quarta-feira, 22 de abril de 2009

Pequenas grandes coisas

Uma das grandes coisas da vida é assistir um bom filme, numa bela sala, com um belo som.
Não tem muito filme bom passando (quase nunca tem) e na última vez que fui ao cinema uma menina, adolescente tardia, passou toda – t-o-d-a, sem exagero – sessão conversando com uma amiga. Onde? Claro que na poltrona à minha frente. Eu fiquei sem entender: elas pagaram ingresso para ficar conversando no cinema. Pois, pois. E não é modo de falar: a menina não fechou a matraquinha um segundo sequer. Não contei, mas arriscaria a estatística: oito entre dez palavras era uma palavra só – “mainha”. Mainha pra cá, mainha praculá. Muito raramente saía um “painho”, mas com bem menos intensidade. Eu fiquei na minha, porque não gosto de confusão, e o filme na tela era um filme infantil, meio bestinha, uma invenção sem pé nem cabeça chamada “Monstros versus Alienígenas”, ou coisa que o valha. Daí não exigir muito da minha atenção e eu queria ver até onde iam, só para, ao final, poder dizer, abismado, o que já disse:
– As duas conversaram durante TODA a sessão!
Nem bem o filme acabou, e as garotas foram embora, mas ainda deu pra ver que a que tinha bebido água de quartinha (de chocalho, aliás) era gordinha. Ah, mas por que fui falar? Vão me acusar de preconceito com os obesos e tal. Mas dizer o quê? Era gordinha. Gorda. Gordinha. Não estou dizendo que ela, coitada, por não ter o que fazer no shopping, tipo assim, paquerar, se meteu no escurinho do cinema pra falar com a amiga, não estou dizendo. Mas era gorda, gordinha, gorda. E não se fala mais nisso.
OUTRA GRANDE COISA
Uma das grandes coisas da vida é comer e beber bem, num belo restaurante, com uma bela companhia (e não me refiro a uma única companhia feminina, maldosos: falo de amigos, parentes, irmãos).
Não tem muito restaurante bom na City, nem nas bandejas dos garçons passa qualquer coisa de fenomenal, mas dia desses, noite dessas, estive num japonês da Afonso Pena, quase esquina com a Mossoró. Ou seja, em pleno coração (ou fígado, estômago, rins, intestinos, moelas, sei lá) do Palumbismo. Então, já viram, né? Aquele papo, carrões estacionando, figurões e figurinhas da Natal Quatrocentona ou do Último Decênio exibindo seus músculos (os machos), e a última escova progressiva (as fêmeas), e as mesmas roupas (ambos). Mas quando chegamos não tinha quase ninguém e os garçons não parecem ser, como em outros restaurantes do gênero, mais importantes do que nós, reles e comuns clientes. Então, a noite prometia, mas vou deixar as promessas da noite para o próximo parágrafo.
Que é esse aqui. Então. Pois. Tal. O sobrescrito não sabe a diferença de um sushi para um sashimi (estou aprendendo, devagar, mas aprendendo), mas como descrever a primeira combinação da noite? Divino? Maravilhoso? Divino Maravilhoso, para homenagear o Tropicalismo? Divinomaravilhosofenomenalsaborosodeliciososupercalifragilisticexpialidocious. Pronto, se encerra aqui minha carreira de crítico gastronômico, mas acho que tá bem explicado.
Daí, vieram outras combinações, e a multiplicação das garrafas de saquê. O saquê não era essas coisas todas muito menos esse saquê todo, mas o efeito era uma maravilha. E – maravilha das maravilhas, revelação das revelações – o sushiman era o proprietário, ou seja, o proprietário era o sushiman, ou seja, mete a mão na massa, mesmo, digo, no peixe cru, nas folhas de acelga, nos... Bom, decorei só esses dois ingredientes. Então, contava eu, o proprietário ser o sushiman faz a diferença do lugar. Na mesma proporção da inversão da assertiva: o sushiman ser o proprietário, também. Porque a regra nesta Capital Espacial é o proprietário abrir o negócio como as lulus de uma época abriam uma butique: entram só com a grana e tamos conversados.
Mas todo esse palavrório, no fundo, no fundo, era para chegar na terceira parte da coluna de hoje. Ei-la:
TERCEIRA GRANDE COISA
Uma das pequenas coisas da vida é levar os filhos à escola. Tão comum, tão banal, tão cotidiana, que nem nos damos conta de como é bom e grandioso o ato. Normalmente – para os pais do turno matutino, claro – é uma das primeiras obrigações do dia. Noves fora levantar-se heroicamente da cama, escovar os dentes etc. Daí que normalmente a associação não é das mais favoráveis. A escola é ante-sala do Inferno – que, todos sabem, é o trabalho, o expediente, o patrão, os colegas e o salário minguante no fim do mês coincidindo com as prestações altas, incluindo o carnê da escola e tais.
Mas, crianças (falo a vós, leitores), em verdade, em verdade vos digo, um pai pode sentir-se realmente pai quando leva o filho, ou a filha, ou ambos, à escola.
Desconfio daqueles que largam o menino no estacionamento interno, a mochila no chão, e partem, sem nem saltar do carro.
Bom mesmo é estacionar (de preferência em local permitido), descer, pegar a mochila numa mão, a mãozinha da criança na outra e caminhar, orgulhoso, até a sala, beijar, abraçar, e dizer: “Divirta-se, comporte-se, seja feliz.” Eu, confesso, não faço isso todos os dias, mas sempre que posso, faço. Embora sei que chegará o dia em que ela me dirá: “Não, papai, já sou grande, posso ir sozinha.” E aí, arrasado, só me restará a lembrança dos dias em que ela me levou pela mão até a sua sala de aula, me abraçou, me beijou, sem me desejar explicitamente nada, apenas me fazendo verdadeiramente feliz.



PROSA
“Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria.”
Machado de Assis
Memórias póstumas...
VERSO
“Filhos... Filhos?
Melhor não tê-los!
Mas se não os temos
Como sabê-lo?”
Vinícius de Moraes
“Poema enjoadinho”

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