quinta-feira, 2 de abril de 2009

Passarinho

Se eu fosse um desses cronistas de quatro costados, bastaria um passarinho à minha janela, limpando as penas com seu minúsculo bico, as asas coladinhas no corpo miúdo, os olhinhos tão saltitantes quanto seus pezinhos, esse jeito manso de girar o colo inexistente em virações fantásticas. Enfim, bastaria toda a parafernália emplumada mais ou menos exuberante que imagino dispor um pássaro diante do olhar criativo do cronista inveterado para tecer uma crônica igualmente de quatro costados.
Mas.
Os passarinhos até pousam no parapeito da minha janela, o corpo agigantado em primeiríssimo plano diante da massa compacta de arranha-céus ou simples prédios, nem tão tristes nem tão altos a ponto de sequer azunhar a abobada celeste do céu com suas antenas de tevê. Pousam, me olham, esperam que eu bata violentamente os dedos no teclado do computador portátil, tomado por inspiração divina transfigurada no seu corpo saltitante, mas.
Mas.
Do lado de cá da janela, eu me comporto como um retardado mental a olhar com olhos mais ou menos curiosos o outro retardado mental que me guarda.
Eu desconfio que o cérebro das aves não é lá essas coisas todas. Eu devo ter lido, em algum lugar, na National Geographic, na Superinteressante, nas Seleções de Reader’s Digest, algo do gênero.
Também meu cérebro, desconfio, não anda lá tão saltitante, embotado por um resto de dor de cabeça que resistiu à madrugada insone coberta de vapores alcalóides.
Em dias como esse a gente acorda já indisposto com a algazarra febril que faz a passarinhada lá embaixo, nas ruas, nos lajedos e tabuleiros, disputando migalhas entre as juntas dos paralelepípedos. Tem um quê de felicidade infantil, de pátio do recreio no jardim de infância, de despreocupação itinerante, esse zunzum de bicos, esse trinar canoro, esses gorjeios mais ou menos desafinados, que a dor martela intermitente no quengo do cristão, como se perguntasse feito o corvo de Poe: por quê? Por quê? Por quê?
Enquanto o bicho, que pouco a pouco parece mais inteligente que eu, continua grudando os olhos no pseudocronista, como se indagasse – e aí? Rola ou não rola essa crônica?
Como a escopeta não guardo em casa, finjo que não é comigo e continuo lendo os blogs locais. Fulano disse isso, Sicrano fez aquilo, Beltrano não titubeou em sacanear um outro Fulano que não é o Fulano inicial, que de Fulanos o universo está lotado.
Só pra sacanear – agora é minha vez – o bípede emplumado e empoado, saco da algibeira um saquinho de plástico com uns pães suecos que comprei para experimentar o tal sabor escandinavo e me sentir flanando por Estocolmo à espera de Greta Garbo. O pão sueco – informo aos comensais – é uma fatia retangular, fina e crocante, com gosto de “preciso-continuar-provando-pra-saber-que-gosto-tem”. Como o gergelim entra na composição, imagino que provoque água no bico do passarinho. E, a Sociedade Protetora dos Animais que reclame, mas não dou um tico do meu pão sueco pro feladamãe empoleirado na minha janela.
Por falar nele, cadê? Ah, que peninha: cansado da lengalenga do suposto cronista, bateu asas, voou.
*
AO MESTRE COM CARINHO
“Inimigos da Educação, Traidores da Escola Pública” é alcunha pespegada em riba dos cinco governadores que entraram com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a Lei do Piso (que determina que nenhum professor deve receber menos de R$ 950/mês, por 40 horas semanais). Entre os cinco, a região Sul comparece em peso – Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul –, mais Mato Grosso do Sul, e o Ceará, na solidão do Nordeste.
Seria bom ouvir os governadoráveis daqui pra saber o que pensam sobre o tema salarial.
Hoje tem reunião com sindicatos e parlamentares na Câmara dos Deputados e ato público em frente ao STF, em Brasília. Amanhã, está programada uma paralisação, em todo território nacional.
1000
Zé Dias lança camiseta comemorativa do Milésimo Show do Praia Shopping Musical, a R$ 20. Os festejos começam amanhã, a partir das 18h, e seguem pelo sábado, a partir das 13h.
Entre os destaques de amanhã, o celebrado encontro dos baixos de Serginho Groove e Junior Primata, e o encontro de trompete, cavaquinho e pandeiro de Antonio de Pádua e Cia.
Para sábado, Khystal “unplugged” e o Candeeiro Jazz.
SHOW
O cearense Zivaldo Rodrigues Maia se apresenta logo mais, 20h, no TCP da Fundação Zé Augusto. Antes, o grupo Sonorozinho abre alas pro violão de Zivaldo.
SUPERSTAR
Abre hoje (18h) a exposição “A Industrialização do Santo Cristo”, do artista plástico Anchieta Rolim, e segue até 21 de abril, na galeria da Capitania das Artes.
Deve gerar alguma polêmica, ao menos pelas intenções expostas no release: criticar “a comercialização da imagem de Jesus, praticada por pessoas e religiões”.



PROSA
“O amor é uma corruíra no jardim – de repente ela canta e muda toda a paisagem.”
Dalton Trevisan
Ah, é?
VERSO
“Eles passarão...
Eu passarinho.”
Mario Quintana
“Poeminho do contra”

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