sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

Adivinhe quem vem para o café-da-manhã: Minha Mãe

Será uma surpresa, talvez, para aqueles que não gostam do sobrescrito (os há, os há), saber que, sim, também eu tenho uma mãe.
Com nome e sobrenome, claro, embora mãe é mãe e basta o substantivo, nome, título. Por isso que coloco logo lá em cima, “minha mãe”, pois assim aprendi a chamá-la derna que desandei a falar – muito pouco, diga-se a verdade. E deixo pra cá pra baixo a revelação de seu nome: Maria Crinaura. E sobrenome: Dantas Cavalcanti – aquele de casada – e o de solteira: Freire Alves.
Mas, tal qual aquela resposta de João, o Batista, a quem o tomava por Cristo, não sou digno de desatar a correia das alparcas de minha mãe.
Por isso e por que é Natal (ontem, hoje, sempre), antecipo o tradicional café-da-manhã do sábado. E, por que é Natal (ainda é Natal, deveria ainda ser Natal), publico texto da minha mãe. Nem tão inédito assim. Foi escrito lá pelo início da década de 70, lá se vão três décadas, quase quatro. Com ele, ela ganhou um prêmio de uma revista feminina, nacional – não lembro se Cláudia ou Desfile, patrocinado por uma marca de cosméticos; mas lembro bem que durante muito tempo uma enorme caixa com perfumes, sabonetes e que tais ficou guardada em algum canto da nossa casa. Até que os perfumes e sabonetes foram sumindo, restou a caixa, até que ela também sumisse, permanecendo apenas em nossas lembranças o cheiro inesquecível da infância e dos acontecimentos mágicos da infância.
Também, há uns seis anos, um dos meus irmãos e eu cultivávamos, juntos, o sonho de uma cachaça artesanal de alambique, de qualidade: pois, usamos o texto materno para um cartão de Natal simpático, idos de 2002.
Pouco há a acrescentar ao texto abaixo. Nas entrelinhas, o retrato de uma típica família média potyguar, pai, mãe, quatro filhos. Uma família como muitas. Um período como poucos, denunciado por palavras-chave como “Dodge Dart”, ou “hippies”, onde ainda o principal do Natal era o aniversariante.
Numa palavra: Saudade.


UM NATAL DIFERENTE
Sempre planejo um Natal diferente. Que não seja pré-fabricado, que fuja à tradição no que ela tem repetido e copiado. Que nesse Natal só fique mesmo o que é autêntico, que traduza nossa alegria pelo nascimento do Menino, alegria pura como a água da fonte, correndo e cantando uma doce canção ao filho de Maria.
Bem, quero um Presépio vivo. Maria, José, o Menino, o boi, o burrinho, pastores, ovelhas, e até a estrela, seriam gente. Meus filhos, os seus amigos, eles mesmos escreveriam a seu jeito um Auto de Natal. Nós adultos nada faríamos a não ser quando chamados, quando solicitados.
E fico a imaginar a beleza da festa, a autenticidade da mensagem da Criança, interpretada por outras crianças! A linguagem simples, onde os erros de concordância seriam compensados pela riqueza do conteúdo e pela graça da interpretação.
Que cantos cantariam os pastores? Que palavras diria a Mãe do Menino, para consolá-lo do frio da noite, da dureza do berço improvisado?! Quem seriam os Magos?! Trariam ouro, incenso e mirra, ou um chocalho colorido, ou um saco de balas?
Ah, eles fariam tudo. Poderiam cantar desentoado, poderiam chegar vestidos de palhaços ou “caubói” de barba, ou hippies, mas na manjedoura o Menino sorria ao vê-los entrar. Talvez um burrinho “de mesmo” invadisse a casa, talvez arrancassem do céu o cometa que se aproxima e conseguissem fazê-lo parar em frente à pequena cabana do nascimento. Mas seria uma cabana? Ou colocariam seu pequeno posto de gasolina de brinquedo para abrigar o Deus Menino? Bem, talvez achassem melhor que os Magos viessem num Dodge Dart, vermelho ou azul, ouro ou prata, mas sempre colorido como seus sonhos infantis.
A festa não teria hora para começar nem terminar. Seria a festa das crianças para A Criança. E certamente algum pastor caminharia para o Presépio cantando uma música de Roberto Carlos, enquanto outro, sorridente, entraria na gruta tendo na mão uma garrafa de refrigerante e mastigando gulosamente um cachorro-quente.
E nós adultos? Poderíamos ser “convocados” ou esquecidos, mas guardaríamos na lembrança as imagens esplêndidas desse Natal. E entre dormindo e acordados, entre o sonho e a realidade, víssemos de repente o Menino crescer, levantar-se e correr com os nossos pela casa, irmãos de nossos filhos, filho nosso também. [Maria Crinaura Dantas Cavalcanti]



PROSA
“E, entrando o anjo aonde ela estava, disse: Salve, agraciada; o Senhor é contigo; bendita és tu entre as mulheres.”
São Lucas
O evangelho segundo Lucas
VERSO
“não há redenção
há o deserto”
Adriano de Sousa
“João Batista”

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