sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Especial Carnatal II

Segundo dia de Carnatal, o sobrescrito aproveita pra reciclar crônica escrita há mais ou menos um ano (o calor devia de ser o mesmo dos dias atuais: infernal). Não é falta de assunto, não é preguiça, não é... aliás, pode ser tudo isso junto, mais o clima de Carnatal que não permite, mesmo aqueles que fogem dele, a concentração no trabalho. Aproveitem:
COMO UM DIA DE DOMINGO
Na beira da praia de Pirangi, sou perseguido por um pacote de tostines.
Ok.
Era um richester, a embalagem estava vazia, ventava etc, mas tostines é mais literário e me permito licenças poéticas, com copyright ou não do fabricante, pode ser?
Desculpa, estou sendo agressivo, eu sei. Mas você também estaria, se estivesse, hoje, na praia de Pirangi:
– Na praia de Pirangi, além de ser pedinado por um pacote de biscoitos, um magote de gente feia.
Gente feia pra tudo que é lado!
Mulheres, homens, crianças, velhas, tudo gente feia!
Um conselho: no Nordestão da Roberto Freire tem mais gente bonita (em qualquer lugar do mundo tem mais gente bonita que na praia de Pirangi hoje de manhã – mas eu dou a dica: Nordestão, Roberto Freire).
É sério.
Especialmente na quarta-feira, das frutas&verduras. Além das promoções, um monte de mulher bonita, pra tudo que é lado, que no caso de um supermercado é lado que não acaba mais, cada gôndola com quatro, pois. Elas aparecem em bandos, em filas, aos pares, sós ou acompanhadas, empurrando o carrinho, carregando a cestinha azul, a cestinha amarela, a cestinha vermelha (o Nordestão tem um padrão de cores para as cestas? Respostas para a redação), de vestido, saia, moletom, de blusa sem alça revelando a axila nua no momento sublime de pegar uma caixa qualquer na prateleira mais alta, de calça cocota (ainda se diz calça cocota?) e barriga tanquinho, de havaianas no pé, melissa, ipanemas, sapato alto, tênis, bota, coturno.
Tem loiras, morenas, ruivas, negras, asiáticas, afro-asiáticas, juro!, o Nordestão é um melting pot, ante-sala do Paraíso.
Saca as 400 virgens prometidas por Alá? Pois, lá tem mais, bem mais que isso – e o melhor é que nem todas haverão de ser, pois, virgens.
... tem mulher pra todos os gostos e idades: lolitas e balzaquianas, com suas infinitas nuances, com seus deliciosos matizes... Quê? Não pensem que sou um tarado, um vulgar e indecente voyeur, daqueles que enchem o carrinho com centenas de produtos, que não quer nem pode comprar, e depois sai de mãos abanando pela porta da frente, os funcionários gentis do Nordestão que se lasquem pra colocar tudo no lugar.
Não, não sou. É tudo pose de pretenso cronista.
Mas deixemos estar. Tudo isso foi na semana que passou [no ano que passou] e o que importa é que agora, hoje, agorinha mesmo, [ou seja, ano passado] estou aqui, na praia de Pirangi, rodeado de gente feia, a praia com mais gente feia por grão de areia quadrado.
As mulheres, então. Vou descrever as mulheres daqui: “Estão-todas-acima-do-peso-permitido-até-para-as-mais-obesas.”
Os homens concentram a massa dita muscular no abdômen.
As primeiras esfregam pelo corpo um creme pegajoso branco encardido na tentativa inútil de encobrir as estrias, as celulites, as veias varicosas.
Os segundos batem bola, fingindo que sabem jogar, enquanto seguram uma lata de cerveja numa das mãos. Ô rapaziada descansada! Querem ganhar como o Ronaldinho Gaúcho sem jogar como o Ronaldinho Gaúcho (ainda se usa como exemplo contemporâneo o Ronaldinho Gaúcho? Respostas para a redação). E de cerva na mão! – o que é um péssimo negócio para a humanidade que não se lixa com o lixo.
As crianças, naturalmente chatas, são ainda mais chatas à beira-mar.
Algumas até sorriem pra você, da baixura onde normalmente se encontram.
Ops! Que é que é isso? Um caquinho de vidro.
Um cacão, na verdade. As bordas afiadas, a ponta pontiaguda que se formou quando o fundo da garrafa verde quebrou.
Eu me abaixo, sim, faço esse formidável esforço, recolho o caco na mão.
Não que eu seja bonzinho – é mania mesmo. O menino que ainda adormece em mim recolhendo conchinhas e frutos industrializados do mar. Uma bela imagem poética. Posso usá-la na quarta das frutas&verduras.
Recolho, enfim, uns seis pedaços de vidro, de tamanhos, formas e cores distintas, todos cortantes.
Até nisso o Nordestão é melhor que a praia de Pirangi: duvido que se alguma daquelas moças bonitinhas deixar cair uma garrafa não apareça em segundos um funcionário prestabilíssimo, montado sobre as quatro rodas de seus patins, e recolha com uma longa vassourinha e uma longa pazinha a ameaça em pedaços.
Mas o pior de ir pra um lugar que descobrimos ser – ou estar – uma droga é ter de voltar sobre os nossos próprios passos.
E dar de cara, no portão de casa, com um pacote de rich... tostines, esperando por você. Ainda mais acompanhado de um Toddynho amassado, o canudo vermelho e branco acenando, com segundas intenções doentias.



PROSA
“Eu remarei para a terra logo que ela estiver cansada do mar.”
Rubem Braga
200 crônicas escolhidas
VERSO
“Apenas não nos decepcionaremos
Com tudo o que, decepcionando, já não causa mais dano.”
T. S. Eliot
“East Coker”

3 comentários:

  1. Oi Mario Ivo.
    O post vai atrasado, mas só agora li essa coluna. Na verdade, eu entrei no seu blog por conta do "Eu me remexo muito". O que eu queria falar, você pode achar romântico, mas o que eu queria comentar é que eu frequento a praia do meio e acho lindo ver aquelas mulheres, gordas, brancas, se enchendo daquela mistura com água oxigenada, de fio dental, se achando lindas. Mulheres de verdade, que tiveram filhos, que não passaram fome e se acabam na fritura com coca-cola porque assim a vida é muito mais legal :) Mulheres lindas, com preocupações verdadeiras, vivendo vidas verdadeiras...
    É isso! Estarei sempre por aqui! Luana.

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  2. Oi Mário Ivo.
    O post é atrasado, mas é a primeira vez que entro no seu blog (vim por conta do "eu me remexo tudo"). Só escrevi para falar, você pode achar romântico, mas eu só queria comentar que frequento a praia do meio e que adoro ver aquelas mulheres gordas, de fio dental, passando aquela mistura à base água oxigenda, se achando lindas. Elas transpiram sensualidade porque são mulheres verdadeiras, porque tiveram filhos e depois não se mataram de fome, se acabam na cerveja e na coxinha, e têm preocupações verdadeiras. Acho isso super sensual.
    Era só isso. Estarei sempre por aqui. Beijos.

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  3. pois é, luana, eu também acho e, ou, posso achar mulheres 'gordas' lindas - alguns leitores acharam q eu achei as mulheres do nordestão mais lindas porq mais chiques, mas uma coisa não implica necessariamente em outra. beijos tb.

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