segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Três e-mails

Nesta temporada de carnatal – que obriga, a quem fugir não pode do Corredor da Alegria, a permanência na própria residência pelo temor aos congestionamentos, do trânsito e do silêncio – recebo três e-mails que me tranqüilizam a alma, tão combalida e carente de confete e serpentina, pierrô e columbina.
O primeiro, de uma leitora, S. M. as iniciais. Diz que lê esta coluna todos os dias – e acrescenta, à guisa de arremate final: “adoro”.
Mais: que amou a de sexta passada, “porque toda quinta-feira estou no Nordestão da Roberto Freire”. E conclui: “Obrigada pela parte que me toca”.
O segundo é de uma velha-conhecida-nova, G. L. (as iniciais são pelo pudor alheio). O motivo, a mesma crônica citada por S. M., que em G. L. produziu “gargalhadas”. E revela assunto intimamente familiar: “Continuo lendo você, mesmo que para isso tenha que almoçar, aos sábados, na casa da minha mãe, ou tomar um expresso, no café da Seridó”.
Ora, ora, se esta coluna está proporcionando encontros filiais quem haverá de questionar sua utilidade pública? Ademais, que ninguém ouse revelar à excelentíssima genitora de G. L. que a visita da filha iluminando as manhãs dos sábados tem outros motivos e intenções que não apenas preencher as cavidades do coração materno.
Da minha parte, auguro que a senhora ofereça à filha uma xícara de chá, ou café, uns biscoitos de polvilho, um bolo de laranja, para acompanhar a leitura deste sobrescrito. E que, em silêncio, observando a filhar ler o jornal, lhe faça um afago nos cabelos, porque para isso as mulheres se tornam mães, e para isso nascem as filhas: para se olharem com carinho e respeito, para medirem na juventude de uma, e na velhice da outra, o passar do tempo e sua arquitetura, às vezes impiedosa, mas quase sempre de uma beleza invulgar.
É de G. M. uma frase, lamento, poema, também de uma beleza rara: “Quisera escrever poemas, talvez não fosse triste...”
Longe da tristeza, felicidade é o que me trouxe o terceiro e-mail, de Luiz Gonzaga Cortez, jornalista de fina estirpe, amizade que se constrói pouco a pouco, à distância, mas com admiração recíproca. Felicidade porque fala de livros, fala de mães, de pais, do Dr. Antônio José de Melo e Souza, pseudônimo de Polycarpo Feitosa, e fala de uma Natal antiga, todos objetos de devoção deste sobrescrito, a cada dia mais velho, a cada dia mais ranzinza, como convém à estereotipia que se faz dos mais idosos, ou os de meia-idade, como eu.
Segue um resumo deste terceiro bilhete eletrônico:
“Meu caro Mário Ivo, Laélio Menezes de Melo não foi o único a encontrar os originais de um livro importante, no caso dele, ‘A canção da montanha’, de Othoniel Menezes, seu pai. Também eu achei os originais de um livro que se considerava perdido, nunca tendo sido publicado: ‘Natal do meu tempo de menina’, o título que a minha mãe, Maria Natividade Cortez Gomes (1914-1990), deu a um dos seus livros. Encontrei os originais, manuscritos, dentro de uma caixa cheia de livros, no meio de dois volumes da ‘Divina comédia’. Para mim, foi um achado de valor, pois conhecia apenas umas dez folhas datilografadas. Quando a minha mãe era criança, Natal era uma cidadezinha pequena e pacata. Ela foi criada na Ribeira, na rua do Triunfo, hoje 15 de novembro, nos tempos em que o bairro era um misto de bairro comercial e residencial. Considerei interessante o trecho que se segue:
‘Certa ocasião, havia uma festa no Teatro Carlos Gomes. Tratava-se de uma festa cívica na qual o governador Dr. Antônio de Souza estava presente. Então a Lilita chamou-me para irmos à dita festa, às escondidas dos nossos familiares. Ao chegarmos no teatro, este estava inteiramente lotado. Pois não é que resolvemos ir para o camarote do governador? Ficamos aboletadas e assistindo a festa sob os olhares atônitos do governador. O Dr. Antônio de Souza, com aqueles óculos, não cessava de nos mirar, mas não mandou nos enxotar. Assim, assistimos de camarote a festa cívica daquele ano.’
Vou tentar publicar o livro em 2009. Por hoje é só. Um abraço. Luiz Gonzaga Cortez.”
Perceberam no texto de Dona Nati Cortez similaridades com os dias que correm? As famílias iam ao Teatro, o governador dispunha de camarote, a festa era dita cívica.
Tudo muito parecido com o Carnatal.
Mas, chega! Isso é outra história. Lá vem este chato novamente, sem nem mesmo preocupar-se em meter umas galochas para ficar mais a caráter. Falava eu de e-mails e de leitores, falava eu da alegria que S. M. me proporcionou, porque se identificou com uma daquelas mulheres do Nordestão da Roberto Freire.
Falava eu, pintando com tintas edulcoradas o encontro aos sábados de mãe e filha – que, enfim, espero não tenha sido afetado pelas agruras do... argh... Carnatal.



PROSA
“O carnaval é uma amostra, na terra, de como será o inferno no céu.”
Júlio Camargo
A arte de sofismar
VERSO
“eu e o meu hábito
de ser feliz”
Diva Cunha
“eu e o meu hábito”

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