagens em suas guerras – e se encontravam um portuga pelo caminho o cediam numa boa para o menu da indiada. Os lusíadas podiam ser chatos, mas parece que davam um churrasquinho dos bons.

Enfim, o portuga típico (naqueles tempos, insisto) era um babaca, todo metido a sério, todo tradição-família-e-propriedade, mas com uma moral duvidosa, e vinha – volto a citar Cascudo – “para estabelecer-se, para fixar-se, fundando casa, criando família, organizando o trabalho com os elementos nativos”, enquanto o francês era “o doador amável de tudo, facilitando vícios”, e “o adventício, o traficante rápido, o permutador”.

Ainda assim, um dos filhos do donatário, Jerônimo de Barros, escreve ao rei afirmando ser “necessário povoar esta capitania antes que os franceses a povoem; os quais todos os anos vão a ela a carregar de Brasil por ser o melhor pau de toda a costa. E fazem já casas de pedra em que estão em terra fazendo comércio com o gentio”.

Daí para a construção do forte sobre os arrecifes, próximo à barra do Putigy, foi só uma questão de convencer o rei da necessidade de defender esta terra, com o já clássico e antigo argumento de que “é a mais perto terra que há no Brasil a este reino”.

Continuamos, pois, no mesmo lugar. A diferença é que eles estão cada vez mais cá, e uma pequena fatia dos nativos anda por lá, fazendo compras. No final das contas, os portugueses não são mais tão babacas assim.

Mas que eram, ah, isso eram.

*

cascudo

Nas sintonias do mundo, enquanto cito e recito seu pai, Anna Maria Cascudo Barreto me liga para dar um pulo na Procuradoria Geral do Estado, onde, representando a Academia de Letras Jurídicas, palestra sobre Cascudo às 10h da manhã do dia 24, uma sexta-feira.

Enquanto isso, segue em suas pesquisas sobre sua mãe, Dahlia Freire – que amanhã, 18, faria 100 anos, e que em toda sua existência justificou aquela máxima que diz que, por trás de um grande homem, existe sempre uma grande mulher.

Blues

Começou ontem, continua hoje e segue até amanhã o Natal Blues Festival, no Budda Pub, Ponta Negra.

Tonight, Felipe Cazaux, Adrian Flores e Mad Dogs.

Tomorrow, Flávio Guimarães (Blues Etílicos) e Simona Talma.

sangre

“Julho féria à fera ócio. À vera. Úmidos cílios e cios dóceis. À feira fraseia pela esquerda mão. Essa besta bela escriva verve.” – de Civone Medeiros, que deve lançar – e relançar – os dois volumes de “Escrituras sangradas” em outubro vindouro, no Café Salão Nalva Melo, ribeyras do Putigy, edifício Bila.

PROSA

“A realidade (como as grandes cidades) se estendeu e se ramificou nos últimos anos.”

Bioy Casares

Histórias fantásticas

VERSO

“passam navios a minha porta / agitados por ondas azuis de impaciência”

Diva Cunha

“passam navios...”

Um comentário:

  1. Graaaande Mário Ivo! O Jesus Cristo da turma de 89.1!
    Sim, é verdade, costumam ser babacas (embora possamos discutir o que isso quer dizer). Mas não são mais tão burros. Eles têm mais a ganhar com Natal do que Natal a ganhar com LX. E o ex-ministro (e actual "prefeito" António Costa) está sempre acessível em época de eleições.
    Bom saber notícias tuas. Saúde e sucesso sempre!
    Seu colega de turma no Porto.

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