terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Retrospectiva 2008 (I)

Entra ano sai ano e as retrospectivas servem, supostamente, para espanar o pó da memória, acumulado nos mais de trezentos e sessenta dias e noites. Sem muito esforço, pinço daqui, pinço daculá, algumas abobrinhas escritas e publicadas aqui nesta coluna – que continua, claro, amanhã.

JANEIRO
“Sarkozy é a tradução francesa para a malandragem. Explicita e explora ao máximo a sentença de que por trás de um grande homem existe sempre uma grande mulher. E, no seu caso, literalmente: informam as folhas que tudo sabem que a femme é alta alguns centímetros a mais que o garçon. Em tempos de vulgarização globalizada, são a nova versão para o par Sartre-Beauvoir. Até que dure.” [segunda, 7, sobre o casal Bruni-Sarkozy]
FEVEREIRO
“Descubro que ‘Alças de agave’, o livro prometido de François Silvestre não revela muito mais do que já se sabia. Sobre o folioduto – que eu prefiro como foliaduto. François nomeia algumas reses, mas omite também alguns nomes do rebanho. O saldo, embora positivo, termina enfraquecido por essas ausências. Ao pisar em ovos, naturalmente quebra alguns. E mostra-se, ao longo das três centenas e meia de páginas, tão desiludido quanto enganado. Enganado pela governadora Wilma de Faria, pelos assessores diretos – alguns deles amigos pessoais –, mas enganado, principalmente, por ele mesmo, caçador de abelhas, criador de preás, servidor de pato na bandeja político-eleitoral. ‘O pato é um dos poucos animais que anda, corre, nada e voa’, escreveu, relembrando a campanha que levou Dona Wilma ao governo.” [sexta, 29, sobre o lançamento do livro do ex-presidente da FJA]
MARÇO
“Desculpe o lugar-comum, João, a escrita banal, mas a esta cidade lhe interessa mais os cifrões que as letras. As letras são um estorvo, ainda mais encarreiradas sobre o espelho embaçado ou no mármore polido do lavabo.
Os cifrões são redenção & religião.
E de nada vale lembrar que o dinheiro não se come. Como não? Estamos empanturrados, nos fartamos dia após dia em 30, 35, 300, 350 moedas de ouro. Esta é a Cidade dos Reis, João, la Ciudad de Los Reyes, dos historiadores d’antão, a perspectiva indefinida, de Cascudo.
E aos Reis não lhes é permitida a existência sem a vassalagem e tampouco sem a porção podre da corda – os mendigos. Aqui, mais que em qualquer outro lugar do mundo, a mendicância é a serventia da poesia.” [sexta, 14, em carta aberta ao poeta João Gualberto]
ABRIL
“Incrível, por que inacreditável, por que fantástico, extraordinário, extravagante, ridículo: leio num portal de notícias uma pequena manchete acompanhada de foto e tudo – ‘Depois do jantar, Caetano passa no mercado’. Clico em cima, a foto se alarga, vê-se o entorno do músico, em primeiro plano um caixa vazio de supermercado, mais adiante uma gôndola baixa com frutas – laranjas, laranjas, maçãs, vermelhas e verdes, e outras que não identifico –, e por trás dela um Caetano alheio ao fotógrafo, digo, paparazzi, rosto tranqüilo, de flâneur urbano, de flâneur de supermercado. Falta só o vento, a praia, o calçadão para compor com seus versos: ‘Caminhando contra o vento, sem lenço sem documento...’ Invés, ou quase isso, a didascália informa: ‘Tranqüilo, Caetano caminha perto das melancias.’” [sexta, 25, sobre o culto besta às celebridades]
MAIO
O que se pode questionar aqui é a definição por um partido (trabalhista) que nunca manteve uma relação clara com o dito Governo de Todos (socialista): a ambigüidade permeou a relação do PT estadual com o PSB estadual, bastando citar as Secretarias da Saúde e da Cultura (leia-se Fundação Zé Augusto). Nem um nem outro demonstrou algum esforço pro acerto dar certo. Findou-se escolhendo uma candidata que, noves fora a competência e o prestígio federal, não parece ainda agregar nem um nem outro lado, cada qual isoladamente, quanto mais de fazer uma ponte que una as duas margens e dure ao menos a barra-pesada de um processo eleitoral.
Tudo, graças à demora em se definir um candidato de consenso e, paradoxalmente, pela ligeireza com que se encontrou esse mesmo nome. [quinta, 8, sobre o apoio de Wilma de Faria à candidatura petista]
JUNHO
“Mas, corrijo-me enquanto é tempo: a crendice é universal – ‘A cidade mais supersticiosa do mundo é justamente New York, a maior, mais rica e mais povoada de universidades e propagandas’, já denunciava Seu Luís da Tavares de Lyra. Daí que a Polícia Federal batizou sua operação pegando carona no supra-sumo da superstição – a mitologia grega.
Foi uma festa na Capital Espacial do Brazil: caso não se recupere nem um mísero tostão dos propalados 36 milhões, caso não se prenda nenhum do Clube dos 13 por mais que alguns escassos dias (as penas, informa o sítio da PF, comprovadas as culpas, podem chegar ao máximo de 65 anos), ao menos a operação servirá a algo – ninguém agora desconhece a deusa Hígia, e todos sabem de onde vem “higiene”. Uma beleza. [segunda, 16, sobre a Operação Hígia, deflagrada na sexta-feira, 13]



PROSA
“Querer ser de seu tempo é estar, já, ultrapassado.”
Ionesco
Notas e contranotas
VERSO
“O tempo o mesmo tempo de si chora.”
Camões
Sonetos

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