terça-feira, 14 de abril de 2009

Bananas

“A governadora só vem dando banana pra cultura”. A frase saiu no meio de uma conversa cujo tema não era exatamente nem Dona Wilma nem a gestão estadual ou municipal da – hic (me vem de soluçar cada vez que cito a palavrinha, palavrão) – Cultura.
Mas, ficou a frase martelando na minha cabeça. Quem a disse na verdade estava citando outra pessoa, portando há que se entender o contexto e tal. Não tinha, pois, o tom violento de denuncismo que a imagem empresta, aliás, de péssimo gosto: imaginar a governadora distribuindo bananas por aí não é dos mais belos retratos. Nem enquanto caricatura. Porque é mulher, porque tem seu estilo e elegância etc.
Corro, claro, valho-me, sem pestanejar, piscar o olho, titubear, de São Cascudo, patrono das dúvidas cruéis que assolam o cronista abandonado pela inspiração e movido pela transpiração – mas não encontro a “História dos nossos gestos”. Tem jeito, jeito tem: em “Made in Africa” o primeiro capítulo é todo dedicado à banana, “o mais popular africanismo no Brasil”, onde o Mestre diz logo no quarto parágrafo: “Há, realmente, um Folclore da Banana.”
Mas vamos nos ater, por aqui, ao gesto, obsceno: “Bate-se com a mão no sangradouro do outro braço, curvando e elevando este, com a mão fechada”, resume Cascudo, lembrando que, se o gesto é comum em Portugal, Itália e Espanha, só em solo verdamarelo associou o nome à fruta. E, claro, por ser das mais fálicas.
Domingo último um jogador saiu pelo campo, não dando bananas, mas estirando o dedo, aliás os dois, pra torcida adversária. O que para meninos, como eu e mais de uma geração, parecia gesto infantil, imaturo e natural, em um adulto adquire ares do mais elevado ridículo.
Os gestos, ademais, têm conseqüências perigosas. Ojuara (criação de Nei Leandro de Castro) lembra a história do homem que, passando de trem por Taipu, estendeu o dedo enfermo pra fora da janela no gesto proibido na cidade, terra de papagaios: “o fura-bolo curvado, a mão fechada, como quem diz: ‘Me dá o pé, meu louro’”. Pois, um menino, “vendo aquele gesto de mangação com a sua terra, tacou um porrete em cima do dedo: tibufo!”
Daí eu não concordar com a imagem, mesmo metafórica, de uma governadora – e, por extensão natural, de uma prefeita – dando bananas. Ainda mais para a Cultura. E mesmo tão maltratadinha como a nossa C. potyguar.
Mas, talvez seja o caso de dizer que, seja uma seja a outra, governadora e prefeita estão cruzando os braços, sim senhor. Se a segunda ainda está nos seus primeiros cem dias, a primeira já vai pelo sexto ano, ou seja, quase dois mil dias, bem mais que mil e uma noites.
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BANANA
Othoniel Menezes tem um poema intitulado “Banana” – começa assim: “Vou-me para Tegucigalpa/ Ou melhor para a Jamaica/ Num pau-de-arara analfabeto./ Vou até lá que avião e trem andam repletos caindo./ Onde deve haver mulheres-flores frutas/ É Tegucigalpa”.
Na capital de Honduras, segundo o príncipe (dos poetas potyguares), “tem é banana e macumba e da boa e sem gelo.”
BANANA II
Cascudo lembra que “o mais popular dos vocábulos africanos no Brasil” teria sido a verdadeira maçã de Adão e Eva no paraíso terrestre, e que a primeira mulher teria sido seduzida justamente pela semelhança fálica da fruta.
BANANA III
Durante muito tempo, a banana era para os europeus, pelo alto custo, o equivalente da maçã nestes Tristes Trópicos – quando o sobrescrito era menino (ontem) só se comia maçã quando doente, regalia da enfermidade. Os meninos da minha geração, do outro lado do Atlântico, também só se deliciavam com a banana quando malatos.
BANANA IV
Cláudio Fornari, em seu “Dicionário-almanaque de comes & bebes”, cita: “Os herboristas chineses já há muitos séculos aconselhavam a banana aos convalescentes.”
BANANA V
Gumercindo Saraiva cita outros dois significados, além da “mímica obscena herdada de Portugal”: “pacote de maconha”, e, “coisa fácil”. Está no “A gíria brasileira, dos marginais às classes de elite”.
BANANA VI
Não encontro bananeiras nas páginas de “Nordeste”, que trata da monocultura da cana-de-açúcar, de Gilberto Freyre – a não ser quando cita os viajantes estrangeiros encontrando ao redor das casas dos engenhos grandes espaços inteiramente nus – com, “detrás da casa, algumas touceiras de bananeira onde se defecava manhã cedinho.”
BANANA VII
Henry Koster, que viveu no Nordeste entre 1809 e 1820, cita entre os poucos “frutos selvagens” cultivados, a melancia e a bananeira (“Viagens ao Nordeste do Brasil”, tradução, prefácio e comentários de Cascudo).
BANANA
Rudyard Kipling, autor de uma série de reportagens sobre sua viagem aos Trópicos, em 1927 (“As crônicas do Brasil”), versejou sobre o tema no poema “Uma canção de bananas”, onde diz que seus conterrâneos ingleses não sabiam o que era uma banana – “As legítimas são vermelhas e douradas, e verdureiro algum as possui,/ Pois prosperam em um país de linhagem,/ (Que os homens viajam longe para visitar).”



PROSA
“Os grupos humanos sem bananeiras denunciam isolamento, primarismo, marcha inicial.”
Câmara Cascudo
Made in Africa
VERSO
“emerge da casca
em riste.”
Napoleão de Paiva
“banana”

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